postado em 12/10/2010 08:00

Parte das pesquisas realizadas no Brasil dá noção do que está para ser descoberto e desenvolvido em um futuro próximo. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), estudos com a alga marinha Sargassum vulgare sinalizam que uma substância presente nessa espécie reduz os efeitos negativos da quimioterapia sobre o corpo humano. O grupo da UFC também isolou moléculas de um tipo de ascídia endêmica do litoral nordestino que apresentam ação anticâncer. Na Universidade de São Paulo (USP), o foco se volta para as macroalgas com alta capacidade de absorver radiação ultravioleta (UV).
A pesquisadora da Universidade Federal do Ceará Letícia Veras fala sobre o potencial anticâncer de algas e animais marinhos do Nordeste

Em camundongos, os testes surpreenderam. Nesses animais, houve redução dos tumores tratados por via oral em 80%. O mais impressionante é que os efeitos colaterais da leucopenia ; depressão das defesas do organismo ; foram minimizados durante a terapia. ;Agora, estudamos o mecanismo de ação do alginato sobre o sistema imunológico. Temos um longo caminho pela frente, mas já vamos partir para análises de toxidade, um passo essencial para o desenvolvimento de qualquer medicamento;, completa.
Na UFC, também está em curso um estudo com o Eodistoma vannamei, uma ascídia endêmica do litoral nordestino. Trata-se de um animal marinho de aparência esponjosa, mas de complexidade muito maior que as esponjas oceânicas. As atividades anticâncer das ascídias são conhecidas no mundo científico, fato que despertou o interesse do grupo cearense para a avaliação dos tipos comuns no litoral do estado. Depois de um levantamento das espécies, foram escolhidas as mais abundantes para não impactar o bioma. A E. vannamei chamou atenção por apresentar compostos químicos ativos e muito potentes do grupo das estaurosporinas. Tais substâncias, mesmo em baixas concentrações, são capazes de exterminar as células tumorais.
;Testamos as estaurosporinas tanto em células cultivadas em laboratório quanto em camundongos. Os resultados também foram estimulantes;, adianta Letícia. O importante, ainda segundo a professora, é que essas estaurosporinas são produzidas por micro-organismos (bactérias) presentes na E. vannamei. ;Então, para viabilizar o estudo, isolamos e estamos fazendo o cultivo desses pequenos seres para continuar a pesquisa sem comprometer o meio marinho com uma exploração inadequada. Estamos ávidos para contribuir com novas terapias contra o câncer. Mas não chegaremos a lugar algum sem sustentabilidade;, alerta.
Cuidados necessários
Biólogos, químicos e farmacêticos não escondem o entusiasmo, mas são unânimes em reconhecer o enorme desafio de aproveitar os recursos sem que a biodiversidade se afogue na exploração descuidada. Embora seja evidente a vastidão e a riqueza do litoral brasileiro, o estudo do bioma está atrasado em relação a pesquisas desenvolvidas em nações da Ásia, Oceania, Europa e América do Norte. ;Por outro lado, ganhamos tempo para entender que é fundamental selecionar o que será pesquisado. De nada adianta nos debruçarmos em espécies que nem sequer existem em quantidade suficiente para as próprias pesquisas, quem dirá para suprir a demanda farmacêutica;, pondera o professor do Departamento de Biologia Marinha da Universidade Federal Fluminense Renato Crespo Pereira.
Na USP, a ideia do trabalho é buscar substâncias inéditas com atividade biológica favorável aos mais diversos campos. As algas podem ser usadas para usos medicinal, alimentício, biotecnológico, cosmético e bioenergético. ;Pesquisamos espécies encontradas ao longo de toda a costa brasileira. A partir de amostragens, fazemos uma varredura para identificar o potencial biológico, trabalhamos o cultivo em massa nos laboratório e posteriormente em fazendas marinhas. Não podemos colocar em risco a biota que pode nos fornecer respostas para muitos problemas;, explica Pio Colepicolo Neto, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP.
Por essa plataforma cuidadosa de exploração, o grupo paulista, que conta com a colaboração de centros de pesquisa de Santa Catarina e do Rio Grande do Norte, isolou moléculas de micosporinas (MAA). Essa substância apresenta espectro de absorção de UV muito próximo ao protetor solar mais eficiente disponível no mercado. ;Testes de toxidade já foram realizados em ensaios. Estamos diante do desafio de aumentar a produção natural de forma sustentável e sintetizar a MAA. É importante concretizar essa etapa para testar a substância clinicamente;, adianta Pio.