Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

O nascimento da Europa

Brasilienses podem conferir até o fim do mês a exposição sobre o sítio arqueológico de Atapuerca, onde foram descobertos os restos do primeiro hominídeo europeu. A mostra traz réplicas de fósseis e recria cenas cotidianas dos ancestrais

Trinta e quatro anos atrás, o engenheiro espanhol Trino Torres encontrou pedaços de dentes, de crânios e três mandíbulas humanas em meio a fósseis de ursos, ao descer na Sima de los Huesos, uma fenda geológica localizada na Serra de Atapuerca, na cidade de Burgos, na Espanha. Até entregar as peças ao paleontólogo Emiliano Aguirre, ele não podia imaginar que tinha acabado de descobrir o berço do homem europeu. A partir daí, as escavações se intensificaram, resultando no maior sítio arqueológico do continente, onde já foram resgatadas preciosidades como uma mandíbula de 1,2 milhão de anos, pertencente ao primeiro hominídeo da Europa.

A história da riqueza cultural e científica de Atapuerca pode ser conferida pelos brasilienses até 31 de julho no espaço cultural do Instituto Cervantes, que trouxe a mostra para o Brasil. Os painéis e os objetos já passaram por Recife e Belo Horizonte e, até o próximo ano, também serão vistos em Salvador, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. ;Não é um tema apenas científico, mas didático;, diz o diretor do instituto, Manuel Lombao.

Apesar de acreditar na teoria criacionista ; segundo a qual Deus criou o Universo ;, a estudante Júlia Costa Ziller, 16 anos, gostou de ver a evolução do homem na exposição. ;É bem interessante, principalmente as esculturas. Para mim, é possível juntar as teorias. Deus fez o big bang acontecer, até aparecerem todos os seres na Terra;, diz a jovem.

Na entrada da mostra, o visitante assiste a um pequeno documentário sobre a história de Atapuerca, considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. Em seguida, é conduzido ao espaço cultural onde foi montada a exposição. Vinte e cinco painéis mostram a evolução do sítio e os principais achados dos pesquisadores no local. Computadores com visores de três dimensões mostram com realismo a serra espanhola. Também fazem parte da mostra duas montagens com esculturas que reproduzem a vida dos primeiros europeus em Atapuerca, além de réplicas de peças achadas no local. Entre elas, dois crânios pertencentes ao Homo heidelbergenis e do Homo antecesosor.

O Homem de Heidelberg foi uma das espécies do gênero Homo e é apontado por alguns cientistas como o ancestral direto tanto do Homem de Neandertal quanto do Homo sapiens. Esse hominídeo viveu entre 600 mil e 400 mil anos atrás, e já confeccionava ferramentas semelhantes às que seriam utilizadas mais tarde pelo H. sapiens. Segundo os achados da Fundação Atapuerca, ele habitou a serra espanhola há 400 mil anos, media cerca de 1,75m e, bastante musculoso, podia pesar 95kg. Pela análise da arcada e dos objetos encontrados no sítio, os paleontólogos também descobriram algumas curiosidades, como a que os heidelbergenis já usavam palito de dente.

Na Sima de los Huesos, foram achados diversos fósseis de homens, mulheres e crianças. Foi lá que os pesquisadores resgataram o crânio mais completo do mundo, batizado de Miguelón, cuja reprodução está na mostra do Instituto Cervantes. Até agora, exumaram-se cerca de 30 indivíduos no local, e o estudo dos fósseis tem permitido aprender mais sobre o Homem de Heidelberg. Ele, por exemplo, costumava sofrer muito desgaste dental devido à ingestão de frutas e vegetais crus. Ao mesmo tempo, não tinha cáries. Um dos crânios mostra que a causa da morte de um indivíduo foi septicemia, pois foi detectada uma infecção bucal que se alastrou pelo corpo. Outro crânio tem os canais auditivos fechados, sugerindo que era surdo. Mas, em geral, eles gozavam de boa saúde.

Funerais
Os pesquisadores conseguiram determinar o sexo de 18 indivíduos ; nove homens e nove mulheres ; e estimar as idades em que morreram. Apenas três passaram dos 30 anos. Pela grande quantidade de cadáveres encontrados na fenda, acredita-se que o local era utilizado para enterrar os mortos. Em 1998, a hipótese foi reforçada pela descoberta de um machado feito de pedra, a única ferramenta encontrada lá. Isso sugere que era uma peça cerimonial, o que faz da Sima de los Huesos o complexo funerário mais antigo da humanidade. A maneira como eles enterravam as pessoas ; de cabeça para baixo ; é uma pista a mais sobre a simbologia dos sepultamentos.

Na exposição, também há a réplica do crânio do Homo antecessor, o primeiro europeu. Há dois anos, uma equipe descobriu uma mandíbula humana de mais de 1,2 milhão de anos. Ela estava perto de ferramentas de pedra, datadas do mesmo período. O achado aconteceu na caverna da Sima del Elefante, na Serra de Atapuerca e foi capa da revista científica Nature em março de 2008, com o título ;O primeiro hominídeo da Europa;.

O H. antecessor tinha entre 1,6m e 1,8m e podia pesar até 90kg. Além disso, apresentava traços semelhantes ao do H. sapiens. Exemplares menos antigos que o encontrado na Sima del Elefante foram achados na localidade de Gran Dolina, também na Serra de Atapuerca. Pelos fósseis, foi possível deduzir que eles viviam em acampamentos e eram caçadores-coletores.

Mas a descoberta mais curiosa é a de que o primeiro europeu praticava canibalismo ritual. Ao estudar os ossos da espécie, os pesquisadores encontraram marcas de corte feitas com ferramentas iguais aos achados em ossos de animais. Eles também descobriram que há 800 mil anos houve uma grande festa antropofágica. Pelo menos 10 pessoas ; a maioria, crianças ; foram devoradas por um grupo rival.

Exposição

Atapuerca: a aventura da evolução

Instituto Cervantes - SEPS 707/907
Até 31 de julho
De segunda a sexta, das 8h às 21h.
Aos sábados, das 8h às 14h
Entrada franca
Informações: 3242-0603