Paloma Oliveto
postado em 15/07/2010 07:08
Em 17 de fevereiro do ano passado, o geólogo Iyad Zalmout, da Universidade de Michigan, levou um agradável susto nas proximidades da montanhosa cidade saudita de Al Hijaz. Era o segundo dia de uma expedição organizada pela instituição norte-americana e pelo Centro de Pesquisas Geológicas da Arábia na formação geológica de Harrat Al Ujayfa. Logo após o almoço, ele notou que havia algo incrustado nos platôs avermelhados que estava escalando. ;Eu não tinha ido muito longe, e então aconteceu de ver algo junto a um pequeno dente quadrado. Me ajoelhei e me aproximei, então gritei em árabe: ;É um primata, é um macaco!’;, contou Zalmout ao Correio.A empolgação do geólogo se justifica. Ele acabava de encontrar uma nova de espécie de primata, que tem tudo para ser uma peça fundamental no quebra-cabeça da evolução. A descoberta de Zalmout, capa da edição de hoje da revista especializada Nature, é considerada nada menos que o último ancestral comum entre os símios, dos quais descende o homem, e os cercopithecoides, como são chamados os macacos do mundo antigo (espécies que existiram há milhares de anos).
Segundo o pesquisador, já se sabe há muito tempo que os macacos do mundo antigo e os símios possuem um mesmo ancestral. ;Mas exatamente quando ocorreu a divisão entre eles ainda não está claro;, diz. Esse primata daria origem aos hominídeos, família à qual pertencem os grandes símios ; como gorilas e chimpanzés ; e o homem. Tanto os macacos do mundo antigo quanto os símios fazem parte de um mesmo grupo de primatas, os catarrinos. ;Os mais antigos fósseis dessa linhagem já encontrados, criaturas que não eram nem macacos nem símios, datam do Eoceno (1) tardio ao início do Oligoceno, entre 35 milhões e 30 milhões de anos atrás;, explica Zalmout.
De acordo com ele, fósseis mais recentes, com cerca de 23 milhões de anos, indicavam que a divisão ocorreu por aquele tempo. Porém, a descoberta do pesquisador, batizada de Saadanius hijazensis, data de 29 milhões a 28 milhões de anos atrás e ;possui as características próprias que distinguem os modernos símios dos macacos do velho mundo, sugerindo que aquela divisão ainda não havia ocorrido;. As análises do fóssil levaram o grupo de pesquisadores a acreditar que as características físicas do Saadanius, um primata de caninos pequenos mas fortes, cérebro de volume discreto e com cerca de 15kg, são muito próximas do último ancestral comum dos símios e dos macacos do velho mundo.
Evolução
Embora os fragmentos do primata sejam poucos, foi possível comparar o Saadanius hijazensis com os demais catarrinos. Ele compartilha características com os primeiros animais do grupo e difere-se bastante dos símios do período Mioceno, que tinha face mais pronunciada, dentes maiores e um corpo mais robusto. ;Isso condiz com a hipótese de que os símios daquele período eram hominídeos e que a evolução inicial do grupo envolveu mudanças na região craniofacial;, diz o artigo publicado na Nature. ;A significativa adaptação desses traços está provavelmente correlacionada com as mudanças na função mastigatória, na dieta e no comportamento social.;
Quando achou os ossos encobertos por uma camada de calcário, Zalmout não podia saber, ainda, que estava diante do possível elo perdido entre antigos macacos e os símios. Mas ele tinha certeza que não seria apenas mais um fóssil. No dia anterior, ele já havia encontrado um dente. ;Mas quando vi o fóssil, sabia que ficaríamos loucos. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Era apenas o segundo dia em campo e já tínhamos encontrado um segundo esqueleto.;
1 - Domínio dos mamíferos
O Eoceno é um período da era cenozoica, entre 55 milhões e 35 milhões de anos atrás. No começo, as aves dominavam a Terra, mas, com o passar do tempo, os mamíferos tornaram-se os principais predadores do planeta. Foi quando surgiram os ancestrais do cavalo e do rinoceronte e os primeiros bovinos e elefantes. Por volta de 35 milhões de anos atrás, teve início a época Oligocena, quando houve um resfriamento da Terra, que também se tornou mais seca.
Como ocorreu a descoberta do fóssil?
Ele foi encontrado em 17 de fevereiro de 2009. Eu e o geólogo Mohammed Ali passamos a manhã inteira procurando por depósitos de sedimentos de terra vermelha, que ficam sobre uma superfície de 600 milhões de anos. Mohammed Ali me falou que deveríamos continuar procurando pela estrada de Bahra-Taif, no nordeste de Makkah, seguindo imagens formadas pelo nosso GPS. Logo depois do almoço, pegamos a principal estrada rumo a campos isolados que são próximos ao que hoje é conhecido como Harrat al Ujayfa (Harrat é o nome em árabe para platô basáltico). As camadas vermelhas de terra estavam expostas muito satisfatoriamente no lado sudeste do platô, embaixo do basalto. E imediatamente minha pergunta era qual o nome daquilo e sua idade. A resposta veio muito rápido, assim que cheguei perto e comecei a ver pedaços de ossos pertencentes a mamíferos na superfície. Então, concluí que se tratava de fósseis do período oligoceno.
O Mohammed Ali e o motorista escalaram comigo até o meio da "cama vermelha", e então alcançamos uma pequena trilha de camelos. Começamos a examinar a formação, procurando pela fonte dos ossos. E aconteceu de estarmos bem no local. Peguei um grande dente quadrado de mamífero e perguntei se o Mohammed sabia o que era aquilo. Ele respondeu: "um dente", sim, aquela era a chave que procurávamos ali. Deixei o Mohammed e falei para ele que iria continuar o caminho para ver até onde se estendia o depósito de fósseis. Eu não tinha ido muito longe, e então aconteceu de ver algo junto a um pequeno dente quadrado. Me ajoelhei e me aproximei, então gritei em árabe: "É um primata, é um macaco". Berrei para Mohammed Ali chegar perto e dar uma olhada. Ele chegou e disse que tinha me escutado gritar e perguntou ao motorista: "O que há de errado com eesse cara? Ontem ele estava aos gritos e hoje está fazendo a mesma coisa". Mas quando vi o fóssil sabia que ficaríamos loucos. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Era apenas o segundo dia em campo e já tínhamos encontrado um segundo esqueleto.
É possível descrever os hábitos do Saadanius?
Estamos limitados em relação ao que podemos dizer sobre a paleobiologia do Saadanius porque até agora só encontramos uma parte de seu crânio. Porém a região frontal de sua caixa cerebral é estreita, sugerindo que tinha um cérebro relativamente pequeno, quando comparado aos símios modernos e os macacos. Os largos, fortes e planos dentes devem ter sido eficientes para comer frutas. O tamanho relativamente modesto dos caninos sugere, em machos, que o comportamento agressivo para ganhar status ainda não estava tão pronunciado como em outros grupos de primatas catarrinos que ainda vivem, como chimpanzés e babuínos.
Quais são os principais vazios preenchidos pelo fóssil na evolução dos primatas?
O Saadanius é primitivo em todos os aspectos de sua morfologia em comparação com os primatas catarrinos (macacos do velho mundo), exceto por seu canal auditivo preenchido por osso, que está presente tanto nos catarrinos quanto no Saadanius. Ele data de aproximadamente entre 29 a 28 milhões de anos. Desse modo, em termos de idade geológica e anatomia, o Saadanius preenche o vazio entre os primatas primitivos, os primeiros catarrinos, como o propliopithecus (35 a 30 milhões de anos) e os primeiros fósseis encontrados de macacos e símios -- talvez tão antigos quanto 27 milhões de anos, mas certamente com pelo menos 23 milhões de anos. Isso é execpionalmente semelhante ao que se supõe ter sido o ancestral dos hominídeos (símos e homens) e dos cercopithecoidea (macacos do velho mundo)
De que forma a descoberta revoluciona o estudo da evolução dos hominídeos?
Já é bem sabido que os macacos do velho mundo e os modernos compartilham um ancestral, mas exatamente quando ocorreu essa divisão ainda não está claro. Debates também já foram travados sobre a questão de que tipo de estrutura facial teria o progenitor dos macacos. Ambas linhagens pertencem a um grupo de primatas conhecido como catarrinos. Os mais antigos fósseis dessa linhagem já encontrados, criaturas que não eram nem macacos nem símios, datam do Eoceno tardio ao início do Oligoceno, entre 35 e 30 milhões de anos atrás. Fósseis mais recentes, de mais ou menos 23 milhões de anos, sugerem que a divisão ocorreu por aquele tempo. Mas novos fósseis catarrinos do intervalo entre 30 milhões e 23 milhões de anos atrás foram encontrados, dificultando para os cientistas precisar quando os macacos e símios se destinguiram em grupos separados e o como os catarrinos pareciam na época da divisão. O novo fóssil catarrino, o Saadanius hijazensis, data de 29 milhões a 28 milhões de anos atrás e possui as características próprias que distinguem os modernos símios dos macacos do velho mundo, sugerindo que aquela divisão ainda não havia ocorrido. As análises do fóssil feitas pelos pesquisadores os levou a acreditar que as características físicas são muito mais próximas do último ancestral comum dos símios e dos macacos do velho mundo.