Ciência e Saúde

Durante e depois gravidez, pai também pode ter depressão

Homens passam por alterações que podem afetar a saúde física e emocional

postado em 12/11/2010 08:00 / atualizado em 29/09/2020 11:04

Homens passam por alterações que podem afetar a saúde física e emocionalO momento inspira renovação, envolvimento, carinho. A paternidade é vista por muitos como a possibilidade que se tem de driblar a finitude da vida, de fincar raízes, provar o gosto do amor incondicional. Mas nem tudo são flores, e os sentimentos relativos à mudança da condição de filho para pai são conflitantes. Muitos sentem euforia, ansiedade, ciúmes com a chegada do rebento. Outros relatam sintomas como enjoo, azia e até engordam durante a gestação da companheira. Às vezes, a situação foge do controle. Embora pouco falada e admitida no meio masculino, a depressão pós-parto (DPP) tem deixado alguns homens atordoados. Estudo conduzido pela Escola de Medicina da Universidade da Virgínia (EUA) e publicado pelo The Jornal of American Medical Association (Jama, sigla em inglês) revela que a doença afeta pelo menos 14% dos pais norte-americanos. Para James Paulson, autor da pesquisa que contou com 28 mil participantes, o problema parece ser mais comum entre o terceiro e sexto mês depois da chegada do bebê, período em que os sintomas depressivos são sentidos por 25% dos homens. Alguns especialistas em saúde masculina, no entanto, garantem que, embora identificado como depressão pós-parto, o mal entre eles pode chegar antes mesmo do nascimento da criança. Fatores mentais, psicossociais e até físicos estão mais envolvidos do que se imagina. O psicoterapeuta americano Will Courtenay, que trabalha há 20 anos com saúde mental masculina, explica que os homens sofrem muito com a perda afetiva da companheira. Segundo ele, à medida que a gestação avança, eles passam a considerar: ;Ganhei um filho, mas perdi a mulher;. Felizmente, a maioria dos homens consegue passar pelo período de adaptação à nova realidade sem maiores traumas. A psicanalista Vera Iaconelli pondera que, por ser um momento de muitas transformações, é natural que ocorram mudanças físicas e emocionais para eles também. ;Há uma necessidade de identificação com a parceira. Por isso, alguns engordam, sentem enjoos e azia. Eles querem tanto participar, se inserir no novo contexto, que acabam sentindo o mesmo que as companheiras;, explica. Segundo a especialista, já existem estudos que provam também que, quanto maior o envolvimento do homem na gestação, mais hormônios ele produz. ;Mas é importante ter parâmetros. Se os sintomas são demasiadamente intensos, passam a causar sofrimento e alterar negativamente a vida da pessoa, é hora de procurar ajuda;, acrescenta. Despreparo O ator Vinícius Ferreira, 34 anos, lembra bem a confusão emocional e a tristeza que sentiu quando o primeiro filho nasceu. Na época, ele acabara de completar duas décadas de vida e confessa que a paternidade trouxe questões que não estava preparado para enfrentar. ;Foi um susto. Eu era jovem demais, tinha uma banda de rock e muitas expectativas em relação à carreira artística. Não pensava em ser pai e nem era casado com a mãe da criança;, lembra. A depressão, segundo Vinícius, afetou tanto o convívio com a parceira quanto o relacionamento com o filho nos primeiros anos depois do nascimento.

 

A psicanalista Vera Iaconelli fala sobre as causas e os sintomas da depressão pós-parto masculina

 

;Grávido; do segundo rebento, Vinícius conta que a história agora é diferente. Casado e de volta ao mundo artístico, ele se considera preparado para a paternidade; dessa vez, planejada e desejada. ;Estou vivenciando tão intensamente esse momento que engordei com a Juliana, que está no quinto mês de gestação. Passei a sentir enjoos a alimentos gordurosos e mal-estar em relação ao cheiro de determinadas comidas. Estou mais emotivo e aberto a essa experiência;, confessa. A psicanalista Vera Iaconelli afirma que os homens quase nunca reconhecem a depressão pós-parto. O problema é subdiagnosticado, o que posterga o tratamento e dificulta o relacionamento entre o pai, a criança e a companheira. ;A mulher passa por transformações físicas que a preparam para a maternidade. Para eles, a ficha cai de uma hora para outra. O medo de não se adaptar à nova realidade vem repentinamente, e os homens têm mais dificuldade em identificar os sentimentos;, pondera. Para James Paulson, mesmo quando aceitam o fato de estar deprimidos, não é fácil para os homens assumirem a rejeição à criança que acabou de nascer. Eles se sentem terrivelmente culpados por esse sentimento, e poucos entendem que a ligação com os bebês é mais rápida e natural para as mães. O tratamento da DPP masculina deve aliar terapias psicológicas e medicamentosas. Uma complementa a outra. O prognóstico é bom, e o problema pode ser superado. É importante que o pai participe do pré-natal e compartilhe as responsabilidades de cuidar do bebê. Dessa forma, ele se sente incluído no processo, e não rejeitado, como muitos relatam. ;Ainda temos muito a aprender sobre a melhor forma de tratar esta condição, mas as intervenções que englobam o casal ou a família inteira são muito promissoras;, conclui James. A adaptação à nova realidade e às mudanças psicológicas também pode vir em forma de ansiedade e ser logo superada. Às vezes, com a superação, vem também uma reformulação pessoal positiva. O advogado Guilherme Moreira de Araújo, 33 anos, confessa que os momentos que antecederam o parto da companheira foram angustiantes e preocupantes, e que a paternidade foi sentida somente na hora em que ele foi registrar o filho. ;Fui tomado por um sentimento inexplicável que me emociona ainda. Daquele momento em diante, me reinventei. Hoje, sou muito mais calmo, reflexivo. Conheci o amor incondicional e estou bem mais sensível às questões humanas. Não tive um pai coerente, que sonhasse comigo. Eu o respeito, mas quero dar ao meu filho tudo o que senti falta a vida inteira;, diz. PALAVRA DE ESPECIALISTA A paternidade deixa o cérebro mais afiado O cérebro da mãe é um modelo espetacular do fenômeno de neuroplasticidade, que é a capacidade do órgão em criar novas conexões em resposta a um estímulo. Em camundongos fêmeas, temos evidências de que a maternidade provoca aumento do volume dos neurônios e mais conexões em algumas regiões cerebrais. Recentemente, tem sido demonstrado também o fenômeno de geração de novos neurônios. Essas mamães passam a apresentar melhor desempenho em orientação espacial e memória, ficam mais corajosas e rápidas para capturar a presa e com menos sinais de ansiedade em situações de estresse. Tudo em prol de uma maior capacidade de alimentar as crias. Mas, e com os pais? As pesquisas são menos abundantes do que com as mães. Ainda assim, revelam que tanto primatas como roedores apresentam mudanças cerebrais com a paternidade: aumento de conexões, melhor habilidade espacial e menos sinais de ansiedade. Além disso, estudos em humanos mostram o que já sabíamos acontecer com os animais: tanto pais como mães têm aumento da secreção do hormônio ocitocina nas primeiras semanas e meses de um bebê, especialmente quando estão em contato com o filho. Esse hormônio é um importante combustível para o que chamamos de instinto materno e paterno. Ricardo Teixeira, doutor em neurologia e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília. Ele escreve todas as segundas-feiras no

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