Ciência e Saúde

Pesquisa cria material que pode regenerar mais rápido pequenas fraturas

Embora seja um grande avanço, a substância ainda precisa evoluir para poder substituir pinos e placas em tratamento ortopédicos

postado em 03/10/2010 08:25
Uma fratura no tornozelo fez com que o estudante Daniel Guimarães, 35 anos, passasse por uma experiência muito dolorosa ; e demorada ;, há pouco mais de um ano. Depois de dar uma topada enquanto corria, Daniel fraturou a tíbia e precisou passar por uma cirurgia para colocar nove pinos e uma placa na fratura. ;Quando quebrei o tronozelo, doeu muito, porém a dor maior foi no pós-operatório. Essa é indescritível;, lembra o estudante. O problema de Daniel começou quando o pé inchou bastante após a cirurgia. Logo em seguida, o estudante contraiu uma infecção e, após cinco dias, precisou voltar ao centro cirúrgico, para retirar sete dos nove pinos que havia colocado. Quinze dias depois, a infecção voltou e Daniel precisou retirar os outros dois pinos do tornozelo. ;Foram dois meses entre as três cirurgias e internações, com uma dor insuportável;, conta. ;Não quero passar por isso nunca mais;, afirma o estudante.

O caso de Daniel é comum entre pessoas que sofrem com fraturas e precisam ser operadas para colocar parafusos ou placas. Como toda cirurgia, há o risco de infecção e, em alguns casos, como o do estudante, é preciso retirar o material que foi colocado para o tratamento do problema. Um estudo realizado pelo Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus Araraquara, pode, contudo, trazer uma perspectiva mais positiva para os pacientes que sofrem com fraturas e perdas ósseas. Pesquisadores da instituição desenvolveram um biomaterial que auxilia na regeneração óssea e a torna mais rápida ; embora ainda não com abrangência suficiente para, por exemplo, ajudar quem sofre danos tão extensos quanto o de Daniel.

Estudos preliminares feitos em fêmur de ratos (veja infografia) apontam que o biomaterial pode regenerar tecido ósseo em um período entre sete e 15 dias, dependendo do tamanho do defeito. ;Nos animais, fizemos um pequeno buraco no fêmur, aplicamos o biomaterial e os resultados foram como esperávamos. É um grande avanço na busca de novos materiais;, disse a cirurgiã-dentista Sybele Saska, que faz parte da equipe de pesquisa. Sybele foi premiada ao apresentar o estudo durante a 88; Internacional Association for dental Research General Session, em Barcelona, na Espanha

Estímulo celular
O material pode ser comparado a uma espécie de curativo natural, que estimula a regeneração de células ósseas. ;O biomaterial é um osteoindutor, possibilitando maior migração das células para a formação de tecido ósseo;, explica Reinaldo Marchetto, professor do IQ e coordenador do estudo. Ele é constituído de alguns elementos que compõem os ossos, como colágeno (proteína) e hidroxiapatita (mineral), além da celulose bacteriana e da inédita presença de peptídeos (pedaços de proteína).

De acordo com o coordenador da pesquisa, o principal desafio foi compatibilizar a inserção dos componentes ósseos ; colágeno e hidroxiapatita ; e dos peptídios sintéticos. ;Os peptídeos, sintetizados em laboratório e anexados à estrutura do material, tornaram o biomaterial um tipo de osteoindutor, promovendo maior proliferação e diferenciação celular;, explica. ;Eles funcionam como reguladores na expressão de fatores de crescimento relacionados ao tecido ósseo;, esclarece Reinaldo Marchetto.

O processo começa na estruturação do biomaterial, com a produção de celulose bacteriana. Sintetizada por bactérias do gênero Gluconacetobacter, a celulose serviu como matriz para gerar o biomaterial de estrutura nanométrica (bilionésimo de metro), já que as bactérias sintetizam as fibras de celulose em uma trama de fios dessa dimensão. ;Essas bactérias possuem poros por onde são expelidos os fios de celulose durante o seu crescimento, aparentemente como um subproduto metabólico e sem utilidade para elas;, aponta o coordenador do estudo. Nessa base, os pesquisadores inserem colágeno, hidroxiapatita e peptídios sintetizados, obtendo o biomaterial. Sybele Saska, ressalta que, sem todo esse conjunto de materiais orgânicos e inorgânicos, ;seria impossível obter uma regeneração óssea tão rápida.;

De acordo com Marchetto, os peptídios são o grande diferencial do material, já que existem produtos semelhantes no mercado, porém sem a presença deles. ;Quando o nosso produto estiver sendo comercializado, além da maior eficiência, o custo será bem inferior ao importado ; cerca de 10 a 20 vezes menor;, estima.

Ainda de acordo com o coordenador do estudo, clínicas odontológicas e ortopédicas serão os principais consumidores do biomaterial. ;Além disso, poderá servir de base para outros estudos, uma vez que a celulose permite acrescentar muito outros componentes;, disse.

Futuro
Para os pacientes, o novo produto significará menos tempo de recuperação em casos de acidentes que provoquem perdas ósseas. Contudo, Sybele Saska afirma que o biomaterial ainda não pode substituir pinos e placas no tratamento ortopédico. ;Ainda é cedo para fazer tal afirmação. Por exemplo, o biomaterial nunca irá substituir o titânio. Nossos experimentos demonstraram sua eficiência em pequenas perdas ósseas, o que seria um avanço direto do uso do biomaterial na odontologia e em cirurgias de bucomaxilo.;

Segundo o ortopedista Denys Aragão, o maior problema dos pacientes que sofrem de fratura e perda óssea é a recuperação. ;O uso de pinos e placas não quer dizer que a fratura, ou perda óssea será sanada. Há problemas de infecção, em que temos de tirar os materiais. Em outros aspectos, há o fato desses materiais quebrarem com o tempo, ou o paciente não se acostumar com eles, sofrendo com muitas dores;, diz.

Contudo, Aragão acredita que o produto desenvolvido pelos pesquisadores da Unesp abre uma perspectiva bastante interessante para o desenvolvimento de outros materiais biocompatíveis. ;Uma vez comprovada sua eficácia, o biomaterial será um grande avanço para a medicina ortopédica e, principalmente, para a recuperação dos pacientes;, afirma Aragão.

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