Ciência e Saúde

Pesquisadores da Argentina criam superleite para combater o câncer

Pesquisa permitiu que vacas produzam leite com baixo percentual de gordura e alta concentração de ácidos com capacidade de ajudar na prevenção contra o câncer. No Brasil, Embrapa dá primeiros passos em pesquisa semelhante

postado em 04/10/2010 08:00

Pesquisa permitiu que vacas produzam leite com baixo percentual de gordura e alta concentração de ácidos com capacidade de ajudar na prevenção contra o câncer. No Brasil, Embrapa dá primeiros passos em pesquisa semelhanteEngenheiros agrônomos argentinos criaram o que chamam de ;superleite;, com um teor natural de gordura até 50% inferior ao normal e com altos índices de presença dos ácidos vacênico e linoleico ; o que pode até ajudar na prevenção do câncer. A diferença em relação aos outros leites também conhecidos como saudáveis ; como o desnatado e o enriquecido em ferro ; está na primeira etapa de produção: é nesse momento que são adicionados borra de soja, óleo e azeite de girassol ao alimento das vacas. ;Isso faz com que o leite já saia diferenciado, sem precisar de nenhuma complementação depois;, explicou Roberto Castañeda, diretor da parte de lácteos do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina (Inta).

A ideia surgiu há oito anos, quando o engenheiro agrônomo Gerardo Gagliostro, chefe de Nutrição, Metabolismo e Qualidade de Produto no Inta, foi à França para estudar o tema. ;Voltei à Argentina e decidi seguir com a pesquisa. Aqui, consegui comprovar os efeitos do leite;, contou Gagliostro ao Correio.

A partir da descoberta, Matias Balán, ex-aluno de Gagliostro, desenvolveu a linha de produtos Mamá Mecha em sua empresa, Lácteos Prodeo. Agora, ele apresenta queijos e iogurtes derivados do ;superleite;, em Chivilcoy, a 160km de Buenos Aires. No ano passado, o empresário ganhou um concurso promovido pelo Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (Inti) com os novos produtos.

Depois de um acordo com o Inta e com o Inti Lácteos, Balán conseguiu levar a pesquisa de Gagliostro como projeto-piloto para a sua empresa. ;É interessante notar que o pasto que alimenta as vacas possui os ácidos linoleico e vacênico nos primeiros meses da primavera e do outono. No resto do ano, contudo, o capim perde essa propriedade. É aí que entra o nosso estudo;, afirma Gagliostro.

Sérgio Salomon, professor de bovinocultura de leite na Universidade de Brasília (UnB), mostra como o alimento enriquecido melhora o leite. ;A vaca consome esse alimento rico em óleos. Ele passa pelo estômago e a absorção acontece no intestino, que muda o perfil do que vai ser o leite;, explica Salomon. Gagliostro aponta a possibilidade de que os ácidos presentes no ;superleite; e nos produtos desenvolvidos previnam principalmente o câncer de mama. ;O relevamento bibliográfico sugere que o câncer mamário é um dos mais sensíveis ao efeito citotóxico dessas moléculas;, diz Gagliostro.

Os resultados benéficos foram pesquisados pelo Inta Balcarce e pelo Inti Lácteos. De acordo com os dois órgãos, o consumo de 90g do queijo sardo argentino ou de 140g do queijo tybo argentino produzidos a partir do novo leite estimularia a prevenção contra o câncer.

Para o consumidor brasileiro, a descoberta argentina é positiva. É o que diz Bruno Lucchi, assessor técnico da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). ;Há estudos que comprovam que, além de prevenir o câncer, os ácidos presentes também ajudam a manter a forma;, afirma Lucchi.

Apesar de parecer fácil introduzir óleos, existe um limite para manipular a ração: a grande quantidade de óleo pode atrapalhar a digestão de fibras. ;Quando a grama é ingerida, os micro-organismos vão digerir essa fibra. Se, porém, há muito óleo, ele cobre a fibra e dificulta a digestão;, explica Lucchi.

Projeto nacional
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) possui uma linha de pesquisa parecida com a argentina, baseada na nutrição animal. ;A gente faz um trabalho similar, mas usando o nosso capim;, compara Marco Antônio Sundfeld, pesquisador de produção animal da parte de gado de leite da Embrapa. Ele explica que o estudo consiste em ver o potencial das plantas forrageiras brasileiras para alimentar as vacas. ;O Brasil é um país com vários tipos de plantas forrageiras, e podemos associar essas plantas aos óleos vegetais para conseguir resultados parecidos com os da Argentina;, conta Sundfeld.

Os primeiros resultados da pesquisa da Embrapa mostram um aumento de 2,5% do ácido linoleico. ;Falta aumentar esse percentual e conseguir reduzir a quantidade de gordura, como fez o Gagliostro;, analisa Sundfeld. Sérgio Salomon, da UnB, vê algum futuro na produção brasileira. ;Os estudos na área das oleaginosas para combustíveis talvez revelem algum tipo de óleo vegetal. Ainda há muito material no Brasil para ser estudado;, acredita Salomon.

Para a implantação desse tipo de produção no Brasil, Sundfeld acredita na associação entre a Embrapa e empresas produtoras de leite. ;Não existe nada parecido no mercado nacional. Seria interessante uma associação entre Embrapa e empresas para começar a fazer um produto desses, já que a aceitação é alta;, defende o pesquisador.

Atualmente, o produto é encontrado em países da Europa, como Espanha e França. Já existe até achocolatado na China seguindo a mesma tendência: baixo percentual de gordura e altos índices de ácidos graxos.

Bruno Lucchi alerta que as indústrias brasileiras pagam o leite que adquirem baseados na qualidade ; e ela está relacionada ao volume, ao teor de proteínas e de gordura e à higiene. E o ácido linoleico diminui a quantidade de gordura do leite, o que significaria uma perda de qualidade e, portanto, menor preço. ;Mas nada impede que uma empresa tente pagar o produtor pela concentração de ácido linoleico e vacênico. Com certeza, essa mudança estimularia a produção do leite no Brasil;, conta Lucchi.

A produção poderia ser melhorada com a introdução do óleo ou da farinha de peixe, que resulta em um alto índice de ácido linoleico, dizem especialistas. Uma norma do Ministério da Agricultura impede, porém, o uso desse tipo de produtos, já que tanto o óleo quanto a farinha de peixes no alimento estão relacionados à doença da vaca louca.


"Não existe nada parecido no mercado nacional. Seria interessante uma associação entre Embrapa e empresas para começar a fazer um produto desses, já que a aceitação é alta;
Marco Antônio Sundfeld, pesquisador da Embrapa

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