Paloma Oliveto
postado em 20/07/2010 07:00
Depois do sucesso na organização da Copa do Mundo, a África do Sul anunciou mais um gol de placa durante 18; Conferência Internacional sobre a Aids, em Viena. Um grupo de pesquisadores do Centre for the AIDS Program of Research in South Africa (Caprisa) apresentou em uma teleconferência para a imprensa mundial os resultados de um estudo que mostra, pela primeira vez na história, a eficácia de um gel vaginal no combate à transmissão do HIV. Em um teste envolvendo cerca de 900 sul-africanas, o índice de proteção foi de 54%. No mundo, 33 milhões de pessoas têm Aids, sendo que em algumas regiões do continente africano uma em cada três mulheres são vítimas da doença.Segundo os pesquisadores, a importância de desenvolver algo que possa ser usado pelas mulheres para as protegerem contra o HIV sem precisar da cooperação de seus parceiros vem sendo discutida nos últimos 20 anos. Mas as muitas tentativas que foram feitas até agora acabaram sem sucesso, com baixos níveis de eficácia ou mesmo com o aumento da transmissão. Neste período, dos 37 estudos que testaram cerca de 40 estratégias de prevenção contra a transmissão do HIV , poucos(1) tiveram algum tipo de sucesso. ;Este era um momento que estávamos esperando há duas décadas;, comemorou a epidemiologista do Caprisa Quarraisha Abdool Karim, que juntamente com o marido, Salim Abdool Karim, liderou o estudo.
Da pesquisa do Caprisa, iniciada em fevereiro de 2007, participaram 889 mulheres sexualmente ativas e com idades entre 18 e 40 anos, moradoras da província de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Elas foram orientadas a ter um comportamento sexual seguro, utilizar preservativo e passar o gel 12 horas antes das relações sexuais e 12 horas depois. A substância germicida contém 1% do antirretroviral tenofovir em sua fórmula, um medicamento amplamente utilizado no tratamento de quem tem o vírus da Aids. Estudos feitos com macacos também haviam mostrado que ele era um potencial bloqueador do HIV.
Cautela
As participantes da pesquisa sul-africana foram divididas em dois grupos ; placebo e gel ; sem saber em qual estavam inseridas. Em um período de 30 meses, elas foram monitoradas pelo grupo de cientistas. Das 444 que receberam o placebo, 60 ficaram infectadas ao fim do estudo, contra 38 infecções registradas nas 445 que, de fato, estavam usando o germicida. Entre essas últimas, a incidência do HIV foi 54% mais baixa entre as mulheres que seguiram o tratamento corretamente. Comparando-se com o placebo, as que usaram o gel poucas vezes tiveram 28% menos infecção. Nenhuma das participantes apresentou efeitos adversos.
Segundo Salim Abdool Karim, apesar do grande avanço, as comemorações devem ser cautelosas. ;Serão necessários outros estudos e não creio que o gel estará disponível para comercialização(2) nos próximos dois anos;, disse. ;Quando as mulheres iam até a clínica, nós enfatizávamos que não sabíamos se o gel iria funcionar, não sabíamos se era seguro. E que, justamente por isso, estávamos fazendo a pesquisa. Também explicávamos a importância de usar o preservativo, e dizíamos: ;Ok, mas você também precisa passar o gel;;, relatou.
;Era uma mensagem repetida a elas todos os meses. Então, isso me faz lembrar de que temos de desenvolver estratégias que possam ser mantidas por um longo período. Acho que o que nosso estudo mostrou tem relevância, mas não é realmente aplicável ao mundo real. Porque, no mundo real, os níveis de estímulo para o uso do produto serão outros;, acrescentou Salim.
Mesmo reconhecendo que o estudo ainda se encontra em um estágio embrionário, o médico e pesquisador anima-se com a perspectiva de salvar mais de 800 mil vidas apenas na África do Sul. De acordo com ele, um modelo matemático desenvolvido por um estatístico, Brian Williams, conseguiu prever quantas pessoas podem ser beneficiadas. ;Com base na média de aderência verificada no nosso estudo, e sabendo que um terço das mulheres africanas correm o risco de ter o HIV, ele projetou que, em duas décadas, poderíamos evitar 1,3 milhões de infecções e 820 mil mortes;, contou.
1 - Tentativas
Os demais testes que tiveram algum tipo de sucesso foram a circuncisão masculina na África do Sul, no Quênia e em Uganda (registraram 57% menos infecções), tratamentos para doenças sexualmente transmissíveis na Tanzânia (redução de 42%) e uma combinação de vacinas experimentais na Tailândia (redução de 31%).
2 - Produção
O laboratório fabricante do antirretroviral tenofovir licenciou os direitos de produção do gel sem cobrança de royalties para o Conrad para sua utilização em 95 países que compõem o bloco dos mais pobres do mundo. O maior custo do gel é seu aplicador de plástico, cerca de US$ 0,30 ;, mas, com a produção em massa, a tendência é que fique mais barato.
OMS quer reduzir mortes até 2015
Viena ; As novas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) na luta contra a transmissão do HIV e contra a Aids, publicadas nesta segunda-feira, em Viena, recomendam que se comece o tratamento num nível mais baixo da infecção, apesar dos custos que isso implica. Segundo as estimativas, colocar em tratamento todos os pacientes que tiverem um nível de 350 CD4 ou menos deverá aumentar em 49% o número de pessoas tratadas, fazer baixar o número de mortes em 20% até 2015 e eventualmente reduzir a transmissão do vírus, destaca a OMS.
Em suas últimas diretrizes, que datam de 2006, a OMS recomendava tratar os pacientes quando sua contagem de células CD4, que definemo nível imunológico, tivesse chegado a 200, ou menos, por mm3 de sangue. O índice normal é de 1.000 a 1.500. ;Todos os adultos e adolescentes, incluindo as mulheres grávidas soropositivas, que apresentam um nível de CD4 de 350 células por mm3, devem iniciar um tratamento antirretroviral, haja ou não sintomas clínicos;, indica a OMS em um texto de mais de 150 páginas.
A organização já havia lançado essa recomendação em novembro passado, às vésperas do Dia Mundial Contra a Aids. A OMS sugere também que os pacientes que apresentarem sintomas importantes comecem o tratamento, qualquer que seja seu nível de CD4. ;As novas recomendações podem aumentar o número de pessoas elegíveis para um tratamento e, por isso, aumentar os custos;, destaca a OMS, que admite que essas recomendações não podem ser aplicadas imediatamente por todos os países.
Cerca de 5,2 milhões de soropositivos recebiam tratamento contra o HIV até o fim de 2009, para cerca de 10 milhões que precisavam. Esta nova diretriz fará passar para 15 milhões o número de pessoas para as quais se recomenda o início do tratamento. Com um efeito preventivo evidente: ;Como o tratamento reduz o nível do vírus nos corpos, haverá menos possibilidades de que os soropositivos contagiem seus parceiros;, enfatizou Gottfried Hirnschall, diretor para Aids na OMS. Da mesma forma, o impacto sobre a coinfecções será muito importante com ;uma redução de 54 a 92% dos casos de tuberculose em pacientes sob tratamento;, recorda a OMS.
Mais recursos
O ex-presidente americano Bill Clinton discursou nesta segunda sobre os recursos destinados ao combate à Aids, defendendo uma utilização mais eficaz dos fundos em um contexto de crise econômica. ;Em muitos países, muito dinheiro vai para muitas pessoas que assistem a muitas reuniões, que tomam muitos aviões para fazer muita assistência técnica;, enfatizou o ex-presidente, assegurando que está pondo em ordem os programas em sua própria fundação. Clinton também defendeu o presidente Barack Obama, acusado por ativistas no domingo de voltar atrás em seus compromissos em favor da luta contra a Aids, afirmando que ele é ;um homem que mantém suas promessas;.
O bilionário Bill Gates, copresidente com sua mulher da fundação Bill e Melinda Gates, insistiu também na necessidade de otimizar os fundos existentes. ;Se continuarmos gastando nossos recursos exatamente como fazemos hoje, nossa capacidade para tratar todos os doentes vai diminuir. Se os custos caírem a US$ 300 anuais por paciente poderemos tratar o dobro de pessoas com o orçamento atual;, lembrou Gates, cuja fundação aplicou em 11 anos US$ 2,2 bilhões na prevenção e pesquisa sobre a Aids.
Assim como Clinton, Gates insistiu no fortalecimento de métodos como a circuncisão masculina, que reduz entre 50% e 60% o risco de infecção entre os homens, ou a prevenção da transmissão entre mãe e filho. Gates lançou também um chamado para investir em pesquisa, sobretudo na elaboração de uma vacina eficaz, de uma pílula preventiva e do gel germicida.
Antes de seu discurso, alguns ativistas exigiram a criação de uma taxa sobre as transações interbancárias de câmbio ; chamada taxa Robin, de Robin Hood ; com o objetivo de financiar a luta contra a Aids. Gates não se mostrou muito favorável a isso. O Fundo Mundial, uma associação público-privada com sede em Genebra, deseja arrecadar entre US$13 bilhões e US$ 20 bilhões este ano para o período 2011-2013 entre os doadores públicos e privados.