Paloma Oliveto
postado em 03/08/2010 07:00
É um mundo misterioso, escuro e desconhecido. Nas águas geladas dos oceanos, vivem organismos tão pouco familiares aos humanos quanto os supostos seres extraterrestres. Mas, assim como vêm fazendo no espaço, os cientistas estão cada vez mais mergulhando nesse universo paralelo em busca da compreensão de outros tipos de vida. Um censo marinho divulgado ontem na edição on-line da Public Library of Science (PLoS ONE), organização não governamental científica, trouxe das profundezas dos mares informações preciosas para a biologia marinha.Um grupo de 360 pesquisadores de todas as regiões do planeta ajudou a construir o Censo da Vida Marinha, uma compilação de dados até então esparsos que definiu 25 áreas-chaves da vida nas profundezas oceânicas, incluindo a costa brasileira. No total, foram catalogadas 2.698.968 espécies de plantas e animais, divididos em 14 grupos que vão de peixes a pequenos vermes, passando por esponjas, moluscos e crustáceos. O mapa ainda deve aumentar, porque os inventários da Indonésia, de Madagascar e do Mar Arábico não foram enviados a tempo para a publicação.
De todas as espécies, o maior índice ; 19% ; é composto por crustáceos, incluindo caranguejos, lagostas, lagostins, camarões e cracas. Em segundo lugar (17%), estão os moluscos, como polvos, caracóis e lesmas. Os peixes aparecem em seguida, representando 12% da vida marinha catalogada. Com 10% cada um, estão os protozoários (micro-organismos unicelulares) e as algas.
Os anelídeos, vermes com formato de minhocas, correspondem a 7% do censo oceânico e são seguidos por cnidários (5%), como anêmonas e corais; plantelmintos (3%), que são vermes de aparência achatada; e equinodermos (3%), como a estrela-do-mar; porfíeros (2%), como as esponjas; equitoproctos (2%), um grupo de invertebrados complexos; e tunicados (1%), animais muito parecidos com as esponjas. As demais espécies foram classificadas como ;outros invertebrados; (5%) e ;outros vertebrados; (2%), sendo que, nesse último grupo, incluem-se baleias, leões-marinhos, tartarugas e aves marinhas.
Apesar da quantidade extraordinária de espécies contabilizadas, os cientistas alertam que o censo está longe de representar toda a riqueza da vida marinha, mas é essencial para futuras pesquisas. ;Mesmo nas regiões com menos diversidade marinha, são enormes as chances de existirem espécies já documentadas, mas que não seriam identificadas mesmo por um especialista, se ele não tivesse um guia para orientá-lo;, explicou Ian Pointer, presidente do comitê científico do censo.
Desconhecimento
Somente em relação aos peixes, que estão em terceiro lugar no ranking das espécies mais presentes nas 25 regiões inventariadas, estima-se que pelo menos 5 mil ainda não tenham sido descritas, apenas nos Estados Unidos. De acordo com o especialista Bill Eschmeyer, que colaborou com o censo marinho, a quantidade de novas espécies descobertas tem crescido a uma taxa de 150% ao ano. No geral, os cientistas acreditam que 70% dos peixes existentes nos oceanos já foram descritos. Mas, em relação à maioria dos outros grupos taxonômicos, a ciência conhece somente um terço.
Segundo os cientistas, o inventário é essencial para futuras descobertas no fundo do oceano. ;Precisávamos do censo urgentemente por duas razões. Primeiro, porque um conhecimento pequeno da taxonomia marinha impede que sejam descobertas e descritas novas espécies;, diz Mark Costello, um dos autores do censo e professor da universidade neozelandesa de Auckland. ;Em segundo lugar, temos que conhecer melhor a vida marinha para evitar seu declínio. As espécies oceânicas têm registrado muitas perdas ; em alguns casos, chegam a 90% ; devido a atividades humanas e podem estar no caminho da extinção, assim como ocorreu com tantas espécies terrestres.;
A ameaça à vida marinha é uma preocupação da bióloga Nancy Knowlton, do Instituto de Smithsonian, dos Estados Unidos. Ela liderou a equipe que catalogou os corais no censo e é autora de um livro que será publicado pela National Geographic Society em 14 de setembro, sem previsão de lançamento no Brasil. Em Citzen of the sea: wondrous creatures from the Census of Marine Life (Cidadãos do mar: maravilhosas criaturas do Censo da Vida Marinha, em tradução livre), ela faz um importante alerta. ;O mar, hoje, está apuros. Seus cidadãos não têm voto em nenhuma organização nacional ou internacional, mas eles estão sofrendo e precisam ser escutados. Muito mudou nas últimas décadas, sobre e sob o mar, mas ele continua um maravilhoso e riquíssimo lugar e, com os cuidados necessários, pode se tornar mais ainda;, escreveu Knowlton.
O que diz o censo
# As águas da Austrália e do Japão são as que apresentam maior biodiversidade, com 33 mil espécies
# Mesmo as regiões menos diversas, como o Mar Báltico e o nordeste dos Estados Unidos, ainda têm 4 mil espécies desconhecidas
# Os crustáceos representam entre 22% e 35% das espécies marinhas do Brasil, do Alasca, da Antártica, da Califórnia, do Caribe e da Corrente de Humboldt, mas são apenas 10% da biodiversidade do Mar Báltico
# Os moluscos representam 26% das espécies da Austrália e do Japão, mas apenas entre 5% e 7% das espécies do Mar Báltico, da Califórnia, do Ártico, do leste e do oeste canadense
# Plantas e algas são 1/3 de todas as espécies do Mar Báltico, do Ártico, da Europa e do Canadá. Mas são escassas na Antártica, no Caribe, na China, na Corrente de Humboldt, no Pacífico tropical e no Atlântico tropical
# Espécies endêmicas compreendem metade das espécies marinhas da Nova Zelândia e da Antártica, e 1/4 das encontradas na Austrália e na África do Sul. As águas do Caribe, da China, do Japão e do Mediterrâneo têm menos de 2 mil espécies, e o Mar Báltico possui apenas uma ; um tipo de alga marinha
# O local onde há mais espécies invasivas é o Mediterrâneo, com 600 espécies que não são típicas daquele ambiente
# O percentual de espécies ainda não descritas é estimado entre 39% e 58% na Antártica, 38% na África do Sul, 70% no Japão, 75% no Mediterrâneo e mais de 80% na Austrália