Principal causa da morte das crianças africanas e responsável pelo óbito de 1 milhão de pessoas apenas em 2008, a malária é um desafio para os cientistas, que ainda não conseguiram desenvolver uma forma de prevenir a doença. Uma equipe de pesquisadores internacionais, porém, acredita ter descoberto como tornar ineficaz o ataque do parasita plasmodium, transmitido para homens e animais pela fêmea do mosquito Anopheles stephensi. Em testes com ratos de laboratório, eles conseguiram bloquear a ação do protozoário com doses de antibióticos já existentes no mercado. A administração dos medicamentos seria uma ;vacina natural;, segundo os cientistas da Inglaterra, da Alemanha e do Quênia.
O objetivo da pesquisa era descobrir uma terapia-alvo que atacasse o apicoplasto (1), uma estrutura celular fundamental para o desenvolvimento do plasmodium. Com base em recentes dados genéticos, os cientistas sabiam que essa organela era o alvo perfeito para um ataque medicamentoso ao parasita, que se aloja e se desenvolve nas células do fígado. Quando entra no órgão, levado pela corrente sanguínea da pessoa picada pelo mosquito infectado, o plasmodium invade as células hepáticas e se reproduz. O parasita consome as células vermelhas do corpo e, a cada ciclo reprodutivo, libera toxinas no sangue.
A ideia dos pesquisadores foi verificar se a administração preventiva de antibióticos conseguiria bloquear a reprodução do Plasmodium falciparum, a forma mais letal do protozoário, caso uma pessoa fosse picada pelo anopheles. No laboratório, os ratos foram expostos ao plasmodium mas, antes que o protozoário começasse a se reproduzir no fígado, os animais receberam dois tipos de antibióticos: clidamicina e azitromicina. Quando estavam a caminho do órgão, as células do plasmodium foram surpreendidas pelo antibiótico, que atacou o apicoplasto. Ele conseguiu chegar ao fígado, mas ficou impedido de se reproduzir.
Dentro do organismo, os parasitas permitiram que o organismo os identificasse, criando fortes anticorpos para combatê-los. Segundo o estudo, depois disso, diante de novos parasitas, o corpo pode reconhecê-los e destruí-los. ;Testes clínicos são necessários para saber se essa abordagem vai funcionar bem com humanos. Se tiver sucesso, a administração periódica de antibióticos às populações de alto risco, como crianças pequenas, podem ser uma ferramenta valorosa para controlar ou eliminar a malária em regiões de alta transmissão;, diz a pesquisa, publicada hoje no periódico especializado Science.
Imunização
Em entrevista ao Correio, um dos autores do estudo, o parasitologista Kai Matuschewski, afirma que a imunização com antibióticos pode ser mais eficaz que qualquer outro método em teste. ;Com substâncias como a clidamicina e a azitromicina, somos capazes de atacar o apicoplasto. Fazendo isso, os parasitas vão amadurecer, mas não vão conseguir infectar as células vermelhas do sangue. Esse amadurecimento total dos parasitas dentro do fígado permite a propagação de uma quantidade bem maior de anticorpos do que os observados em vacinações experimentais;, diz. ;Em comparação às vacinas (2), o método oferece a vantagem de ativar todo o repertório de antígenos contra o parasita, fornecendo imunização para todos, o que significa que, independentemente das diferenças genéticas, qualquer indivíduo conseguirá ativar seu sistema imunológico;, acrescenta o cientista.
De acordo com Matuschewski, um dos antibióticos testados, a azitromicina, tem se mostrado seguro quando administrado em tratamentos de massa para populações vulneráveis, incluindo crianças; além disso, atualmente já é produzido em combinação à clidamicina para o tratamento da malária. Para testar os efeitos preventivos dos antibióticos em humanos, o parasitologista diz que, primeiramente, é necessário escolher um pequeno grupo de voluntários. ;Se tivermos sucesso, podemos usar a profilaxia periódica em uma quantidade maior de indivíduos que vivem em áreas de grande risco de transmissão da malária;, diz. ;Isso, obviamente, depende da quantidade de fundos que conseguiremos levantar para fazer esses estudos clínicos;, lembra.
Considerada uma doença negligenciada, a malária não costuma atrair a pesquisa de grandes laboratórios. Além disso, organizações não governamentais como Médicos sem Fronteiras e Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas denunciam que, mesmo quando são lançados novos medicamentos, as populações mais pobres não conseguem acesso a eles. Matuschewski afirma que esse é um assunto que o preocupa. ;Apesar de um aumento recente no fundo global, existe uma contínua necessidade de financiamento e comprometimento político para controlar doenças infecciosas que ameaçam a vida, mas que são potencialmente preveníveis;, alerta o médico.
1 - Genoma descrito
Há oito anos, uma equipe de cientistas da Universidade de Melbourne, na Austrália, anunciou o sequenciamento genético do Plasmodium falciparum, a espécie mais mortal da malária. Eles descobriram que o parasita da doença se desenvolve a partir de uma pequena estrutura parecida com a das plantas, a Organela apicoplasto, que precisa fazer fotossíntese para sobreviver. A pesquisa foi fundamental para o desenvolvimento de remédios mais eficazes contra a doença.
2 - Invento brasileiro
Está previsto para o próximo ano o lançamento de uma vacina promissora contra a malária, desenvolvida a partir de uma descoberta do cientista brasileiro Victor Nussenzweig, pesquisador do Departamento de Patologia da Escola de Medicina da Universidade de Nova York. A imunização está nas últimas fases de testes e, até agora, teve 60% de eficácia.
; Crianças africanas são imunizadas
Um estudo publicado na edição on-line do periódico científico PLoS ONE explica o surgimento de uma nova vacina para prevenir a forma mais letal da infecção pela malária. A substância mostrou-se promissor, sobretudo, para proteger crianças ; que são a maioria dos pacientes vulneráveis à doença. A equipe de pesquisadores internacionais conduzida pelo Centro de Desenvolvimento de Vacinas da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e pela Universidade de Bamako, em Mali, na África, afirmou ter conseguido sucesso na imunização de crianças que vivem no país do oeste africano.
Segundo os cientistas, a vacina estimulou de forma satisfatória o sistema imunológico. Os níveis de anticorpos produzidos pelo organismo das crianças foi, inclusive, mais alto do que os verificados em adultos que desenvolveram imunidade natural contra o parasita, depois de uma longa vida de exposição à malária. ;Essas descobertas implicam que talvez tenhamos atingido nosso objetivo de usar uma vacina para reproduzir a proteção natural, que normalmente leva muitos anos de extensa exposição para se desenvolver;, disse o principal autor de estudo, Christopher V. Plowe.
No mundo
Em áreas do mundo como a África, onde a malária ocorre, particularmente, de forma desenfreada, os jovens são os mais vulneráveis à doença, já que ainda não conseguiram construir a mesma imunidade que os adultos. Uma criança morre de malária a cada 30 segundos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Cerca de 300 milhões de novos casos surgem a cada ano no mundo, atingindo, principalmente, as crianças africanas.
A nova vacina, chamada FMP2.1/AS02A, foi baseada em uma variante do parasita plasmodium falciparum ; o mais comum e mais letal dos encontrados na África ; e ataca a malária quando o protozoário encontra-se na corrente sanguínea. Esse estágio ocorre depois que a pessoa é picada pelo mosquito, quando o parasita se multiplica no sangue, provocando o aparecimento da doença.
A imunização foi testada em 100 crianças de Mali, de 1 ano a 6 anos, das quais 60% foram imunizadas. Elas receberam três doses da vacina e, durante um ano, ainda apresentavam fortes anticorpos contra a malária. Agora, os pesquisadores pretendem realizar um novo estudo, incluindo 400 crianças de Mali, para comprovar a efetividade da FMP2.1/AS02A. O próximo teste também vai examinar se a vacina, embora direcionada a apenas uma variante da doença, pode proteger contra todas as outras formas de malária existentes.