De acordo com as pesquisadoras, o consumidor, ao se defrontar com problemas e benefícios associados à ingestão do leite, sente-se sem rumo e em geral não encontra orientação consensual entre os profissionais de saúde. Além disso, um número crescente de médicos e nutricionistas se coloca em uma posição ferrenha contra o consumo da bebida e, muitas vezes, acabam cortando-a da alimentação sem levar em consideração a condição do paciente ; se é ou não alérgico ou intolerante ao leite, por exemplo. ;É um erro ser radical dessa forma;, afirma Maria Teresa Bertoldo, Ph.D. em bioquímica.
De fato, existe um número grande de pessoas que têm alguma restrição ao leite e aos seus derivados. No Brasil, cerca de 25% da população tem intolerância à lactose. ;Mas, de uma maneira geral, para a população saudável, o leite só contribui com benefícios. Antes de retirar o produto da alimentação, o indivíduo deve ser avaliado para saber sua condição real;, enfatiza a cientista. Diante de algo tão polêmico, as pesquisadoras organizaram uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais das áreas de nutrição, biologia, medicina, engenharia de alimentos, química, bioquímica, zootecnia, farmácia e economia. Do trabalho, resultou o livro Leite para adultos: mitos e fatos frente à ciência. Segundo a nutricionista da Unicamp Adriane Elisabete, a equipe procurou argumentos favoráveis e contrários ao consumo de leite por adultos e os examinou com base em fundamentações científicas. ;Nosso objetivo é fazer com que a pessoa tenha argumentos para decidir se retira ou não o leite da sua dieta;, ressalta.
Por outro lado, Bertoldo acha que o livro pode ajudar os profissionais de saúde a esclarecer dúvidas sobre o tema. ;O livro é baseado em mais de 50 artigos científicos, escritos por pesquisadores considerados os melhores em sua área, e divulgados nas publicações mais importantes do meio. Com isso, não há nenhum achismo no trabalho, está tudo comprovado;, esclarece a bioquímica.
Conclusões
Entre os mitos analisados no livro, e que para muitos se transformaram em uma verdade absoluta, está a afirmação de que o homem não necessita do leite na sua dieta. Maria Teresa Bertoldi lembra que a grande fonte de cálcio é justamente o leite e seus derivados. Três copos, do tipo americano, de leite diariamente são suficientes para atender cerca de 75% das recomendações nutricionais do organismo. Segundo a pesquisadora, a absorção do cálcio conduzida pelo leite é maior do que a obtida com qualquer outro alimento, principalmente na comparação com proteínas de origem vegetal. ;Mesmo que se enriqueça, por exemplo, o leite de soja com cálcio, sua absorção não é igual à do leite de origem animal.;
Isso explica também a necessidade de a mulher beber leite de origem animal enquanto amamenta. Sem repor o cálcio oferecido ao bebê por meio do leite materno, o organismo feminino acaba retirando a substância do próprio corpo. ;A falta do mineral pode ocasionar e agravar problemas como a osteoporose, a osteopenia e a osteomalase. Além disso, 45% das lactantes intolerantes à lactose perdem a sua intolerância durante o período de gravidez e de lactação;, esclarece Maria Teresa.
Por outro lado, os vegetais também têm um teor alto de cálcio. A biodisponibilidade dele nas folhas, porém, é pequena, se comparada à do leite. Além disso, existem alguns fatores antinutricionais que dificultam sua absorção, fazendo com que grande porcentagem de cálcio se perca nas fezes.
Outro mito muito comum é dizer que o homem é o único animal que continua bebendo leite na fase adulta. A nutricionista da Unicamp Adriane Elisabete rebate dizendo que os mamíferos adultos também ingerem o alimento ; desde que lhes seja ofertado. ;O desmame dos animais ocorre porque o leite precisa ser preservado para as novas crias;, explica a nutricionista.
Mutação genética
Beber leite após o período de lactação (amamentação) foi um hábito adquirido pela humanidade ao longo da história. O livro aponta que esse processo deve ter começado em uma época próxima ao início da domesticação e da criação de animais. O consumo da bebida ocasionou uma mutação genética nas populações, favorecendo o desenvolvimento da lactase, uma enzima essencial para digerir o leite. Prova de que essa adaptação é recente, em termos históricos, é o alto índice de intolerância à lactose (o açúcar do leite) nas populações. Segundo Adriana Elisabete, em partes da Africa, da Ásia e do Oriente Médio essa intolerância chega a 80%. Já no norte europeu, na Austrália e na Nova Zelândia esse percentual cai para 6%.
De acordo com as pesquisadoras, é fato que a maioria da população enfrenta dificuldade para digerir a lactase, mas é mito dizer que um adulto não possa digerir a substância. O alto índice de intolerância faz com que algumas pessoas tenham sintomas ao ingerir o leite, em níveis de gravidade que variam de acordo com cada organismo. ;Mas isso não quer dizer que o leite deva ser evitado. Há opções de produtos sem lactose no mercado, por exemplo;, diz Maria Teresa Bertoldo. ;As pessoas não podem esquecer de que o leite e seus derivados constituem importantes fontes de minerais, de vitaminas e de proteínas de alto valor biológico. O produto contém nutrientes capazes de modular funções fisiológicas específicas, o que o torna fonte de ingredientes funcionais promotores da imunomodulação ; estimulação do sistema imune;, informa a bioquímica.