Ciência e Saúde

Canadenses obtém plaquetas e glóbulos a partir de células da pele humana

Descoberta poderá beneficiar pacientes que sofrem de leucemia ou que necessitam de transfusões

Paloma Oliveto
postado em 09/11/2010 08:00

Descoberta promissora: no futuro, transfusões poderão ser feitas com sangue fabricado a partir da pele do próprio pacienteEm uma descoberta considerada revolucionária, uma equipe de pesquisadores do Canadá conseguiu criar células sanguíneas a partir de estruturas da pele humana, com muito mais rapidez e eficiência do que os métodos utilizados atualmente nos laboratórios de pesquisa. O resultado do estudo, publicado no domingo pela revista especializada Nature, traz esperança para pacientes de leucemia, que aguardam durante anos por um doador de medula óssea. A nova técnica também poderá beneficiar pessoas que sofrem de diversos outros tipos de doenças relacionadas ao sangue, como a anemia.

Produzidas pela medula óssea, todas as células sanguíneas têm origem em uma célula-tronco chamada hematopoiética pluripotencial, que, como o nome sugere, é capaz de se transformar em glóbulos vermelhos e brancos e em plaquetas. Nas pesquisas de laboratório, para conseguir que uma célula gere outra, os cientistas precisam fazer com que ela passe por um processo de diferenciação. Por exemplo, se quiserem transformar uma célula da pele em outra estrutura, os pesquisadores necessitam manipular essa célula até que ela volte a seu estágio embrionário para que, a partir daí, possa gerar outros tipos de célula. É um procedimento que leva tempo e nem sempre é bem-sucedido.

Integrante da equipe canadense analisa resultados: método mais rápido e eficiente que o tradicionalA grande vantagem do estudo canadense é que os cientistas conseguiram pular essa etapa. Em uma experiência inédita, foi possível transformar as células da pele em células sanguíneas diretamente. Além de ganhar tempo, os pesquisadores evitam o risco da criação de tumores, pois, muitas vezes, quando reprogramadas, as células pluripotentes acabam formando tecidos malignos.

Para criar as células sanguíneas progenitoras, a equipe do pesquisador Mickie Bhatia, da Universidade McMaster, em Hamilton, Canadá, coletou fribroblastos da pele de diversos voluntários. Os cientistas infectaram as células com um vírus que levou para dentro das estruturas o gene OCT4, um fator já conhecido por conseguir transformar os fibroblastos em células-tronco. As células, então, foram implantadas em ratos.

Ao contrário do que se poderia imaginar, as estruturas obtidas pela técnica não chegaram a ficar em estágio embrionário. Normalmente, um dos efeitos colaterais das pesquisas com células pluripotentes é a formação de tumores. Isso não ocorreu nos camundongos. Na realidade, o que aconteceu foi o desenvolvimento das três classes de células sanguíneas - brancas, vermelhas e plaquetas. Vários testes confirmaram que as estruturas funcionaram como deveriam, com a vantagem de que os glóbulos vermelhos obtidos pela técnica conseguiram produzir hemoglobina adulta, e não a forma fetal da substância.

"Nós estimamos que esse foi o mais encorajador resultado já visto utilizando células sanguíneas como terapia de reposição celular", disse Mickie Bhatia ao Correio. No futuro, essa terapia poderá beneficiar pessoas que precisam de sangue para se submeter a cirurgias, pacientes de câncer ou indivíduos com outras doenças relacionadas ao sistema sanguíneo, como a anemia. Se os ensaios clínicos forem bem-sucedidos, será possível produzir sangue para transfusão, a partir da própria pele do paciente.

Descoberta promissora: no futuro, transfusões poderão ser feitas com sangue fabricado a partir da pele do próprio paciente"A técnica poderá ser útil para qualquer pessoa com câncer", afirma Bhatia. "Infelizmente, um dos efeitos colaterais da quimioterapia é afetar o sistema sanguíneo, pois, para matar o tumor, o tratamento destrói as outras estruturas próximas. Nós esperamos que nossa tecnologia possa, a partir das células da pele do próprio paciente, fornecer novas células sanguíneas saudáveis", diz o cientista. Da mesma forma, no caso de quem sofre de leucemia, será possível produzir, com a pele, as células brancas que a medula óssea, nessa condição, é incapaz de fornecer, eliminando a necessidade de um transplante. Além disso, Bhatia acredita que a metodologia abrirá campo para novos estudos sobre a transformação de células da pele em qualquer outro tipo de célula, sem a necessidade de se passar por um estágio de diferenciação.

Em um comunicado distribuído à imprensa, o vice-presidente da Faculdade de Medicina da Universidade de McMaster, John Kelton, elogiou o trabalho do colega. "Durante meus 30 anos como um especialista em hematologia, meus colegas e eu tivemos o prazer de ajudar a cuidar de pacientes de câncer cujas vidas foram salvas por transplantes de medula óssea. Para todos os médicos, mas especialmente para os pacientes e seus familiares, a doença torna-se mais e mais frustrante quando não conseguimos encontrar um doador compatível. Agora, a descoberta do Dr. Bhatia vai nos permitir ajudar esse importante grupo de pacientes."

Especialização
Assim como as células-tronco, as progenitoras podem se diferenciar. Mas, ao contrário das primeiras, elas se encontram em um estágio mais especializado. Em termos de desenvolvimento, pode-se dizer que as células embrionárias vão da etapa pluripotente para a multipotente (origina células especializadas, mas em menor número) e, daí, para as progenitoras.

Ligação
Fibroblastos são as células que formam o tecido conjuntivo, cuja função é fazer a ligação entre órgãos e tecidos diversos. Ele também preenche espaços vazios e sustenta os tecidos. Existem vários tipos de tecidos conjuntivos, sendo que o sanguíneo, também chamado de reticular, produz as células do sangue e da linfa.

Palavra de especialista
RESULTADO FASCINANTE

;Quando li o artigo de Mick Bhatia, pensei: ;Nossa, que grande avanço ele conseguiu!’. Esse trabalho é tão fascinante quanto importante. Ele anuncia uma nova era ao descobrir uma tecnologia inovadora, que poderá ser útil no tratamento do câncer e de outros distúrbios do sangue, além de doenças que afetam o sistema imunológico. A equipe conseguiu criar células sanguíneas sem a necessidade dessas células passarem pelo processo de diferenciação para um novo tecido, tornando o processo muito mais rápido. Esse trabalho representa uma contribuição muito importante, se não seminal, para a ciência.;
Samuel Weiss, diretor do Hotchkiss Brain Institute

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