Ciência e Saúde

Quem sofre de estrabismo precisa enfrentar continuamente a discriminação

Médicos ressaltam que o problema pode ser corrigido em qualquer idade

postado em 07/09/2010 08:19

Dois anos atrás, a vida do gerente de avicultura Selmiro Bolduan, 36 anos, esteve por um fio. Um acidente de caminhão quase o matou. Depois de semanas no hospital, com algumas costelas quebradas, ele descobriu que teria uma sequela inesperada: ficaria estrábico. Uma forte pancada na parte de trás da cabeça alterou o funcionamento do nervo óptico e fez com que os olhos do brasiliense deixassem de ser paralelos.

A recuperação da maioria dos demais problemas físicos não demorou a acontecer, mas o problema nos olhos fez com que a vida do gerente de avicultura mudasse drasticamente. ;Na hora de tirar fotos, era bastante constrangedor e eu ficava muito envergonhado. Também tinha o problema das pessoas ficarem olhando;, conta Selmiro. ;Além disso, faziam piadinhas, colocavam apelidos, aquela velha história. Foi realmente muito ruim.;

Médicos ressaltam que o problema pode ser corrigido em qualquer idadeAssim como Selmiro, cerca de 3% da população mundial possuem alguma forma de estrabismo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). O mal pode ser congênito ou desenvolvido ao longo dos anos, por diversos fatores, como acidentes ou doenças (veja infografia). Além da questão estética, uma pesquisa realizada pela Clínica St. Gallen, da Suíça, mostrou que os impactos sociais do estrabismo, principalmente nas crianças, são grandes. ;A partir dos 6 anos, as crianças passam a ser vítimas de discriminação, mesmo que as outras não consigam identificar o que elas têm de diferente;, explica o oftalmologista responsável pelo estudo, Daniel Mojon, em entrevista ao Correio.

Segundo o oftalmologista especialista em estrabismo Rodrigo Machado, do Centro Brasileiro de Estrabismo, é por volta dos 3 anos que as crianças começam a notar a existência do problema em outras pessoas. ;Pesquisas mostram que, antes dessa idade, se você der uma boneca estrábica para uma criança, ela não percebe a diferença. Já entre os 3 e os 6 anos, ela possivelmente vai rejeitar essa boneca, mas não saberá explicar o porquê;, conta o médico. ;Só depois dos 6 anos é que, se perguntada, ela conseguirá identificar que é o olhinho diferente que a faz não gostar do brinquedo;, explica.

Diferenças
Se as crianças tratam os colegas de maneira diferente, mesmo sem saber o que é o estrabismo, com os adultos a consciência do problema não muda a atitude. ;Ao crescerem, os estrábicos passam a ter que lidar com a dificuldade de encontrar parceiros e conseguir trabalho, por exemplo. Além disso, quando precisam conversar com outras pessoas, a dificuldade de olhar nos olhos pode gerar problemas de comunicação;, conta Daniel Mojon.

No estudo, os pesquisadores manipularam fotos de crianças, criando uma espécie de ;gêmeo estrábico;: as fotos normais e manipuladas foram embaralhadas e mostradas para outras 48 crianças, entre 6 e 8 anos. Os cientistas pediram para as crianças escolherem quais convidariam para sua festa de aniversário. Dezoito delas não selecionaram nenhuma foto de estrábico, enquanto nenhuma escolheu todos os estrábicos. ;Com cada vez menos pessoas com estrabismo, graças aos diversos tratamentos, as pessoas acabam tendo mais dificuldade de lidar com essa questão;, resume o pesquisador suíço.

A psicóloga Viviane Orlandi Ribeiro acredita que o preconceito vivido por muitos estrábicos é gerado pela dificuldade que várias pessoas têm de lidar com as diferenças. ;Isso não acontece apenas com os estrábicos. Qualquer pessoa que tenha alguma característica que fuja do convencional acaba sendo estigmatizada;, afirma. Para ela, a estrutura emocional de cada um é o que determina o quão difícil será lidar com o problema. ;Se essa questão for trabalhada desde pequena, quando for questionada sobre o assunto a pessoa terá muito mais capacidade de não se sentir diminuída com isso;, afirma.

Como a maior parte dos casos de estrabismo surge na infância, o papel da família no entendimento e na aceitação do problema é preponderante. ;Desde pequenininha a criança deve ser orientada, avisada que tem uma característica diferente das outras pessoas, mas que isso não faz dela menos capaz do que as demais;, aconselha Viviane. ;O que não dá é para negar o problema ou generalizar. Uma pessoa não se resume ao estrabismo, ela tem as mesmas capacidades e limitações de qualquer um. Deixar isso claro é essencial;, adverte.

Riscos
O oftalmologista Rodrigo Machado lembra que o estrabismo também pode gerar problemas concretos de visão. ;O principal risco é o de subdesenvolvimento da visão de um dos olhos. É como se, com o tempo, um deles parasse de trabalhar, deixando todo o trabalho para o outro;, conta o oftalmologista. ;Isso pode acontecer mesmo com quem desenvolve estrabismo em outras fases da vida que não a infância. Nesse caso, a visão de um dos olhos tende a diminuir aos poucos, o que pode levar inclusive à cegueira;, completa o médico.

Vítima do preconceito, Selmiro também enfrentou esse problema. ;Comecei a perder a visão dos meus dois olhos. No direito, de maneira mais leve, mas, no esquerdo, a queda estava sendo mais acentuada;, explica o gerente de avicultura. ;Quando soube que a cirurgia também poderia ser feita em adultos, resolvi operar o mais rapidamente possível. Além do problema estético, aquilo estava afetando a minha saúde.; Ele admite, porém, que mesmo sem a queda da visão optaria pela operação. ;Eu só não fiz antes porque não sabia que era possível. Só a questão da aparência já justifica a cirurgia;, opina.

Segundo Rodrigo Machado, mitos como o de que o estrabismo só pode ser resolvido enquanto o paciente é criança são muito comuns. ;Inclusive na classe médica essa ideia ainda persiste. Como a maioria dos casos aparece já na infância, é mais fácil resolver nessa fase, mas qualquer pessoa pode ser operada, desde que apresente condições clínicas para se submeter a uma cirurgia;, explica o especialista, que foi responsável pela operação que recuperou a visão e a autoestima de Selmiro, cujo procedimento foi feito há duas semanas.

O oftalmologista alerta, no entanto, que nenhum procedimento consegue corrigir totalmente o problema. ;Nós chegamos a resultados muito satisfatórios em cerca de 80% dos casos, tornando a falha muito pouco perceptível, o que não compromete nem a visão nem a vida social do paciente;, conta.

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