;E o homem manipulou o átomo em movimento, isolou-o e fez sua imagem.; Se houvesse uma Bíblia da física, provavelmente ela começaria assim. A façanha de fotografar um único átomo, de autoria do neozelandês Mikkel F. Andersen, é considerada um grande avanço científico, capaz de produzir inventos ainda inimagináveis. Professor do Departamento de Física da Universidade de Otago, sediada em Dunedin (sul da Nova Zelândia), Andersen contou ao Correio ter utilizado uma técnica chamada resfriamento a laser para desacelerar os átomos de rubídio-85(1), que se moviam à velocidade do som. ;Criamos uma nuvem de cerca de 100 mil átomos bastante frios. Então, direcionamos outro tipo de laser ; denominado de feixe de pinças óticas ; para dentro dessa nuvem e desativamos o resfriamento;, explica, por e-mail. ;A maior parte dos átomos ;derramou;, mas cerca de 50 foram seguros pelas pinças em frente ao microscópio.; A dificuldade da experiência está no fato de os átomos serem tão minúsculos que seriam necessários 10 bilhões deles, dispostos lado a lado, para perfazerem um metro de comprimento.
Após a ;seleção natural; dos átomos, Andersen e seus colegas direcionaram outro feixe de laser com propriedades especiais e perceberam que os átomos se repeliram. ;Eles se empurraram para fora do feixe de pinças e deixaram somente um átomo no feixe. Então, nós o fotografamos, com a ajuda do microscópio;, relata o autor da pesquisa. De acordo com Andersen, em trabalhos anteriores os físicos não foram capazes de produzir um único átomo. ;Era preciso esperar que esse átomo aparecesse, de forma aleatória;, lembra. O pioneiro da nova técnica acredita que o experimento marca um grande passo na marcha da ciência rumo ao controle dos átomos por meio do microscópio. ;Trata-se de uma meta antiga da ciência. Além disso, mostramos que podemos estudar diretamente os processos microscópios que só eram conhecidos na teoria;, comemora.
Benefícios
A captura do átomo de rubídio-85 foi resultado de três anos de estudos financiados pela Foundation for Research, Science and Technology. Em tese, as bases da experiência poderão ser empregadas na construção de computadores ultrarrápidos de lógica quântica, que aproveitarão a potência dos átomos para realizarem tarefas complexas de processamento de dados. Essas máquinas exigem um conjunto de 30 átomos. ;Creio que as aplicações de nossa técnica provavelmente vão trazer coisas que ninguém imaginava;, afirma Andersen.
No entanto, ele prevê que qualquer benefício à vida humana só será sentido no prazo mínimo de 10 anos. Segundo o físico de Otago, há um século os cientistas sonham em ver o mundo quântico e desenvolver tecnologia em escala atômica. ;O que fizemos move a fronteira do que os cientistas podem fazer e nos dá controle dos menores blocos de construção do mundo;, atesta.
Andersen lembra que quando os átomos foram desacelerados, eles se assemelharam a uma bola brilhante. Mas a surpresa veio mesmo quando ele e os colegas Tzahi Grünzweig, Andrew Hilliard e Matt McGovern observam a primeira imagem de um único átomo feita pelo microscópio. ;Aconteceu mais rápido do que nós quatro imaginávamos e, por um momento, nos recusamos a acreditar que fosse verdade;, relata Andersen. Os resultados da pesquisa foram publicados pela revista científica Nature Physics. As próximas etapas do estudo incluem a tentativa de gerar um ;estado de emaranhamento; entre os átomos, um tipo de ;romance; capaz de durar, mesmo com as partículas distantes uma da outra. ;Precisamos criar comunicação entre os átomos, por meio da qual eles possam se sentir, mesmo à distância. Isso é a propriedade que um computador quântico usa para realizar tarefas simultâneas;, conclui Andersen.
1 - Dificuldade técnica
Ao contrário dos íons, átomos neutros como o rubídio-85 são muito difíceis de serem identificados, porque não podem ser mantidos apenas pelos campos elétricos. Recentemente, somente dois outros tipos de átomos neutros foram vistos e fotografados pelos cientistas: o rubídio-87 e o césio-133.
FRASE
"Eu aprendi na escola primária que é impossível ver um único átomo por meio de um microscópio. Bem, meu professor estava errado;
Mikkel F. Andersen, físico da Universidade de Otago
Confira íntegra da entrevista, por e-mail, com o físico Mikkel F. Andersen:
Como o senhor e sua equipe isolaram, capturaram e fotografaram o átomo em rápido movimento?
Em primeiro lugar, usamos uma técnica chamada resfriamento a laser para desacelerar os átomos. Isso provocou uma nuvem de cerca de 100 mil átomos bastante frios. Então, direcionamos outro feixe de laser -- que denominamos feixe de pinças óticas -- para dentro da nuvem de átomos e desligamos o resfriamento a laser. A maior parte dos átomos derramou, mas cerca de 50 foram seguros pelo feixe de pinças em frente ao microscópio. Então, nós direcionamos outro feixe de laser com propriedades especiais até esses 50 átomos. Isso provoca a repulsão entre eles -- eles se empurram para fora do feixe de pinças e deixaram apenas um átomo no feixe. Então fotogramos o átomo por meio do microscópio. Não é a primeira vez que isso ocorre. No entanto, trabalhos anteriores não foram capazes de produzir exatamente um átomo. Os pesquisadores tinham de esperar o átomo aparecer, de forma aleatória.
Qual é a importância desse avanço para a física?
Nosso experimento marca outro grande passo na marcha da ciência rumo ao controle dos átomos pelo microscópio. Trata-se de uma meta antiga da ciência. Além disso, mostramos que podemos agora estudar diretamente os processos microscópios que eram conhecidos apenas pela teoria.
Quando o senhor desacelerou o grupo de átomos, o que viu e o que aconteceu então?
Quando o grupo de átomos tornou-se lento, os átomos se assemelharam a uma bola brilhante no meio do experimento. O pico de nossa excitação foi quando vimos a primeira imagem de um único átomo feita por nosso microscópio. Aconteceu mais rápido do que imaginávamos e, por um momento, nos recusamos a acreditar que fosse verdade.
Qual será o impacto dessa pesquisa na vida dos seres humanos?
É uma questão difícil de se responder. Creio que as aplicações de nosso estudo provavelmente vão trazer coisas que ninguém pensava. É seguro dizer que qualquer aplicação que influenciará a vida humana só o fará mais de 10 anos depois.