Ciência e Saúde

Pesquisa tenta desenvolver mosquito macho capaz de "envenenar"D fêmeas

Objetivo é impedir o nascimento de novas larvas

Júlia Kacowicz
postado em 24/09/2010 08:05
Recife ; Um supermosquito está sendo produzido em laboratório com a árdua e promissora missão de acabar com a dengue. Astuto, esse Aedes aegypti chega disfarçado, namora a fêmea e lança nela o seu veneno: um gene letal introduzido pelos pesquisadores que, ao ser repassado à fêmea durante o acasalamento, pode impedir o nascimento de novas larvas. A experiência, por enquanto, ainda é estudada entre quatro paredes. Mas, no próximo mês, poderá receber autorização para testes em ambientes livres. O projeto pioneiro de liberação dos mosquitos transgênicos no Brasil aguarda apenas a aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para se tornar mais uma possível arma no combate à doença.

O estudo foi apresentado na semana passada durante o seminário Entomol 4, realizado no Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (Fiocruz), em Recife. Coordenado pela professora da Universidade de São Paulo (USP) Margareth Capurro, o projeto seguiu pesquisas preliminares de supressão de populações de mosquitos desenvolvidas nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França. Os resultados mostraram que as fêmeas não fazem distinção entre machos selvagens (não transgênicos) e modificados geneticamente, o que valida a iniciativa (1). No Brasil, o primeiro teste fora de laboratório deverá ocorrer em Juazeiro (BA), onde a equipe da professora iniciou o projeto em julho deste ano.

Diferentemente das experiências já desenvolvidas com machos estéreis por irradiação, a intenção é criar machos com um gene letal incapazes de reproduzir descendentes hábeis a chegar à fase da pupa (etapa intermediária entre a larva e o mosquito). A primeira etapa inclui o levantamento de dados, a escolha de áreas para teste, a coleta de ovos e a divulgação da iniciativa entre os moradores. Apenas com a liberação do CTNBio o projeto poderá seguir para a fase de soltura dos mosquitos e, em seguida, de avaliação dos resultados. A professora Margareth está otimista. ;Já tivemos a aprovação para as experiências em laboratório. Acredito que o projeto será aprovado, mas a comissão pode pedir alguma alteração;, observou.

Segundo a coordenadora, Juazeiro foi escolhida para receber o projeto-piloto por suas características ambientais e geográficas e pela presença da Moscamed, uma biofábrica de mosca da fruta transgênica. ;Começamos a pesquisar e identificamos que a biofábrica tem todo o conhecimento de reprodução de machos estéreis. A parceria será excelente;, ressaltou Margareth. Na biofábrica, os insetos são geneticamente modificados para serem estéreis e atuarem no controle de pragas agrícolas das lavouras do Vale do São Francisco. Cinco localidades da cidade já foram selecionadas como pontos de liberação dos insetos e estão recebendo as armadilhas para os Aedes aegypti.

;Esses locais são como uma ilha. Os mosquitos não sairão de lá, pois não terão para onde ir. Existem intervalos com desertos de ocupação e, assim, poderemos realmente avaliar os resultados;, afirmou a especialista. O galpão onde será instalado o projeto tem capacidade para desenvolver 1 milhão de ovos por semana. Mas o potencial é ainda maior, podendo chegar a 1 bilhão de ovos no mesmo período. Inicialmente, após a liberação dos mosquitos, o período de avaliação será de dois anos.

1 - Mais segurança
A professora Margareth Capurro destacou que a técnica tem vantagens em relação a outras possibilidades de modificações genéticas, como a irradiação em machos para deixá-los estéreis. Nesses procedimentos, ela esclareceu, o impacto em caso de desastre natural é maior, já que os mosquitos seriam liberados sem a modificação e aumentariam em número, provocando uma endemia. ;Se acontece um terremoto, uma tempestade ou um avião cai sobre a fábrica e solta os mosquitos, os transgênicos já estarão modificados e não trarão descendentes;, afirmou. Outros pontos que fortalecem a segurança é que a prática traz menos perdas genéticas aos mosquitos em comparação à irradiação e atua especificamente em machos, que não picam as pessoas, além de ser introduzida continuamente e não fixada na espécie. Posteriormente, o grupo pretende também introduzir genes que impedem o voo das fêmeas, o que também dificulta a cópula.

Armadilhas dão bons resultados

;Não temos como ir atrás do mosquito. É ele que deve vir até a armadilha.; A afirmação é da pesquisadora do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, em Recife, Lêda Régis. Ela defende como foco da política de controle populacional o combate aos mosquitos adultos e não às larvas do Aedes aegypti ; como prevê o programa nacional. Segundo ela, a prática poderia contribuir significativamente com a redução dos índices de dengue.

Segundo Lêda, os mosquitos continuarão a se proliferar enquanto uma prática mais eficaz não for adotada. O problema, esclareceu, é que a política de combate adotou o mesmo sistema usado para o Culex quinquefasciatus, um mosquito primo, mas que tem características diferentes de ocupação dos espaços urbanos e reprodução. ;O Culex deixa seus ovos concentrados, sendo mais fácil localizá-los e removê-los. Com o Aedes é outra história, a casa dele é a água;, ressaltou. Para constatar a teoria, a pesquisadora está desenvolvendo um projeto-piloto nas cidades de Ipojuca, no litoral de Pernambuco, e em Santa Cruz do Capibaribe, no agreste do estado. Os resultados de seis meses de análise são positivos.

Em Santa Cruz, 5,7 mil armadilhas para os mosquitos (ovitrampas) foram instaladas e capturaram mais de 5 milhões de ovos. A média mensal reduziu de 1,2 mil para 330 ovos por mês, nos períodos de incidência mais alta. O mesmo resultado foi obtido em Ipojuca, onde a ocorrência mensal caiu de 500 para quase 250 ovos. ;A técnica é mais barata do que a mão de obra para localizar os focos e é mais racional. Você atrai o mosquito, prende os ovos e depois queima;, defendeu Lêda.

O gerente de saúde do Recife, Otoniel Barros, destacou que a política adotada em Recife, que segue o programa federal, inclui a identificação e a eliminação de focos, o apelo à participação da sociedade e a presença de ovitrampas. ;Temos 2.070 ovitrampas espalhadas na cidade. Mas precisaríamos de uma ou duas para cada casa. É muita coisa;, afirmou, defendendo uma atuação conjunta.

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