Ciência e Saúde

Transtorno bipolar precisa ser tratado também com terapias alternativas

postado em 25/09/2010 08:00

João Francisco* encontra alívio na arte: 10 anos de luta contra a doençaUma montanha-russa emocional, cujos trilhos levam tanto à depressão quanto à euforia. Para as vítimas do transtorno bipolar, a vida é um revezamento de sentimentos e sensações, muitas vezes extremamente debilitantes. Em alguns períodos, viver parece transcorrer em preto e branco ; nada tem graça, a autoestima vai à lona, a tristeza toma conta e não se tem energia para encarar o dia a dia.

Em outros, um entusiasmo incontrolável invade corpo e alma, deixando a existência excessivamente iluminada, colorida, esfuziante. A voz, as atitudes e os desejos tomam grandes proporções. Os limites são ignorados e a pessoa imagina poder tudo. A bipolaridade é confusa e mais frequente do que se imagina. A Associação Brasileira de Transtorno Bipolar estima que o número de brasileiros acometidos pela doença chegue a 15 milhões. Se não for cuidado, o mal traz grande sofrimento e incapacitação. Quando tratado com psicofármacos, as manifestações, especialmente as depressivas, não desaparecem por completo.


O psiquiatra Sérgio Tamai fala sobre o transtorno bipolar, e a importância da abordagem não farmacológica no tratamento

Atualmente, psiquiatras e psicólogos que são referência no assunto não vacilam ao assumir que a abordagem não farmacológica é fundamental para o enfrentamento da doença. O psiquiatra Sérgio Tamai, chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Santa Casa de São Paulo, aponta que, mesmo utilizando todo o arsenal farmacêutico, 60% dos pacientes não apresentam remissão dos sintomas da bipolaridade e os 40% restantes esboçam recaídas periódicas.

De acordo com o médico, sem a intervenção não medicamentosa não se promove autoconhecimento e melhor entendimento da doença, ainda altamente estigmatizada. ;Já temos estudos científicos que comprovam que a psicoterapia é determinante na adesão do paciente ao tratamento farmacológico, na redução dos sintomas residuais e até na prevenção de recorrências. A psicoeducação, a terapia cognitivo-comportamental e a terapia interpessoal e familiar são ferramentas adjuvantes, que maximizam as chances de o paciente retomar a vida;, diz.

O transtorno está relacionado a fatores bioquímicos, genéticos e ambientais. O primeiro surto geralmente é deflagrado por um fato marcante na vida da vítima. À medida que vão ocorrendo, as crises ficam mais intensas e passam a ser provocadas por acontecimentos corriqueiros. A medicação estabiliza o indivíduo organicamente, minimizando as variações de humor.

A psicoterapia reduz as consequências emocionais dessas variações. ;A psicoeducação, por exemplo, visa fornecer aos doentes e aos familiares informações sobre a natureza e o tratamento da bipolaridade. O paciente passa a ter habilidade no reconhecimento de situações que possam desencadear crises;, reforça a psicóloga Girlene Marques Pinheiro.


Contra o estigma

Estudos realizados recentemente na Europa apontam que essa terapia também tem papel importantíssimo para atenuar a ação negativa do estigma da bipolaridade.

A psicóloga acrescenta que os bipolares têm problemas associados ao equívoco de entendimento da sociedade em relação às doenças mentais. ;São pacientes com autoestima abalada, com medo extremo de recaídas, porque sabem os danos emocionais e pessoais dessas recorrências, além de dificuldades interpessoais. A psicoeducação, assim como a terapia cognitivo-comportamental, ensina a reconhecer as pedras no caminho que podem provocar as crises;, garante Girlene.

Palavra de quem já passou pela situação

O arquiteto João Francisco*, 31 anos, teve a primeira crise depressiva quando mudou de cidade para cursar a faculdade de arquitetura. Longe de casa e diante de novos desafios, ele se sentiu acuado. A depressão não tardou, e veio tão intensa que o jovem não conseguia levantar da cama. A vida parou. Preocupado, João buscou tratamento e, quando conseguiu voltar às atividades sociais e profissionais, foi tomado pelas manifestações da euforia. ;Mesmo tomando antidepressivos e antipsicóticos, uma energia incontrolável tomou conta de mim. Passei a confundir imaginação com realidade. Falava alto, achava tudo engraçado, imaginava ter poderes de super-heróis. As pessoas ao meu redor julgavam que eu estava ótimo, mas a situação estava fora de controle;, relata.

[FOTO2]Dez anos depois desse episódio, João considera vital estar atento para evitar as crises. E a psicoterapia é uma aliada de peso nesse processo. ;Com ela, me conheço melhor. Descobri ainda que apostar no lado criativo me faz muito bem. Pinto, desenho, arrisco projetos de cenografia. São atividades me dão prazer e também funcionam como terapia. Atualmente, trabalho, faço faculdade de artes plásticas, procuro viver um dia após o outro;, diz.

É o que também busca a servidora pública Janaína*, 58 anos. Ela considera que, mais importante que a psicoterapia, é encontrar um psiquiatra e um psicoterapeuta que falem a mesma língua, ou seja, que trabalhem juntos as necessidades do paciente. Janaína conheceu as agruras da depressão depois de sofrer uma perda sentimental. ;Não conseguia ter paz. Mesmo cansada, era tomada por uma hiperatividade constante. Não dormia, buscava fazer mil atividades ao mesmo tempo. Era como se todos os meus órgãos estivessem alterados;, revela.

Segundo Janaína, é importante ter consciência de que as manifestações do transtorno são diferentes em cada paciente. ;Não podemos ser mensageiros de psiquiatras e psicólogos. A doença é triste e o entrosamento desses dois profissionais nos possibilita ter condições de lidar com os desafios. O tratamento nos dá forças para caminhar com as próprias pernas. Em uma das mãos, sou amparada pelo médico. Na outra, pelo psicoterapeuta;, explica.

O psiquiatra Sérgio Tamai lembra que o transtorno bipolar é uma doença crônica, com uma carga considerável de comorbidades. As abordagens medicamentosa e psicoterápica não bastam. ;Também é fundamental que os bipolares tenham um estilo de vida saudável. O envolvimento com álcool e drogas é comum e deteriora ainda mais a saúde mental e física;, alerta.

A família e as associações de pacientes também são amparos necessários. ;Pais e irmãos podem ajudar sem superproteger. Quem está próximo deve entender a doença, socorrer nos momentos difícieis, saber ler os sinais de crise;, acrescenta João. Janaína explica que o contato entre pessoas que lidam com dificuldades semelhantes é uma forma de terapia também. ;No DF, contamos com o Núcleo de Mútua Ajuda a Pessoas com Transtornos Afetivos (Apta), da Universidade de Brasília. Escutando colegas que passam por situações até piores, aprendemos a lidar com as nossas próprias inseguranças e dificuldades;, conclui.

Contatos com a Apta podem ser feitos pelo telefone (61) 3307-2522.
Nome fictício a pedido dos entrevistados

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