postado em 19/06/2010 07:00
Muitos chefs tentam, mas poucos conseguem resgatar os sabores da comida feita em casa, com ingredientes frescos retirados do quintal e preparada a partir de receitas passadas de geração a geração, cheias de segredos das mães e avós. É o chamado tempero regional, extraído da forma artesanal de preparar uma refeição e que faz toda a diferença no produto final. Pois é esse o universo encontrado na VII Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária ; Brasil Rural Contemporâneo, que ainda pode ser visitada hoje e amanhã. Na estrutura montada à beira do Lago Paranoá, é possível degustar e comprar alimentos produzidos artesanalmente de norte a sul do país. Basta aproveitar as cestas de plásticos e as ecobags que são distribuídas para os visitantes e viajar, sem pressa, pelo rico mundo da gastronomia brasileira.
A feira está organizada por região e todos os estados estão representados por produtores que ainda preservam os costumes da preparação de velhos conhecidos, como a rapadura, os doces de compota, o queijo e a farinha de mandioca. ;Muitos produtos eram feitos pelas famílias para serem consumidos em casa mesmo, mas, com a oportunidade de criar cooperativas e associações, eles começaram a ter renda;, afirma José Batista, um dos organizadores da feira pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Rozilda Gomes da Silva viu no baru, castanha típica do cerrado, um ingrediente precioso. Na área de 18 hectares em que vive com a família, no assentamento de Canudos, dentro do município de Palmeiras de Goiás, ela planta verduras e, há quase dois anos, começou a comercializar os frutos de sua terra. ;Temos que aproveitar os ingredientes do cerrado. Eu adoro cozinhar e é bom fazer uma coisa produtiva. A gente torra a castanha, descasca, passa no liquidificador para ficar só o pó e faz várias receitas;, explica. Com as nozes, surgiram um doce, um pão e um aperitivo que parece amendoim depois de ser salgado. ;Mas tem que comer com casca, porque tem mais fibra;, avisa. Outro sucesso na banca de Rozilda é a farinha de mandioca temperada com cebolinha, orégano, cebola e alho.
Em Planaltina, o tempero é por conta da dona Yolanda Ramiro Mamão. No auge dos seus 78 anos, ela é presidente da Rurarte ; Associação de Produtores e Artesãos de Planaltina e ainda garante o sustento da família com a mistura seca de salsinha, manjericão, coentro, tomilho, alecrim, alho e sal. ;Bato tudo no liquidificador e misturo um pouco de óleo. As ervas são todas da horta na chácara onde moro. Faço isso há 15 anos e nem penso em parar;, revela a produtora. A associação também produz pimenta defumada, geleia de araticum e conserva de jurubeba, que, segundo dona Yolanda, é ;boa para misturar com o arroz, bem amarguinha;.
[SAIBAMAIS]
As bancas mais disputadas da feira são as dos queijos e dos embutidos. Para provar o queijo de minas curado da Fazenda Boa Fé de Santa Madelena, região serrana do Rio de Janeiro, os visitantes chegam a fazer fila. O segredo do sucesso? O preparo artesanal e dedicado de uma família de criadores de vaca. ;O processo é todo manual. Colocamos na câmara fria de 12;C com 90% de umidade. E todos os dias a gente lava e muda o queijo de posição, durante 25 dias, para ele ficar bem curado. Mas quem coloca a mão na massa mesmo é minha esposa. Eu ajudo um pouco e faço as vendas;, confessa o produtor Gilmar Carino.
Mesmo com um salame de 2,5m de comprimento chamando a atenção, a grande estrela na banca da empresa Salgado Filho é a cracóvia. O embutido é feito com pernil de suíno com pouca gordura, defumado por 12 horas para dar um cozimento interno perfeito. A receita com sal, pimenta e um tempero secreto, o qual o produtor Odair Schwingel não revela nem sob tortura. Diz apenas que o ingrediente é proveniente da Polônia e foi passado por um amigo da família. ;Meu pai tinha uma criação de porcos e fazíamos salames apenas para consumo próprio. Há 15 anos, veio uma crise no setor e descobrimos como a dificuldade pode abrir novas portas. Começamos a fabricar cracóvia, salames e não paramos mais;, conta o produtor paraense.
Amazônia
Os fãs dos doces também podem se esbaldar na feira. Nesse quesito, a grande novidade é o salame de cupuaçu, uma mistura da fruta com pedaços de castanha-do-pará. A invenção surgiu no Acre, pelas mãos das integrantes da Cooperativa de Mulheres Produtoras do Benfica (Coopbem), uma reigão perto da capital Rio Branco. ;Batizamos de salame por causa do formato, mas na verdade é um doce muito gostoso. Levamos no mês passado ao Rio de Janeiro e os cariocas adoraram. Espero que os brasilienses também aprovem;, incentiva a representante do grupo, Roseneide Souza da Silva, que também faz outros doces com a fruta típica da Amazônia.
Outra receita que também desperta a curiosidade dos visitantes é o doce de tomate. A invenção foi produzida por mulheres de produtores da fruta do Paraná, depois que elas perceberam o desperdício de grande parte da mercadoria. O negócio feito em parceira com uma universidade do estado começou em setembro do ano passado. ;Quando me falaram para fazer um doce de tomate, não acreditei e nem fui à primeira reunião. Mas depois vi que fica uma delícia. Temos em calda, coco, pimenta e cravo e canela. Vale a pena experimentar. Agora estamos tentando fazer balas e trufas da fruta;, diz a expositora Marinete Bini.
Na praça de alimentação, com direito a uma bela vista para o Lago Paranoá, comidas típicas de Mato Grosso do Sul, do Amazonas, do Rio Grande do Sul, de São Paulo e da Bahia. Muito acarajé, tapioca, pirarucu, polenta e açaí. ;Queríamos mostrar nesses quiosques a rica gastronomia dos nossos estados e cada representante selecionou um produtor para apresentar seus pratos aqui;, comenta Batista. Cervejas e cachaças artesanais também fazem parte do cardápio.
Serviço
VII Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária ; Brasil Rural Contemporâneo
Concha Acústica do Lago Paranoá
Até amanhã, das 10h às 22h