Ciência e Saúde

Um sono perigoso

Médicos procuram entender o porquê de um mal que tira a vida de bebês - aparentemente saudáveis - no mundo inteiro, ainda no berço. A doença é tão misteriosa que nem mesmo a necropsia identifica as razões do fenômeno

Paloma Oliveto
postado em 26/07/2010 10:47

O bebê parece apenas dormir profundamente. Mas ao tentar despertá-lo, os pais percebem que ele não respira mais. A tragédia da perda de um recém-nascido aparentemente saudável fica sem explicação. Nem mesmo uma necropsia consegue revelar a causa do óbito. A síndrome da morte súbita do lactente, também conhecida como morte no berço, assusta pais e mães e continua um mistério para a medicina. Porém informações sobre os fatores de risco ajudam a prevenir o mal que, nos Estados Unidos, atinge 0,51 em mil nascidos vivos.

A posição da criança no berço é apontada por pediatras como a principal forma de prevenção. Embora ainda não se saiba o que acontece, já foi comprovado que dormir de bruços ou de lado favorece a morte no berço. As primeiras pesquisas tiveram início na década de 1960, quando pais de crianças que morreram subitamente fundaram uma associação nacional, nos Estados Unidos, e realizaram a primeira conferência nacional sobre o assunto. Seis anos depois, no segundo encontro, o óbito inexplicado dos recém-nascidos foi considerado uma patologia, e, a partir de dados estatísticos, foram estabelecidos alguns fatores de risco: bebês com baixo peso ao nascer, do sexo masculino, nascidos em classes sociais mais baixas e de 2 a 4 meses de idade eram as maiores vítimas do mal.

;O primeiro relato da síndrome da morte súbita do lactente está na Bíblia. Na história de Salomão, há uma situação em que a mãe dorme em cima do filho, ele morre e ela troca o bebê por outra criança. Foi preciso esperar até a década de 1960 para começarem as pesquisas;, lembra a cardiologista pediátrica Cristina Chaves Guerra, do Instituto do Coração, em Taguatinga. De acordo com ela, até então acreditava-se que a morte ocorria devido a um acidente, assim como o relato bíblico, e era sobre os pais que caía a culpa.

Apesar dos avanços da década de 1960, foi no início dos anos 1980 que, ao investigar a cena do óbito, os pesquisadores concluíram que as mortes aconteciam quando os bebês dormiam de bruços. ;Foram feitas campanhas sobre a posição correta e, em 10 anos, a mortalidade caiu consideravelmente;, observa Cristina. De acordo com o Instituto Americano da Síndrome da Morte Súbita do Lactente (American Sudden Infant Death Syndrome Institute, nome em inglês), em 1980, a incidência era de 1,53 casos em cada mil nascimentos. Em 2004, o índice havia sido reduzido em 75%.

No Brasil, não existem dados nacionais consolidados sobre a incidência. ;Não se tem ideia de quantos recém-nascidos morrem de morte súbita porque há subnotificação;, afirma o pediatra Renato Rocianon, presidente do departamento científico de neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. ;Mas se imagina que muitos bebês vão à morte no Brasil por causa da síndrome, e a Pastoral da Criança procura fazer um trabalho de orientação para os pais;, diz.

Desinformação

Uma pesquisa realizada em Passo Fundo (RS) mostrou que a desinformação ainda é grande. Participaram 2.285 lactentes, sendo que 86% pertenciam às classes C, D e E, das quais 78% das mães admitiram que colocavam a criança para dormir de lado, uma posição também associada à morte súbita infantil. Mas 88,5% nunca haviam deitado o bebê na posição mais perigosa, de bruços. A pesquisa indicou que menos da metade dos médicos fazem recomendações sobre o posicionamento da criança no berço ; das 13 mães que receberam a orientação, somente uma colocou o filho para dormir com a barriga para cima.

Além disso, aos 3 meses, segundo o estudo, os bebês já passam a dormir sozinhos em um cômodo, e 77% vão para o berço com duas peças sobre o tórax. ;Dos 1.280 lactentes que dormem em berços próprios, 96% são posicionados com os pés distantes da borda inferior do berço, em vez de ter os pés encostados na borda inferior do berço, conforme é recomendado para evitar o deslocamento sob as cobertas e a suscetibilidade à inalação de gases expirados, ou à exposição ao superaquecimento ou a acidentes;, diz a pesquisa.

A professora canadense Jannet Alba, 35 anos, passou pela dor de perder o filho recém-nascido, uma década atrás. Michael nasceu em 13 de fevereiro, de oito meses. Era muito esperado pelos irmãos mais velhos Marty, 5 anos, e Hannah, 8. ;A Hanna ficava com o ouvido grudado na minha barriga, para escutar os chutes do Michael. E o Marty já se imaginava brincando, correndo pela casa com o irmãozinho;, relata Jannet. ;Como era prematuro, o bebê precisava de muito amor e apoio, um desafio que nós aceitamos de bom grado;, diz a professora.

Dois meses depois, porém, Michael acordou morto. ;Ele tinha muito a viver e nós, muito a oferecer. Infelizmente, Deus resolveu levá-lo. Ainda penso por que isso aconteceu. O Michael trouxe alegria para nossas vidas. Pelo pouco tempo que estive com ele, posso dizer que seria uma pessoa muito amorosa;, conta a mãe. Apesar de ter nascido um mês antes do previsto, o bebê era saudável e não tinha problemas de malformação. Ele dormia ; de bruços ; no mesmo quarto que Jannet e seu marido, Albert. ;Pela manhã, ele estava normal. Mamou, sorriu para mim. O Albert foi trabalhar e eu estava na cozinha, preparando o almoço. Ele estava quietinho. Resolvi vê-lo e, quando cheguei, percebi que Michael já não vivia. Estava arroxeado e inerte.;

Jannet entrou em depressão, largou o emprego e demorou muito para lidar com o sentimento de culpa que, até hoje, a persegue em determinados momentos. ;Um acontecimento como esse desestrutura toda a família. Meus filhos simplesmente não conseguiam acreditar no que havia acontecido. O Marty perguntava: ;Mas, mamãe, ele não vai brincar comigo nunca?;;, recorda Jannet. A professora separou-se do marido e foi morar em Nova York com os pais e as crianças. Para ajudar a superar o trauma, contou com o apoio da American Sudden Infant Death Syndrome, uma instituição não governamental americana. ;Todos os dias rezo para meu pequeno Michael. Ele está lá, cuidando da gente;, acredita.

Médicos procuram entender o porquê de um mal que tira a vida de bebês - aparentemente saudáveis - no mundo inteiro, ainda no berço. A doença é tão misteriosa que nem mesmo a necropsia identifica as razões do fenômeno

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