Ciência e Saúde

Estudo usa nanopartículas para levar medicamentos até células cancerígenas

postado em 25/08/2010 07:00
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) traz esperança para os pacientes que passam pelo doloroso tratamento do câncer. Experimentos demonstram que a nanobiotecnologia(1) pode reduzir os efeitos colaterais de medicações. Isso por meio de técnicas que permitem a aplicação da dose correta da droga diretamente nos tecidos ou células doentes, sem sobrecarregar o organismo com doses massivas, o que ocorre particularmente com os quimioterápicos para câncer.

O trabalho é desenvolvido em rede nacional pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Nanobiotecnologia. Na UnB, as pesquisas estão concentradas na aplicação biomédica das nanopartículas, fazendo com que elas levem diretamente à célula tumoral a dose de quimioterapia, sem atingir outros órgãos e tecidos. Dessa forma, os efeitos colaterais do tratamento são minimizados. As nanopartículas se transformam em transportadores de remédios com a missão de direcionar o medicamento à fonte do problema. ;Muitas vezes, o doente morre por conta do tratamento, não pela doença;, diz Flávia Arruda Portilho, bióloga e uma das pesquisadoras envolvidas no estudo. As aplicações são feitas para o tratamento dos cânceres de mama, intestino, ovário e pulmão.

;Hoje, é bastante plausível o uso de nanossistemas para a veiculação de drogas, como os que se baseiam em nanopartículas. Esses sistemas ficam especialmente interessantes se forem construídos a partir de nanopartículas magnéticas (NPMs);, revela a coordenadora do estudo na UnB, Zulmira Lacava.

As NPMs podem se apresentar sob diferentes formas. Uma delas é a de fluidos magnéticos: suspensões com um núcleo de ferro envolvido por uma cobertura feita com material biologicamente ativo. É nessa cobertura que o medicamento é colocado. Depois, utilizando um ímã (que atrai o núcleo de ferro), os médicos conseguem direcionar a nanopartícula com o remédio para o órgão a ser tratado (veja arte). As NPMs também devem ser biocompatíveis, sem representar perigo ao organismo. Para chegar aos resultados sobre essas nanopartículas, a equipe de cientistas fez testes com camundongos.

Esse processo, segundo a bióloga Flávia Portilho, além de reduzir os efeitos colaterais dos medicamentos, faz com que o tratamento se torne mais eficaz. Isso porque as NPMs carregam para dentro do tumor a dose correta do quimioterápico, fazendo com que ele não se perca no organismo. ;Podemos administrar, por exemplo, 5g de um medicamento na veia do paciente, mas só metade da droga chega ao tumor. O medicamento se perde no organismo, fica em alguns órgãos e tecidos;, explica a bióloga. Em alguns camundongos, a equipe observou uma diminuição do tumor considerada satisfatória.

Outras técnicas

Além do processo com a utilização do ímã no direcionamento das NPMs, a equipe também testa outras duas técnicas que deram resultados satisfatórios. A primeira delas é o processo de carregamento de drogas por meio da cobertura, uma técnica que intriga os pesquisadores. A substância da qual é feita a cobertura tem uma afinidade com certos tipos de tecido que os cientistas ainda não sabem explicar. ;Não sabemos o porquê dessa afinidade. Só sabemos que a nanopartícula viaja, por meio do sistema circulatório, até o tecido com o qual ela tem a tal afinidade;, diz a biomédica Luciana Landim Carneiro Estevanato.

Ela relata que NPMs recobertas com a proteína albumina têm uma afinidade com os tecidos do cérebro e, com isso, podem levar a droga diretamente para o órgão. ;No cérebro, há uma barreira entre o sangue e o órgão, que seleciona o que vai entrar. NPMs com a albumina conseguem atravessar essa barreira;, explica Luciana. A outra técnica utiliza as NPMs com anticorpos, moléculas capazes de reconhecer o tumor. Assim, os anticorpos levam o medicamento até o tumor. ;O melhor é que todas essas técnicas podem ser usadas em conjunto, dependendo do resultado que se quer obter;, comemora a especialista.

Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e o oncologista da clínica Ceon, do Hospital Anchieta, Anderson Silvestrini, o uso dessas nanopartículas pode resultar em um tratamento mais eficiente contra o câncer. ;Os remédios hoje são muito tóxicos. Se boa parte dessa toxicidade fosse evitada, poderíamos usar concentrações maiores de drogas-alvo diretamente no tumor.; Todo esse processo, porém, ainda está em âmbito de laboratório, com testes apenas em animais. ;Há poucos anos foi reportada uma primeira tentativa clínica de carreamento magnético de droga anticâncer que obteve sucesso em 50% dos pacientes terminais testados;, diz a coordenadora da pesquisa.

1 - Escala
A nanobiotecnologia trabalha com a manipulação de átomos em escala nanométrica, ou seja, em uma escala 1 milhão de vezes menor que o milímetro, espaço suficiente para acomodar no máximo 10 átomos. Como um exemplo comparativo, um fio de cabelo possui um diâmetro que varia de 30 mil a 100 mil nanômetros.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação