Eles já receberam os primeiros socorros. Além dos cuidados físicos, contudo, os 33 mineiros chilenos que ficaram 70 dias enterrados vivos na mina San José, a 700m de profundidade, podem precisar cuidar da mente. A incerteza da sobrevivência, o isolamento e a situação claustrofóbica na qual se encontravam não deixam dúvidas de que as cicatrizes dos trabalhadores não vão ficar apenas na pele. Porém pesquisas mostram que as intervenções psicológicas mais comuns aplicadas em situações pós-traumáticas não só podem ser inócuas como, em algumas vezes, trazem mais danos a sobreviventes de desastres.
Especialista no tema, o Ph.D. em psicologia George A. Bonanno, professor da Universidade de Columbia e autor de diversos trabalhos sobre estresse pós-traumático, acaba de escrever um artigo que será publicado em um jornal da Associação de Psicologia Científica, nos Estados Unidos. No texto, ele afirma que a abordagem habitual tem falhado tanto em curto quanto em longo prazo. A chamada psychological debriefing, intervenção sem tradução em português e citada no Brasil pela designação original, consiste em uma única sessão, realizada logo após o trauma, na qual se discute o evento que deu origem ao estresse e os meios de reparar os danos.
[FOTO2]De acordo com Bonanno, diversos estudos comprovaram que, além de ineficaz, a intervenção pode trazer mais problemas para as vítimas. Ele conta que, devido a essas pesquisas, logo após o tsunami que devastou, em dezembro de 2004, parte do sudeste asiático, a Organização Mundial de Saúde alertou, em seu website, que não recomendava a psychological debriefing para os sobreviventes da tragédia. A agência global sustentou que ;a intervenção costuma ser ineficaz, com evidências de que pode também ser contraprodutiva, ao retardar a recuperação natural;.
O especialista, que é chefe do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Columbia, diz que experiências também demonstraram que indivíduos com alto nível de estresse são, na verdade, mais predispostos a reagir desfavoravelmente a intervenções precoces do que aqueles que, embora tenham sofrido um trauma, não se mostram abalados. Para comprovar a afirmação, ele cita um estudo feito com sobreviventes de acidentes automobilísticos, publicado no Jornal Britânico de Psiquiatria. Os pacientes que receberam a sessão com menos de 24 horas de internação apresentaram um nível maior de estresse, mais dores e problemas físicos e, três anos depois, demonstraram mais medo de andar de carro, quando comparados aos motoristas que não receberam a terapia de imediato.
;De uma forma ideal, as intervenções deveriam considerar a força e a resistência naturais dos indivíduos;, disse Bonanno ao Correio. ;Se alguns dos mineiros quiserem falar com alguém para expressar seus sentimentos, então os profissionais de saúde mental devem estar lá para ouvi-los e dar suporte. Mas, para aqueles que preferem não falar muito sobre a experiência, é melhor deixá-los em paz e respeitar seus próprios mecanismos de aceitação;, concorda Scott O. Lilienfeld, psicólogo afiliado à Associação de Psicologia Científica americana, para quem não se pode forçar um paciente a se submeter a um tratamento.
Ao contrário do que se possa imaginar, nem todos os indivíduos que passaram por uma situação trágica vão desenvolver sintomas de estresse pós-traumático. Pesquisas mostram que apenas 30% ; incluindo as pessoas envolvidas nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 ; padecerão do mal, o que, de acordo com Bonanno, é uma boa justificativa para evitar a psychological debriefing como medida profilática. Ele observa que mesmo os sobreviventes que adquirem o estresse pós-traumático recuperam-se normalmente em poucos meses ou em menos de um ano.
Menor intrusão
O psicólogo, entretanto, não defende que as vítimas fiquem desassistidas. Para ele, uma boa abordagem é uma técnica chamada de primeiros socorros psicológicos. ;É um programa desenvolvido por especialistas em saúde mental pós-desastres, que é muito mais sensível e menos intrusiva. O foco da intervenção é dar assistência prática às vítimas, passando para elas as sensações de calma, segurança e esperança. Ao prestar os primeiros socorros psicológicos, os especialistas podem avaliar quais indivíduos podem precisar, no futuro, de uma assistência mais intensiva. O problema é que, embora promissora, a técnica ainda não foi avaliada por estudos, embora seja recomendada por instituições como a Cruz Vermelha, o Insituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos e a Rede Americana de Estresse Pós-traumático Infantil. Segundo Bonanno, essas instituições relatam casos bem-sucedidos, mas carecem de evidências científicas.
O psicólogo, contudo, reconhece a importância do tratamento para sobreviventes que exibem sinais de estresse pós-traumático. Ele defende que as intervenções são mais efetivas quando iniciadas um mês depois da tragédia e diz que podem levar muitos anos. ;Já foi provado que abordagens psicológicas estruturadas, como a terapia comportamental cognitiva, têm um efeito muito bom, após os 30 primeiros dias do episódio traumático;, diz. Em casos como o dos mineiros chilenos, que envolvem uma grande quantidade de vítimas, Bonanno afirma que a terapia comunitária pode ser ainda mais efetiva.
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O estresse pós-traumático acomete vítimas de situações reais, como sequestros, estupros, acidentes, guerras etc. Os sintomas variam muito, mas, em geral, envolvem insônia, irritabilidade, surtos de raiva, dificuldade de concentração, medo, apatia e depressão. Cerca de 30% de indivíduos que passaram por situações traumáticas desenvolvem algum ; ou vários ; dos sintomas.