Ciência e Saúde

Engordar emagrece a memória

Pesquisadores da Universidade Católica de Brasília comprovam a relação entre gordura no abdômen e incapacidade de evocar com precisão fatos antigos. Estudo relaciona menopausa com ingestão em excesso de calorias

postado em 15/06/2010 07:00

Lourdes preside a Associação dos Idosos de Taguatinga e aconselha as mulheres a controlar o apetiteEla é uma vilã que não faz a menor questão de se esconder.Incômoda, atrapalha na hora de praticar exercícios, dançar, escolher uma roupa. Mas a barriguinha ; apontada como a responsável por uma série de problemas de saúde ; pode ser ainda mais perversa. Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (UCB) mostra que os quilos a mais na região central do corpo são capazes de até mesmo apagar lembranças. O estudo, realizado com 301 mulheres do Distrito Federal, comprovou a relação entre a gordura acumulada no abdômen e os prejuízos para a memória de evocação, relacionada a coisas que ocorreram há muito tempo.

As mulheres que participaram do levantamento tinham mais de 50 anos e já haviam passado pela menopausa. Nesse período, o corpo feminino sofre a perda de estrogênio ; hormônio que, no cérebro, funciona como um sensor para o controle da quantidade de energia necessária ao organismo. ;Com menos hormônios sexuais, o organismo da mulher tem um funcionamento mais lento e, se ela continua a ingerir mais calorias do que necessita, vai armazenar as reservas nutritivas na cintura, no abdômen, nas costas, de acordo com as tendências de cada família;, afirma a mestre em gerontologia Hellen Paim Romera, autora do estudo.

Dona Belmira reconhece que não faz dieta e que muitas vezes esquece os nomes das pessoas com quem conviveu no passadoAs participantes da pesquisa responderam a um questionário com informações sobre escolaridade(1), eventual reposição hormonal, condições de saúde e hábitos de vida. Também fizeram um miniexame de estado mental, teste clínico que verifica as funções cognitivas da pessoa. O exame apura como anda a linguagem, a orientação geral, a orientação espacial, a orientação temporal, a atenção, o raciocínio lógico, a memória imediata e a memória de evocação. ;São perguntas extremamente simples. No caso da memória de evocação, o profissional fala três palavras aleatórias e pede para a pessoa tentar repeti-las depois de um tempo;, explica o professor Adriano Tavares, orientador da pesquisa.

Hellen Romera também coletou dados antropométricos das 301 mulheres: peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e medida da cintura, razão entre a circunferência da cintura e do quadril. A partir disso, a pesquisadora chegou ao índice de conicidade de cada uma, valor referente à quantidade de gordura acumulada na região visceral. Os resultados mostraram que mulheres com menor conicidade (com a gordura mais distribuída pelo corpo) tiveram melhor desempenho no teste que avaliou o estado da memória de evocação. Hellen e o professor Tavares encontraram apenas um outro trabalho semelhante a esse na literatura científica, feito com mulheres coreanas.

Causas
Adriano explica que a pesquisa pretende encontrar as causas do esquecimento provocado pela gorduraOs pesquisadores não conseguiram descobrir por que a barriguinha provoca esse efeito nas mulheres que já passaram pela menopausa. ;Esse é um estudo de associação da perda de memória de evocação em mulheres pós-menopáusicas com obesidade central. Em uma próxima etapa, vamos tentar definir a causa disso;, diz Tavares. O professor aponta duas possibilidades para o prejuízo da função cognitiva. Uma delas seria que o excesso de gordura central favoreceria a obstrução de artérias no cérebro, provocando o acidente vascular cerebral (AVC). ;A gente não sabe exatamente onde ocorre o processo de arteroesclerose. O que sabemos é que essa isquemia está afetando a memória;, diz o orientador.

Outra possibilidade é que a obesidade central provocaria a resistência insulínica, que ocorre quando o corpo necessita de mais quantidade do hormônio para garantir que a glicose chegue às células. ;A gordura visceral tem muito mais resistência à ação da insulina se comparada a de outras regiões. Se eu tenho sobrepeso, posso necessitar de mais hormônio para fazer a incorporação da glicose às células;, ressalta Tavares. ;E essa resistência leva a uma alteração do colesterol no sangue. Assim, há mais chances de se formarem placas de gordura nas artérias do corpo, inclusive, no cérebro;, completa.

Pesquisadores da Universidade Católica de Brasília comprovam a relação entre gordura no abdômen e incapacidade de evocar com precisão fatos antigos. Estudo relaciona menopausa com ingestão em excesso de caloriasA aposentada Belmira Duarte, 73 anos, diz que muitas mudanças aconteceram em seu organismo depois dos 50. ;A gente engorda, começa a ter problemas nos ossos. Não cuido muito da minha alimentação nem pratico exercícios físicos. O que segura mesmo são os remédios;, conta ela. Belmira lembra-se de muitas coisas da juventude, mas reconhece que, muita vezes, esquece o nome das pessoas. ;Tento manter a cabeça sempre ocupada, fazendo crochê, mexendo com artesanato;, relata. Lourdes da Silva Severino, 70 anos, presidente da Associação dos Idosos de Taguatinga, concorda que as atividades lúdicas melhoram a qualidade de vida dos idosos. ;Mas todo mundo que passa dos 50 precisa dar uma freada na alimentação, senão engorda mesmo. O essencial é buscar formas de tentar manter, pelo menos um pouco, a antiga forma;, opina.

Influência da educação
A pesquisa da Católica também mostrou que, quanto maior o tempo de escolaridade das participantes, melhor foi o desempenho no miniexame de estado mental. Segundo os pesquisadores, o resultado se deve ao fato de que mulheres mais esclarecidas têm uma probabilidade maior de preservar a autoestima e a saúde física e mental com a ajuda de um estilo de vida mais saudável.

Combate aos radicais livres
A receita para ficar em paz com a balança e garantir uma boa memória não é tão complicada assim. A nutricionista Patrícia Villas-Boas Andrade, da Faculdade Arthur Sá Earp Neto, do Rio de Janeiro, afirma que é preciso tomar mais cuidado depois dos 50 anos porque nessa fase há mais riscos de doenças neurológicas ; como o Parkinson e o Alzheimer. ;A pessoa deve ter uma dieta rica em antioxidantes: vitamina A, vitamina C, , selênio, zinco. São substâncias que reduzem a agressão dos radicais livres(2) ao organismo;, explica a especialista. A vitamina A pode ser encontrada na cenoura, na abóbora, no abacate, no mamão, no tomate e na melancia. A vitamina C está no limão, na laranja, no caju, na acerola e na goiaba. Os minerais selênio e zinco estão nas oleaginosas, como nozes, castanhas, avelãs e amêndoas. Também é importante ingerir alimentos ricos em vitaminas do complexo B: massa e arroz integrais.

Outra substância importante para a memória é a colina, presente no ovo, principalmente se cozido com a gema mole. ;As pessoas deixam de comer ovo por causa do colesterol. Mas isso é muito relativo, depende da situação de cada um. O que não pode é eliminar o ovo, mas continuar comendo salaminho e mortadela;, diz Patrícia Andrade. As frutas vermelhas também são fontes de um santo remédio para a memória: a fisetina. Essa substância é encontrada, ainda, na cebola, no tomate, no pêssego e no kiwi. ;A fisetina faz com que as células do sistema nervoso central fiquem amadurecidas. Quando elas estão muito novinhas, não são capazes de desempenhar a função de transmissão dos sinais nervosos;, esclarece a nutricionista. Patrícia lembra, porém, que é preciso associar os alimentos para ter um bom resultado. ;Não adianta comer um quilo de morango, é necessário buscar um equilíbrio;, reforça.(CV)

Substâncias do mal
Radicais livres são moléculas formadas durante situações de estresse e que agridem o organismo, gerando deficiência de nutrientes. Os radicais livres surgem a partir de uma alimentação desequilibrada e da poluição ambiental, coisas bastante comuns nos dias de hoje.

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