Paloma Oliveto
postado em 21/07/2010 07:49
Para quem tem um mascote de estimação, não é segredo que os humanos possuem uma conexão especial com os animais. Em um artigo que será publicado no próximo mês na revista especializada Current Anthropology, porém, a paleoantropóloga Pat Shipman afirma que essa ligação vai além das questões afetivas. Shipman, que é professora da universidade americana Penn State, argumenta que a interdependência entre homens e animais teve um papel crucial para a evolução humana nos últimos 2,6 milhões de anos.;Estabelecer uma conexão íntima com outros animais é algo único da nossa espécie;, disse a pesquisadora ao Correio. ;Nenhum outro mamífero adota rotineiramente outras espécies. Por exemplo, as gazelas não adotam bebês guepardos, os leões das montanhas não pegam para eles filhotes de cervos. Cada porção de alimento que você usa para alimentar um animal de outra espécie é uma porção que os seus próprios filhos deixam de comer. Desse ponto de vista, se importar com outras espécies seria algo ruim para a nossa evolução. Então, temos de pensar por que os humanos fazem isso;, diz. Neste ano, Shipman vai lançar, nos Estados Unidos, um livro sobre o assunto.
A paleoantropóloga afirma que a conexão com os animais começou há mais de 2 milhões de anos, quando foram inventadas as primeiras ferramentas de pedra. ;A posse desse tipo de objeto transformou os ancestrais do homem em predadores efetivos, o que pode ser comprovado pela marca de pedra encontrada nos ossos fossilizados das presas;, argumenta.
Ao tornarem-se predadores, os humanos foram colocados em competição com outros carnívoros. Segundo Shipman, eles aprenderam como levar vantagem observando e tentando entender o comportamento das futuras presas. ;Aqueles que também focaram no comportamento dos potenciais competidores saíram-se melhor do ponto de vista evolutivo, pela seleção natural;, diz.
Enquanto o volume de informações sobre os animais aumentava, os benefícios evolutivos da comunicação também cresciam. Afinal, o homem precisava repassar esse conhecimento para os outros de sua espécie ; por exemplo, ensinar aos mais jovens como um animal se comportava e qual a melhor maneira de abordá-lo para transformá-lo em caça. Para isso, incrementou a comunicação gestual e também criou sistemas de símbolos ; as pinturas de animais nas cavernas pré-históricas são uma boa prova disso.
;Apesar de não sermos capazes de saber exatamente o começo do uso da linguagem propriamente dita, a arte pré-histórica nos fornece boas pistas. Quase todos os trabalhos artísticos representam animais. Outras coisas vitais, como plantas, rios, armas, ferramentas ou mesmo o homem raramente eram reproduzidas;, lembra Shipman. Ela acredita que essa desproporção é uma prova de que a necessidade de desenvolver meios externos para acumular e transmitir informação, ou seja, a linguagem simbólica, teve início com a interação com os animais.
Domesticação
A pesquisadora concluiu que as informações que os homens conseguiram extrair sobre os animais tornaram-se tão detalhada que eles começaram a criar e alimentar espécies selvagens, o que, mais parte, resultou na domesticação dos lobos, há 32 mil anos. Shipman sustenta que, se o objetivo de domesticar os lobos era comer sua carne, como alguns pesquisadores sugerem, os ancestrais humanos estariam sendo estúpidos. ;Por que levar um animal feroz da natureza, levá-lo para a sua casa e sua família e achar que isso seria uma vantagem? Os lobos comem muito mais carne do que seus corpos podem fornecer, então isso seria algo despropositado;, diz.
Em vez disso, a pesquisadora acredita que o ímpeto primário da domesticação foi transformar os animais que há milênios vinham sendo observados em ;ferramentas vivas;. Alimentando e abrigando os lobos, os homens garantiram a companhia de um animal que poderia, por exemplo, caçar para ele. Entre outras utilidades, os animais domésticos poderiam matar roedores, proteger os bens, fornecer lã, servir de meio de transporte e dar leite.
De acordo com Shipman, a domesticação é um processo que leva muitas gerações e depende das habilidades de observar, ter empatia e se comunicar, quebrando as barreiras naturais que existem entre as espécies. ;A conexão com os animais é ancestral e uma característica fundamentalmente humana que trouxe à nossa linhagem enormes benefícios ao longo do tempo. Nossa interação com os animais está intimamente envolvida com a evolução de dois atributos-chave dos humanos: a fabricação de ferramentas e a linguagem;, sustenta.