Em clima de Copa do Mundo, o cartaz afixado no Hemocentro de Brasília diz que ;doar sangue é como marcar um gol: você faz sozinho, mas todo mundo está ganhando;. Nessa época do ano, porém, o time encolhe e as chances de vitória caem pela metade. O frio e a proximidade das férias afastam os doadores que, no Brasil, já são poucos ; 1,9% da população. Embora dentro dos padrões da Organização Mundial de Saúde (1% a 3%), é um percentual pequeno, considerando que o país está crescendo, assim como o número de transplantes, que aumentou 58,3% entre 2003 e o ano passado.
A situação preocupa o presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH), Cármino Antonio de Souza. De acordo com a entidade médica, o percentual de doadores chega a reduzir 50% no inverno. Ele conta que em São Paulo a queda fica entre 20% e 30%. ;Parece pouco, mas isso significa 1,5 mil pessoas;, diz o hematologista. Considerando que cada doação de 500ml pode ser revertida em até quatro transfusões, são 6 mil pacientes que deixam de ser atendidos.
Em Brasília, cidade que se destaca por ter um número de doadores bem maior que a média nacional ; 3% da população ;, o frio e as férias também fazem com que os estoques baixem. ;As pessoas se recolhem mais;, reconhece a diretora do hemocentro, Maria de Fátima Brito Portela.
Mesmo com um percentual significativo de voluntários, a cidade sofre com a falta de sangue em determinadas épocas do ano. Se, por enquanto, as bolsas são suficientes para atender os pacientes, a situação estava crítica há até dois meses, quando havia apenas 170 bolsas de sangue O positivo, o mais comum na população, quando o ideal seriam 350. Os funcionários tiveram de apelar para os amigos e parentes para conseguir doações.
Decisão certa
Na manhã de terça-feira, nem o frio de 10; registrados em Brasília impediu o administrador de empresas Antonio Ribeiro da Silva, 56 anos, de marcar um gol de letra. Vestido com a camiseta da Seleção Brasileira, foi ao hemocentro pela quarta vez e ainda levou três filhos com ele. Rotariano, Antonio conta que sempre participa de campanhas entre os associados e procura convencer as pessoas próximas que a doação de sangue é um ato de amor. ;Você nem conhece quem vai receber, mas é uma coisa humanitária. É muito bom fazer o bem ao próximo;, diz Antonio.
Para a diretora do Hemocentro de Brasília, o número de doações poderia aumentar se as pessoas tivessem mais informações. Ela lembra que, diferentemente de países que enfrentaram conflitos bélicos, o Brasil não está acostumado com tragédias de grande porte, que exigem campanhas permanentes de doação. ;Os brasileiros acabam sabendo pouco sobre a importância de doar sangue;, acredita. A hematóloga faz um apelo dirigido às mulheres, ainda minoria no cadastro de voluntários. ;Hoje, a mulher vive com mais qualidade, mas a participação é muito baixa;, lamenta.
Ainda há mitos sobre o processo, como o de que doar sangue ;afina ou engrossa o sangue;. Também não é verdade que a prática emagrece ou engorda, nem que ;vicia;, como algumas pessoas chegam a pensar. Poucos sabem do benefício que estão fazendo ao abrir mão de 500ml durante a doação. Como o sangue não é fabricado industrialmente, a reposição, para quem precisa, só pode ter uma fonte: os voluntários.
Outra crença errada é achar que doar sangue faz mal à saúde. A quantidade coletada não ultrapassa 10% do volume que circula no corpo e todo sangue doado é reposto rapidamente pelo organismo. A segurança à saúde do doador é garantida pelo uso de material descartável durante a coleta. Além disso, os profissionais que trabalham nos hemocentros são treinados e capacitados.
O pioneiro que deu certo
Uma das formas encontradas pela Secretaria de Educação do DF de fidelizar os voluntários foi criar o programa Clube 25, que completou quatro anos na segunda-feira, dia mundial do doador de sangue. Há quatro anos, o projeto, pioneiro nas Américas, promove ações educativas para os jovens, que recebem um treinamento ministrado pelo hemocentro. Quando completam 18 anos, idade mínima para se tornarem doadores, eles assumem o compromisso de, até os 25, fazerem 20 doações, além de manter um estilo de vida saudável. Na segunda vez que realizam o ato voluntário, recebem uma carteira de membro fidelizado. ;Os jovens de Brasília são muito esclarecidos e aderem completamente ao projeto;, garante a diretora do hemocentro. Hoje, há mais de 3 mil participantes.
[SAIBAMAIS]
A autônoma Wânia Fonseca Leite, 26 anos, conta que sempre incentiva os amigos a doarem sangue. No dia da estreia da Seleção Brasileira, a jovem enfrentou o engarrafamento forte provocado pela corrida dos brasilienses ao trabalho, saiu de Taguatinga e, antes das 8h30, estava no Plano Piloto. Foi a terceira doação de Wânia, que se sensibilizou com a causa depois de assistir a uma reportagem sobre a falta de estoque de sangue nos hemocentros. ;Não custa nada. Não vai te fazer falta e, ao mesmo tempo, vai salvar vidas;, ensina a jovem.
Faixa etária
Com a proposta de ampliar a faixa etária dos doadores, em consulta pública desde 2 de junho no site do Ministério da Saúde (), a expectativa é que o país consiga mais 13,9 milhões de doadores. A restrição de idade ; 18 a 65 anos ; é uma questão apenas técnica, pois a doação não causa problemas para adolescentes e idosos. ;A expectativa de vida aumentou, assim como a qualidade de vida da população. Não tem por que uma pessoa com mais de 65 não poder doar;, acredita a hematóloga Maria de Fátima Brito Portela.
De acordo com o Ministério da Saúde, ;a ampliação da faixa etária é baseada em evidências científicas plenamente comprovadas por estudos internacionais;. ;Nos EUA, a associação americana de sangue (ABB) já aprovou que jovens com 16 e 17 anos e idosos acima de 65 anos possam doar. O sistema americano já adota estes novos critérios de idade, assim como a Europa. A decisão de ampliar para idosos com até 68 anos também vai ao encontro da tendência de crescimento da expectativa de vida da população brasileira;, afirmou o órgão, em nota.
Para o presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH), Cármino Antonio de Souza, a ampliação será bem vinda, desde que haja melhorias estruturais. ;A doação de sangue teve uma prioridade absoluta do governo em um determinado momento, o fim da década de 1980, devido ao problema gravíssimo do HIV. Depois, caiu a prioridade;, constata. Segundo ele, o Elisa, teste utilizado atualmente no Brasil no sangue dos voluntários, está ultrapassado. O exame só detecta o anticorpo, o que pode comprometer a eficácia.
;É preciso captar mais doadores, ao mesmo tempo em que se melhora a estrutura das unidades e a qualidade do sangue coletado;, defende Cármino. ;Temos que perceber a doação e a transfusão de sangue como um transplante, que não pode ser banalizado;, acredita.
SERVIÇO
Fundação Hemocentro de Brasília
Setor Médico Hospitalar Norte, Quadra 3, Conjunto A, Bloco 3 (próximo ao Hran). Informações: 3327-4413 e 160