Considerada uma doença negligenciada por não despertar o interesse da indústria farmacêutica, finalmente a malária ganha a atenção de fabricantes que financiam pesquisas para descobrir a cura do mal. Depois da publicação de dois estudos promissores neste ano, os resultados dos testes de uma nova droga dão esperança de um tratamento mais eficaz para uma enfermidade que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, afeta 247 milhões de pessoas e provocou, somente em 2008, a morte de um milhão de indivíduos ; crianças africanas em sua maioria.
Embora existam tratamentos disponíveis, é preocupante a resistência que os parasitas causadores da doença, transmitidos para homens e animais pela fêmea do mosquito Anopheles, vêm adquirindo contra as drogas disponíveis. Foi o que estimulou um grupo internacional de cientistas a buscar uma nova classe de medicamento que combata a malária. Os resultados do estudo, iniciado em 2007 e financiado por governos e pela iniciativa privada, estão estampados hoje na capa da revista especializada Science.
O trabalho da equipe foi árduo. Os pesquisadores dissecaram 12 mil substâncias químicas por meio de uma tecnologia robótica para detectar componentes que ficavam ativos em contato com o Plasmodium falciparum, o parasita mais letal no caso da malária. Foi possível identificar um composto com boas habilidades para matar o agente, com a vantagem de que ele pode ser manipulado facilmente de modo a se transformar em um remédio. Depois de sintetizar e testar 275 versões do composto original, a equipe chegou ao NITD609, que pode ser formulado em comprimidos e fabricado em grandes quantidades.
Os experimentos, que ainda precisam ser testados em animais complexos e seres humanos, mostraram resultados promissores em laboratório. No tubo de ensaio, o NITD609 conseguiu matar duas espécies de parasita no estágio em que elas estão na corrente sanguínea e também se mostrou efetivo contra variantes resistentes a drogas. O composto, além disso, agiu mais rápido do que outros remédios que combatem a malária ; embora não tão rápido quanto a artemisinina, melhor tratamento atual contra a doença. O estudo publicado na Science destaca que a substância não é tóxica em contato com células humanas.
;Quando ministrado oralmente a roedores, o composto ficou em circulação por tempo suficiente para alcançar níveis efetivos contra o parasita da malária;, diz a pesquisa. De acordo com um dos pesquisadores, a cientista Elizabeth A. Winzeler, do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, se o comportamento do NITD609 for o mesmo em seres humanos, será possível desenvolver um comprimido que seja tomado apenas uma vez. A dosagem única, segundo ela, será substancialmente melhor do que os padrões atuais de tratamento em boa parte do mundo, onde as infecções levam até uma semana para serem combatidas, com a necessidade de tomar o remédio quatro vezes ao dia.
Comparação
;Estamos muito empolgados com o potencial que o NITD609 mostrou na primeira fase de experimentos feitos no tubo de ensaio. Ficamos ainda mais entusiasmados quando nossos colegas do Instituto Tropical da Suíça testaram o composto em um rato infectado;, disse Winzeler ao Correio. Tipicamente, roedores infectados com outro tipo de parasita da malária, o Plasmodium berghei, morrem em menos de uma semana. Mas única e grande dose do NITD609 curou todos os cinco ratos doentes, enquanto que uma dose menor conseguiu sarar metade de outros seis roedores testados. Três doses de pequenas quantidades da substância tiveram índice de cura de 90%.
Os pesquisadores também compararam o NITD609 com outras drogas contra a malária em ratos infectados pelo P. berghei. ;Nenhuma foi tão potente;, contou Winzeler. A efetividade do composto em doses relativamente pequenas é um ponto a favor, segundo a pesquisadora, porque abre menos oportunidades para o parasita desenvolver resistência à droga.
De acordo com Winzeler, estão sendo realizados testes adicionais em animais e, ainda neste ano, poderão começar os estudos clínicos. Porém ela alerta que muitos medicamentos em potencial costumam falhar na fase em que a droga é testada em pessoas. ;Por isso, é importante que a comunidade científica continue trabalhando para desenvolver outros componentes antimalária.;
O diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, Anthony S. Fauci, está impressionado com os resultados obtidos até agora. Em um comunicado à imprensa, ele disse que ;apesar de progressos significativos terem sido feitos no controle da malária, a doença ainda mata um milhão de pessoas todos os anos;. ;Já se passou mais de uma década desde que a última nova classe de drogas antimalária, a artemisinina, começou a ser amplamente utilizada. A crescente resistência que os parasitas da malária desenvolvem contra o medicamento exige a descoberta de novas terapias;, acrescentou.