Ciência e Saúde

Indústria farmacêutica consegue resultados inesperados para doenças raras

postado em 11/09/2010 08:00
Correr contra o tempo, contra a falta de conhecimento e estudos, contra sintomas que minam seriamente a saúde. A maratona em busca da vida faz parte da história de pacientes diagnosticados com doenças pouco frequentes e quase nunca atendidas pela indústria farmacêutica. Em geral, esses doentes são movidos pela esperança. Eles esperam o desenvolvimento de drogas e terapias que, ainda que não curem, possam ser capazes ao menos de minimizar as manifestações de tais males. Segundo a Eurodis, organização não governamental europeia formada por associações de portadores de doenças raras, 8% da população mundial é vítima de patologias que geram necessidades não socorridas pela medicina. A Organização Mundial de Saúde (OMS) cataloga mais de 5 mil enfermidades nessa classe. Estima-se que elas afetem 15 milhões de brasileiros. Isso sem contar as doenças exaustivamente estudadas que ainda desafiam os cientistas.

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Ao longo dos últimos anos, no entanto, drogas desenvolvidas por meio de novas plataformas de pesquisa têm trazido algum alento e tempo a pacientes e médicos. A história do empresário Eduardo Marafanti, 58 anos, ilustra avanços científicos que fazem a diferença. Com o diagnóstico da leucemia mieloide crônica (LMC), feito no fim de 1998, ele ouviu do médico que decifrou seus exames que teria, no máximo, um ano e meio de vida. Depois do susto e da luta que travou consigo mesmo para não antecipar o que o hematologista considerava inevitável, Marafanti se agarrou à chance de testar, nos Estados Unidos, um fármaco desenvolvido por um laboratório suíço. Tais testes serviriam para comprovar ou não se o medicamento teria, em humanos, o resultado positivo dos estudos clínicos realizados em fases anteriores: a inibição da produção de Bcr-Abl, enzima que estimula o crescimento acelerado e anormal das células em pacientes com essa leucemia.

A metodologia usada pelos cientistas no desenvolvimento desse remédio ; denominada signaling pathway ; inaugura, segundo os pesquisadores do laboratório, uma forma de pesquisar e descobrir compostos que podem mudar o tratamento de doenças como o câncer. ;Essa plataforma nos permite identificar o que está errado no ambiente intracelular de maneira tão detalhada que é possível reconhecer a parte da célula que desencadeia o problema. Assim, trabalhamos com mais eficácia e segurança na criação da droga que atacará somente esse alvo, sem prejudicar as estruturas sadias;, explica Karen Moore, cientista responsável pela oncologia do Instituto Novartis para Pesquisa Biomédica.

Um ano havia se passado desde o diagnóstico de Marafanti. Ele não havia conseguido um doador de medula e o tempo estava contado. O empresário soube dos testes pela imprensa e não teve dúvidas: entrou em contato com o oncologista Brian Druker, coordenador da pesquisa. ;Queria desesperadamente ser cobaia. Era a minha chance. O médico me adiantou que testaria o medicamento em 200 pacientes e que 199 já estavam selecionados. Não hesitei, fui o primeiro brasileiro a experimentar a droga, hoje batizada de Glivec (feita pela empresa farmacêutica Novartis) e considerada a primeira linha de tratamento contra a LMC;, relata.

A leucemia mieloide crônica se desenvolve por conta de uma alteração genética resultante do encurtamento e da translocação do cromossomo 22 (Philadelphia), que resulta na fusão da proteína Bcr-Abl. Aproximadamente 85% dos pacientes são diagnosticados na fase crônica da doença e até 40% desses são assintomáticos. Os sintomas da fase acelerada do mal incluem fadiga, fraqueza, perda de apetite e peso, febre, sudorese noturna, aumento do baço ou do fígado e infecções. Na terceira fase, conhecida como blástica, a medula óssea é tomada por células tumorais. O paciente pode morrer em questões de dias.

Ação seletiva
O hematologista do Centro de Câncer de Brasília (Cettro) Alexandre Nonino explica que o medicamento testado em Marafanti se revelou a primeira terapia alvo-molecular contra o câncer. A droga age seletivamente nas células cancerígenas responsáveis pela evolução da doença. Segundo ele, o remédio, desenvolvido por meio do mapeamento do ambiente intracelular, revolucionou o tratamento da LMC, promovendo impacto jamais alcançado na sobrevida dos pacientes. Antes, o tratamento era paliativo e a doença evoluía rápida e invariavelmente. ;Nas décadas de 1970 e 1980, o transplante de medula óssea era a opção para os que conseguiam doadores. Ele cura a LMC, mas apenas um terço dos pacientes podiam ser transplantados;, relata.

Depois, chegaram os interferons, drogas que, por agirem no sistema imunológico, prolongavam a vida de 20% dos doentes. Estudos recentes revelam que mais de 90% dos pacientes continuam vivos desde o início da terapia. Estão nesse grupo 7 mil são brasileiros. ;É uma cura funcional. Ainda enfrentamos rejeição em 5% dos casos. São os novos desafios;, considera o médico.

A LMC acomete uma a cada 100 mil pessoas. Marafanti respondeu bem à terapia por cinco anos. Em 2005, teve uma crise blástica e, mais uma vez, foi informado de que poderia estar com os dias contados. No entanto, um segundo protocolo conduzido pelo laboratório Bristol-Myers seria testado em pacientes com o mesmo perfil do empresário. Ele foi cobaia novamente. Uma segunda rejeição trouxe novas complicações. ;Em meados de 2008, o doutor Brian me salvou de novo, com uma terceira droga, lançada para pacientes que não respondiam ao remédio desenvolvido anteriormente. Hoje, consigo controlar a LMC como controlaria uma hipertensão. É uma vitória;, comemora.

Cientistas do laboratório que produz a droga alvo-molecular contra a LMC confirmam que a plataforma denominada de ;via de sinalização; tem permitido com mais facilidade o desenvolvimento de produtos que acabam atendendo pacientes vítimas de doenças diferentes.

Longo caminho
O diretor do Instituto Novartis para Pesquisa Biomédica (NIBR), Adan Hill, explica que, em geral, leva-se 14 anos para uma droga ser desenvolvida. Os custos em pesquisa e desenvolvimento chegam a quase US$ 2 bilhões por produto. A maioria dos estudos falham e precisam ser abortados. ;Pela ;pathway;, identificamos novos alvos e conseguimos, com um mesmo fármaco, tratar outras patologias. Isso representou esperança para pacientes que não tinham as necessidades médicas atendidas e mais motivação para os pesquisadores;, comemora.

Em vias de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, um medicamento já usado em doentes americanos e europeus tem sido importante aliado no tratamento dos que sofrem com as CAPs ; um grupo raro de doenças autoinflamatórias, causadas por uma mutação genética que leva a superprodução de interleucina. A inflamação sistêmica gerada pelo excesso dessa proteína compromete o organismo em diversos níveis, inclusive no neurológico.

No Brasil, as CAPs atingem quase 200 pacientes, a maioria crianças. A droga, usada em alguns deles graças a doações de institutos internacionais, mudou a história natural dessas doenças, porque salva os pequenos de sequelas graves. O fármaco aprovado nos EUA para o tratamento das CAPs já é usado também em pacientes com artrite reumatoide, asma, gota, diabetes, psoríase e osteoartrite.

A repórter viajou a convite da Novartis

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