Ciência e Saúde

Pesquisador desenvolve pó que pode matar transmissores da dengue

postado em 20/09/2010 11:00

A confirmação recente de pessoas infectadas em Roraima com o vírus da dengue tipo 4 ; ausente do Brasil havia quase 30 anos ; deixou as autoridades ligadas à saúde pública apreensivas. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirmou que não é possível impedir a circulação de pessoas nas fronteiras e que o trabalho agora será de combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor da doença no país. A situação mostra a importância de pesquisas que buscam maneiras de impedir a proliferação dos mosquitos, exatamente o que faz o produto desenvolvido pelo engenheiro químico Marcelo Gugliotti. Aluno de pós-doutorado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, o pesquisador desenvolveu um pó capaz de mudar as características da água, matando ovos, pupas (casulos), larvas e mosquitos adultos de diversas espécies, incluindo o Aedes.

Gugliotti chegou ao produto em um trabalho feito em parceria com o Instituto Internacional de Ecologia (IIE). O material tem alta eficiência na mortalidade de espécies que transmitem a dengue, a malária e a elefantíase. Ao ser jogado na água, o pó forma uma fina película, que reduz a tensão superficial do líquido. ;É essa tensão que impede os mosquitos de afundarem, enquanto colocam os ovos. Sem ela, asas e patas ficam encharcadas e o inseto acaba afundando. O mesmo ocorre com os ovos, as pupas e as larvas;, explica o engenheiro, que não revela a fórmula usada para a fabricação do produto.

Nos testes realizados em dois tanques, com apoio do Laboratório de Mosquitos Geneticamente Modificados do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, a equipe envolvida observou que, em 24 horas, o produto eliminou 94% das pupas machos e 86% das pupas fêmeas do vetor da elefantíase, o Culex quinquefaciatus. Contra o Anopheles aquasalis, espécie comum em várias regiões do Brasil e que transmite a malária, a película demostrou ser ainda mais eficaz. Em apenas duas horas, o produto eliminou completamente as larvas e as pupas do inseto.

Em outro teste, feito no Núcleo de Avaliação e Pesquisa do Serviço Regional de Marília (SP), o pó eliminou 98% das pupas do mosquito transmissor do vírus da dengue. Os pesquisadores também observaram que a mortalidade de mosquitos adultos dobrava quando a água estava sob o efeito da película tensoativa. ;Não conheço nenhum produto que tenha tal eficácia contra essas espécies;, diz Gugliotti, que desenvolveu o produto, ainda sem nome, há dois anos.

O tensoativo também se mostrou uma eficiente maneira de controlar as algas, plantas que algumas vezes se reproduzem de forma exagerada e podem tirar oxigênio da água ou liberar toxinas, matando peixes. Por alterar as características físicas da superfície da água, o pó prejudica a flutuação das plantas, que acabam afundando e morrendo. Gugliotti aponta ainda outra vantagem de seu produto em relação a outros algicidas: ;O produto não destrói a membrana celular das algas, o que causa a liberação das toxinas;.

Natural
A pesquisadora Margareth Capurro, do Instituto de Ciências Biológicas da USP (ICB), que trabalhou nos testes do tensoativo, destaca, além da eficiência da película como uma forma de controlar as populações de algas e mosquitos, a importância de ser atóxico. ;Além de sua eficácia se mostrar extraordinária, o pó não tem nenhum poder tóxico. Com isso, pode ser usado em locais habitados por outros seres vivos.; Isso se deve ao fato de ser desenvolvido em cima de componentes naturais, retirados de matérias-primas existentes em reservas renováveis. ;Fiz questão de desenvolver o produto com características sustentáveis, para demonstrar que é possível obtermos compostos sem destruir ou comprometer o meio ambiente;, ressalta Gugliotti.

De acordo com o engenheiro químico, em testes toxicológicos o produto se mostrou inofensivo a peixes, crustáceos e moluscos. Aves aquáticas, como patos e gansos, também não foram afetados e conseguiram nadar normalmente sobre a película. ;Os componentes do produto permitem a ingestão da água, também, por seres humanos e animais, como bovinos, sem comprometer a saúde;, aponta. Porém, o cientista prevê que o filme poderá afetar de maneira colateral outras espécies de insetos que também botam ovos sobre a água. ;Esse efeito, no entanto, pode ser minimizado ao se restringir a aplicação em águas infestadas por insetos vetores de doenças;, aponta.

Segundo ele, o produto pode ser aplicado em fazendas com açudes, reservatórios de empresas de saneamento e até em caixas d;água residenciais. O quilo do pó do tensoativo é suficiente para cobrir uma superfície de 10 mil metros quadrados e reduz a tensão da superfície da água durante 48 horas. Após esse período, o produto deve ser reaplicado. O pesquisador procura agora parceiros interessados na produção e na comercialização da película. A estimativa é que ela seja comercializada por R$ 22 o quilo.

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