Ciência e Saúde

Para curar coração e mente

Estudo realizado na Universidade de Washington mostra como cirurgias, especialmente as cardíacas, podem gerar depressão e o que fazer para enfrentá-la

postado em 30/10/2010 08:00
Irenilde Rodrigues da Mata, 58 anos, que sofreu depressão depois de uma cirurgia para colocação de uma ponte de safenaNenhum outro órgão do corpo humano carrega tanto simbolismo quanto o coração. Quando ele adoece e precisa de reparos, corpo e alma se ressentem. Pesquisas apontam que um em cada cinco pacientes que se submetem a procedimentos destinados a corrigir danos no coração sofre de depressão pós-cirúrgica, fato que pode desencadear complicações, prolongar o tempo de reabilitação física e emocional e até levar à morte. Um estudo realizado na Escola de Medicina da Universidade de Washington (EUA), porém, traz boas-novas. O trabalho sugere que as psicoterapias, em especial a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a gestão de suporte ao estresse, são ferramentas importantes para a recuperação dessas pessoas.

A pesquisa envolveu 123 pacientes com sintomas depressivos pós-cirurgia de revascularização do miocárdio, conhecida como ponte safena. O grupo de controle, composto de 40 indivíduos, foi tratado com os cuidados habituais destinados a esse tipo de situação, o que inclui administração de antidepressivos. A TCC foi proposta a um segundo grupo, com 41 indivíduos. O restante dos doentes recebeu amparo de psicólogos e assistentes sociais preparados a dar suporte ao estresse. Depois de três meses, 71% daqueles submetidos à terapia cognitivo-comportamental apresentaram remissão dos sintomas depressivos. Entre os que foram acompanhados apenas com atividades de gestão ao estresse, 57% conseguiram livrar-se das manifestações da doença. No grupo de controle, apenas 33% dos depressivos superaram o transtorno.

Para o professor de psiquiatria Kenneth Freedland, um dos autores do estudo, o trabalho representa um passo importante para a definição de novos tratamentos. ;Embora a depressão pré-operatória seja um forte indício do distúrbio no pós-operatório, a medicina ainda não consegue prever quem apresentará tal quadro depois da cirurgia cardíaca. E enquanto não pudermos antever, é importantíssimo estarmos preparados com bons instrumentos para remediar;, considera. Segundo ele, poucos pacientes deprimidos depois de cirurgias cardiológicas atribuem o problema ao procedimento em si. A maioria acredita que as limitações impostas no período de recuperação, como a incapacidade temporária para o trabalho ou para o sustento da família, além do sentimento de culpa por ter adoecido, é que levam ao quadro depressivo.

Foi assim com a dona de casa Irenilde Rodrigues da Mata, 58 anos. Há cinco meses, ela foi submetida a uma cirurgia de ponte de safena. O procedimento foi bem-sucedido, mas uma sensação horrível de tristeza e desânimo a invadiu. ;O coração estava ótimo, mas uma inflamação na perna me fez duvidar de que sairia bem dessa. Eu, que sempre considerei depressão frescura, caí nas teias desse mal;, relata. Hoje, Irenilde atribui sua volta por cima à terapia psicológica e reconhece que a culpa por fumar boa parte da vida, a necessidade de largar o vício e a mudança na rotina decorrente da cirurgia foram responsáveis pelo momento de fragilidade emocional. ;Sempre trabalhei muito, era uma pessoa ativa, gostava de dançar, costurar e não parava quieta. De uma hora para outra, a vida ficou regrada. Tudo o que desejava fazer e comer era proibido. Ser ouvida por um profissional que entenda nossas angústias é fundamental. Os cardiologistas salvaram meu coração e o psicólogo salvou minha alma;, considera.

Freedland observa que os antidepressivos são utilizados com segurança em pacientes cardíacos, especialmente a sertralina. A droga é segura, porém, não se mostra eficaz em todos. A depressão provoca efeitos fisiológicos extremamente insalubres para os cardíacos. ;É importante que se entenda que a doença é comum em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas, mas não é normal. A TCC ajuda a identificar e a mudar os pensamentos deprimentes. O gerenciamento do estresse propõe técnicas que dão habilidade para lidar com os problemas;, diz.

Finitude
A diretora médica do Instituto de Cardiologia do DF, Núbia Welerson Vieira, explica que o coração está relacionado à vida e à morte de forma muito intensa e que todo procedimento cardíaco expõe o paciente a uma realidade que costumeiramente se nega: a finitude. Mesmo quando bem-sucedidas, as cirurgias remetem à reavaliação da existência. Durante a operação, o coração fica parado por algum tempo e a circulação sanguínea é realizada por uma máquina. ;Tudo isso faz com que o paciente se aproxime da morte. Quanto maior o risco da cirurgia, maior a chance de depressão pós-cirúrgica;, detalha.

O dano emocional traz falta de apetite, descuido com a higiene pessoal e indisposição para fisioterapia e atividades que garantem a saúde física e mental. Os sintomas depressivos pós-cirurgia cardíaca não são diferentes da depressão convencional. ;Mas cada caso é um caso e deve ser avaliado pela equipe médica, em conjunto com os psicólogos. Todo hospital deve contar com eles;, avalia a médica.

Para o psicólogo Iuri Luz, o terapeuta é um facilitador que constrói com o paciente os recursos necessários para enfrentar e vivenciar a experiência da cirurgia. ;Percebemos e compreendemos o ser humano em toda sua dimensão. Quanto mais confiança, autenticidade e verdade na relação com o paciente, maior a possibilidade de ele dividir seus medos, suas angústias e incertezas. Maior a chance de ele compreender o sentido que a doença traz para sua existência;, considera. Segundo Luz, técnicas de psicoterapia breve devem ser empregadas ainda no hospital. Em consultório, terapeuta e paciente desenvolvem uma relação de médio a longo prazo.

A costureira Vera Lúcia Rodrigues, 55 anos, também não resistiu à depressão depois de uma operação de ponte de safena. Ela conta que a tristeza e o desânimo a atingiram antes mesmo do procedimento. ;Chorava muito. Tinha medo da cirurgia, dos médicos, das enfermeiras. Depois da cirurgia, o transtorno se agravou. O terapeuta foi o único que conseguiu se aproximar de mim, entender o que eu sentia;, admite.

Ansiosa e impaciente confessa, Vera também ressentiu-se da falta de apoio da família. ;Ter companhia em momentos delicados, de grande fragilidade, é importante e eu me senti sozinha. Ainda conto com a ajuda do antidepressivo e da terapia, mas hoje me sinto bem melhor;, diz. A psicóloga hospitalar Clarisse Prado Machado Ribeiro lembra que quadros depressivos pós-cirúrgicos atingem também pacientes que passam por intervenções em outros órgãos. As cirurgias bariátricas, assim como as plásticas e as oncológicas, costumam mexer muito com o emocional.

;O corte e o processo operatório são ameaças à integridade física. O risco sempre existe e o paciente não está no domínio da situação. As cirurgias de redução do estômago e algumas intervenções plásticas implicam em mudança no estilo de vida e isso gera a instabilidade;, detalha. Clarisse cita a retirada do útero ou das mamas como exemplos de procedimentos geradores de depressão em mulheres. Por envolverem partes do corpo ligadas à feminilidade, muitas passam a não se reconhecer quando esses órgãos são retirados. ;É interessante e aconselhável que o paciente, principalmente os ansiosos e nervosos, façam uma avaliação pré-operatória com psicólogos. É possível fazer uma preparação para enfrentar o processo cirúrgico com mais tranquilidade;, explica.

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