Ciência e Saúde

Uso de gás CO² para expandir abdômen é menos perigosa do que se pensava

Pesquisa rende prêmio nacional ao coloproctologista Leonardo de Castro Durães

postado em 30/09/2010 08:00 / atualizado em 22/09/2020 16:23

Uma das maiores preocupações dos pacientes que passam por cirurgias é o pós-operatório. Essa etapa é considerada crucial para o sucesso do procedimento. Nas operações por videolaparoscopia (1), o uso do gás carbônico (veja infografia) para expandir o abdômen é bastante questionado pelos médicos. Os profissionais avaliam que o produto pode atrapalhar a cicatrização interna pós-cirúrgica. Um estudo realizado na Universidade de Brasília (UnB) comprova, contudo, que injetar o CO2 não prejudica a cicatrização ; o estudo foi feito em operações no intestino grosso. ;O resultado mostrou que isso não acontece;, garante o autor do estudo, o coloproctologista Leonardo de Castro Durães. Pesquisa rende prêmio nacional ao coloproctologista Leonardo de Castro DurãesO motivo de todas essa dúvida sobre os efeitos do CO2, segundo o pesquisador, se justifica porque a técnica é recente, datada do fim da década de 1990, quando começaram os treinamentos dos médicos e o desenvolvimento de materiais e equipamentos. Durães explica que o uso do CO2 nas cirurgias viodelaparoscópicas foi pouco estudado pela medicina. ;Havia sempre a dúvida de que o CO2 podia aumentar a pressão no abdômen, causando risco de ruptura das emendas, ou má circulação no intestino, provocando falha na cicatrização e até necrose do local. Meu trabalho comprovou que nada disso ocorre se o gás carbônico for utilizado com nível correto de pressão;, afirma. A bióloga Silvana Regina Favoretto fala sobre a incidência da raiva em seres humanos. Entre os pacientes, uma das maiores preocupações é o efeito de uma ruptura das emendas no intestino grosso. Se elas não cicatrizarem corretamente, pode ocorrer o vazamento de fezes para o abdômen. Nesse caso, o paciente precisa passar por uma colostomia, na qual o intestino fica ligado à parede abdominal e os resíduos são depositados em uma bolsa fora do corpo. ;Não há como afirmar se o paciente não irá precisar de uma colostomia. Até porque a cicatrização é apenas um dos aspectos que podem provocar o problema. O que posso afirmar é que o CO2 não interfere nessa cicatrização;, explica Durães. Método premiado Para provar que os efeitos do CO2 não são nocivos à cicatrização, Durães utilizou três grupos de ratos, num total de 120 animais. Cada unidade de 40 ratos foi dividida em subgrupos de 10. O pesquisador simulou uma cirurgia videolaparoscópica em todos os animais. No primeiro subgrupo, Durães inseriu CO2 antes do procedimento; no segundo, inseriu o gás depois; no terceiro, antes e depois da cirurgia; no último, não injetou CO2. Após o procedimento, o pesquisador submeteu os ratos à eutanásia, para constatação do estudo. No terceiro dia depois da cirurgia, 40 animais foram estudados, no sétimo dia mais 40 e no 10; dia do pós-operatório foram analisados os demais. ;Verifiquei como foi a evolução da cicatrização nesses períodos. Ocorreu tudo dentro do esperado;, disse Durães. Pode parecer estranha a conclusão da pesquisa sem testes realizados em humanos. No entanto, ratos e seres humanos têm as fases de cicatrização semelhantes, o que garante a confirmação do estudo, explica o pesquisador. ;Mesmo assim, ano que vem começaremos os testes em humanos;, ressalta o pesquisador. A investigação de Durães ganhou o prêmio Pitanga Santos 2010 de melhor estudo em proctologia do país, concedido pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP). De acordo com o secretário-geral da SBPC, Ronaldo Salles, a cirurgia videolaparoscópica traz grande benefício para o paciente em diversos aspectos, mas como é um método relativamente recente, é necessário que se prove sem sombra de dúvida que ela não prejudica o paciente em nenhum outro aspecto. ;Muitos trabalhos estão em andamento com esta finalidade e, em todos eles, os resultados são positivos nessa avaliação. A importância do trabalho do doutor Durães é acrescentar mais argumentos, pois é um estudo de impecável embasamento científico e conduzido com grande rigor estatístico;, aplaude Salles. Vantagens Para os pacientes, os ganhos com essa comprovação são indiretos. Segundo o coloproctologista João Batista de Sousa, orientador da pesquisa e vice-reitor da UnB, o uso do CO2 traz benefícios no pós-operatório do paciente. ;Primeiro, porque uma cirurgia videolaparoscópica só é feita com um gás que possa expandir o abdômen. Segundo, uma das maiores vantagens para o paciente é que ela promove um retorno mais rápido às atividades diárias. Isso é impagável dentro do contexto de uma cirurgia abdominal;, disse Sousa. O médico também destaca a importância do desenvolvimento de cirurgias como a videolaparoscopia. ;Antes, tínhamos que abrir o paciente do peito ao púbis para achar o problema. Hoje basta utilizar o laparoscópio, sem precisar fazer um corte de ponta a ponta. É um método minimamente invasivo, o futuro da medicina. Por isso, pesquisas como essa são de suma importância para o melhor desenvolvimento do procedimento;, alega Sousa. O coloproctologista José Guilherme Filho opta pela cautela. Para ele, do ponto de vista prático, o paciente não tem muito a ganhar. Ressalta, porém, que a conclusão de que o CO2 não interfere na cicatrização das emendas do intestino traz um dado importante para a literatura médica. ;É um testemunho favorável que acrescenta ao conhecimento médico;, disse. ;No entanto, é uma informação dentro de um mundo de outros aspectos que envolvem a cirurgia videolaparoscópica;, opina o médico. Hoje, essa técnica é muito empregada para o tratamento da maioria das patologias do intestino. As evidências médicas mostram sua indicação preferencial para várias doenças do intestino grosso. A recuperação pós-operatória dos pacientes é mais rápida, a dor é reduzida e a alimentação pode ser precoce, possibilitando menor permanência hospitalar e retorno mais cedo às atividades pessoais. Outras vantagens desse procedimento são as baixas incidências de complicações (20%) e de mortalidade pós-operatória (1%), segundo a SBPC. Os pacientes de maior risco operatório, como os obesos e os idosos, também se beneficiam da utilização dessa técnica, avaliam os especialistas. Dentre as maiores vantagens, estão a redução do trauma e do estresse cirúrgico, influenciando em uma melhor preservação da imunidade e da defesa dos pacientes. 1 - Olho eletrônico O laparoscópio é uma espécie de luneta de alta resolução, que aumenta a imagem observada até 20 vezes. A microcâmera é acoplada a ele para a recepção de imagens do interior da cavidade abdominal. Quanto maior o calibre do laparoscópio, maior sua resolução. Ele é composto de um sistema de lentes para a captação de imagens e de um de fibra ótica para a transmissão do feixe luminoso oriundo da fonte de luz. O feixe luminoso permitirá que a imagem do interior da cavidade seja captada. As imagens são colhidas pela microcâmera e enviadas ao monitor de vídeo, por onde toda a equipe cirúrgica se norteia para realizar a operação.

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