Ciência e Saúde

Cientistas criam fígado artificial

postado em 16/06/2010 08:28

Milhões de brasileiros convivem com doenças do fígado, como a hepatite C e a cirrose. Nesse complexo órgão, ocorre a maior parte das reações metabólicas do organismo e a purificação do sangue. A falência hepática significa quase uma sentença de morte. É muito difícil encontrar doadores compatíveis para um transplante bem-sucedido. Graças à engenharia de tecidos e à ousadia de um cientista turco, esses pacientes começam a vislumbrar uma esperança de cura. Korkut Uygun, do Centro de Engenharia Médica do Hospital Geral de Massachusetts, ajudou a criar em laboratório pelo menos 20 fígados que se mostraram funcionais. Cinco deles foram implantados em camundongos.

A ideia de produzir fígados artificiais foi inspirada pela fabricação de um coração pulsante sintético ; a façanha da médica norte-americana Doris Taylor, da Universidade de Minnesota, foi publicada dois anos atrás pela revista científica Nature Medicine. ;Não achávamos que fosse funcionar para o fígado. Ao contrário desse órgão, o coração tem uma matriz extracelular muito fina;, explica Korkut, em entrevista ao Correio, por e-mail. O que ele e seus colegas fizeram foi usar um detergente especial para lavar o fígado cujas células são inviáveis. O resultado da lavagem é uma carapuça (matriz) descelularizada, dotada de microarquitetura e de vasos sanguíneos. ;Usamos esses vasos para repovoar a matriz com células hepáticas;, afirma Korkut. Em um estudo secundário, Korkut obteve um grande número de células de alta qualidade, a partir de fígados danificados. ;Para nossa surpresa, depois da retirada das células, a matriz reteve o formato e o comportamento do fígado;, acrescenta.

Sequência de fígados que foram lavados para eliminar células danificadas e que depois foram reprovados por células boas

O cientista de Massachusetts lembra que milhares de pacientes morrem a cada ano. Em alguns casos, nem mesmo o transplante é solução de cura. Isso porque o fígado ficou bastante danificado, após não ter sido abastecido com oxigênio e sangue por muito tempo. ;A ideia é usar esses órgãos danificados apenas para criar um enxerto transplantado. Após a lavagem da matriz e o repovoamento com células, mantemos o fígado no laboratório, por alguns dias, para que elas possam se reconectar e restabelecer suas funções;, comenta o coautor do estudo divulgado também pela Nature Medicine.

O processo
A pesquisa teve duas fases. A primeira etapa foi manter os fígados recelularizados em biorreatores, o que permite uma avaliação sobre como eles realizam certas funções específicas. ;Por exemplo, vemos como o órgão produz albumina, uma proteína necessária para manter a pressão osmótica no sangue. Também medimos a produção de enzimas responsáveis pela eliminação de toxinas do sangue;, relata Korkut. De acordo com ele, os resultados comprovaram que o fígado recelularizado preservou a maior parte das especializações do fígado natural, ainda que não tão perfeitamente. ;Testamos mais de 20 fígados recelularizados. Cinco deles foram transplantados em camundongos. Para analisar se o novo órgão permaneceria intacto, nós o mantivemos por apenas oito horas. Tudo funcionou bem;, comemora.

O estudo pode abrir brecha para que, um dia, os médicos usem as células do paciente para fabricar um novo fígado, a partir do próprio órgão danificado. ;Se formos bem-sucedidos, poderíamos usar essa técnica para tratar da falência hepática;, diz o turco, que vê na engenharia de tecidos uma excelente solução para um grande número de problemas da medicina. Ele reconhece, porém, que repetir o trabalho da natureza é um desafio ;bastante complexo;. ;Pesquisas intensas têm sido feitas há décadas, mas com poucos sucessos. Se formos realmente sortudos, poderemos fazer com que isso funcione em 10 anos;, garante. Ainda assim, Korkut prefere a cautela e faz uma recomendação à população em geral. ;Eu não começaria a beber de forma contumaz, apostando que em 10 anos haverá um novo fígado à minha espera;, ironiza.

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