Cristiana Andrade
postado em 14/11/2010 08:00
Belo Horizonte ; Um ecossistema similar e biologicamente tão produtivo como o atual já estava estabelecido há cerca de 7 milhões de anos na Amazônia Ocidental. Além disso, a distribuição geográfica das espécies e dos solos amazônicos sofreram importantes influências a partir do soerguimento da porção setentrional da Cordilheira dos Andes. As descobertas são resultado da união de diversas linhas de pesquisas que estavam sendo conduzidas de modo independente por cientistas do Brasil ; nas universidades federais de Uberlândia e do Acre, e na Petrobras ;, e também da Venezuela, da Colômbia, da Holanda, dos Estados Unidos, do Reino Unido, do Panamá e da Suíça, com foco na diversidade antiga da região amazônica. Os artigos foram publicados pela revista epecializada Science. Carina Hoorn, do Instituto de Biodiversidade e Dinâmica de Ecossistemas da Universidade de Amsterdã (Holanda), foi quem uniu a equipe multidisciplinar formada por geólogos, biólogos, paleontólogos e até pesquisadores de sistemática molecular.Com área total estimada em 5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia ocupa, além da Região Norte do Brasil, parte significativa do Peru, da Bolívia, do Equador, da Colômbia, da Venezuela, da Guiana, da Guiana Francesa e do Suriname. Os trabalhos científicos se davam em diversas frentes: desde o estudo de pólens, répteis e mamíferos fósseis, a peixes, sedimentos e biologia molecular da fauna e flora.
Segundo o doutor em zoologia Douglas Riff, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, e que integrou o grupo de 18 cientistas, as diversas linhas de pesquisas foram sintetizadas para que fosse possível verificar o que ocorreu no passado, de forma que os pesquisadores tentassem entender também a diversidade atual. ;Foi possível perceber que o ecossistema de 7 milhões de anos atrás é muito parecido com o que temos hoje e tão produtivo quanto. Foi também nessa época que o atual sistema de drenagens, que tem como principal componente o Rio Amazonas, foi estabelecido e que influenciou a biodiversidade amazônica;, diz.
Biotas
A ideia era construir, com o cruzamento dos estudos já realizados, uma hipótese que esclarecesse como se originaram os ecossistemas amazônicos e se havia algum evento que pudesse ser considerado chave e que direcionasse as mudanças nas paisagens amazônicas ao longo do tempo. ;Queríamos entender também quais fatores tinham direcionado a distribuição das biotas amazônicas. É importante ressaltar que a maioria dos modelos ainda vigentes está baseada na hipótese proposta em 1969 conhecida como Teoria dos Refúgios que, de modo resumido, implica idades relativamente jovens para as biotas amazônicas, pois estabelece que a floresta e suas espécies atuais se formaram depois da última grande glaciação, ou ;Era do Gelo;, há cerca de 11 mil anos; explica Riff.
No entanto, o registro fóssil anterior a esse período já mostrava uma diversidade tão ou, em alguns casos, ainda maior que a atual. Segundo o zoólogo Francisco Ricardo Negri, professor da Universidade Federal do Acre (UFC) no câmpus Cruzeiro do Sul, 600km distante de Rio Branco, parte do trabalho desenvolvido há 30 anos pela Ufac na área de paleontologia foi usada no estudo divulgado pela Science. Segundo ele, o acervo contém registros fossilíferos de tubarões e arraias, animais de ambientes marinhos, que teriam vivido no extremo Norte do Acre há 70 milhões de anos, no Cretáceo Superior.
;A fauna era riquíssima, e alguns peixes do Mioceno Superior (entre 10 milhões e 5 milhões de anos), ainda são registrados na atualidade. Dessa época, da Era Cenozoica, temos hoje três gêneros de jacarés que ocorriam no passado, da família Alligatoridae: Caiman, Melanosuchus e Paleosuchus. Isso é possível explicar, pois a Amazônia está em ambiente continental e sofreu influência de drenagens dos oceano Pacífico, do Caribe e até do Atlântico;, explica Negri.
Com a elevação das placas tectônicas e o surgimento da cordilheira, as águas foram bloqueadas, houve surgimento de grandes áreas alagadas, como pântanos, que conseguiam comportar muitos espécimes de répteis, como tartarugas e jacarés, e também peixes. Com o soerguimento dos Andes, há cerca de 20 milhões de anos, o clima e a temperatura de toda essa região foram sendo modificados, assim como o sistema de ventos. ;Isso tudo teve forte influência no desenvolvimento de novos ambientes, e também das espécies. O boto-rosa (Inia geoffrensis) e muitas arraias de origem marinha acabaram se adaptando e hoje são animais de água doce, que vivem em vários rios do Acre;, diz o zoólogo.
Sedimentos andinos
Com a consolidação dos estudos, segundo o professor da Federal de Uberlândia Douglas Riff, foi possível revelar que os sedimentos acumulados na chamada Bacia da Foz do Amazonas, que é submarina, começaram a chegar ali a partir de 11 milhões de anos atrás, mostrando então o nascimento de um sistema fluvial transcontinetal que trazia sedimentos desde sua nascente (os Andes) até sua foz (o Atlântico). ;Esses sedimentos, bem como pólens fósseis neles contidos, foram extraídos por sondagens realizadas pela Petrobras e analisados pelo colega Jorge Figueiredo, coautor do estudo;, diz.
;Conseguimos perceber que os Andes contribuem também com uma grande carga de sedimentos resultante de sua erosão, e que vão formar os solos da região ocidental da Amazônia. Para ilustrar quão grande é a carga de sedimentos de origem andina, basta lembrar que os rios da margem direita do Amazonas são barrentos e ricos em carga de sedimentos, enquanto os da margem esquerda, que correm em grande parte por terrenos mais antigos, de rocha ;dura; (da Amazônia Oriental), têm águas limpas. O encontro dos rios Negro (que vem da parte Oriental) e Solimões (cheio de sedimentos andinos) representa o encontro de duas histórias geológicas diferentes;, acrescenta Riff.
Uma das consequências climáticas desse passado distante e que teve grande influência na biota amazônica é a chamada chuva orográfica, que só ocorre nessa região em função dos Andes. ;Foi ela quem permitiu que a floresta se mantivesse, mesmo durante as chamadas glaciações, pois a condição de umidade, mesmo que mínima, era fundamental para a floresta;, acrescenta o professor Douglas. Ele diz que, no entanto, o mesmo não ocorreu na África, onde houve grande diminuição da precipitação em função do resfriamento global ocorrente após o fim do Mioceno, causando uma grande retração das florestas úmidas. ;Os Andes evitaram que o mesmo ocorresse na América do Sul. Em compensação, na África, a chamada ;megafauna;, de grandes mamíferos ocupantes de áreas abertas, prosperou e se manteve, enquanto a nossa megafauna (mastodontes, preguiças-gigantes) não se manteve depois da plena expansão das florestas sobre as áreas alagadiças e abertas;, diz o professor da UFU
Para Francisco Negri, do Acre, as observações feitas pelos estudiosos nos vários países onde há porções amazônicas são a maior riqueza desse trabalho. ;Além disso, considero os estudos muito ousados, por tentarem entender a ligação do cenário atual com o passado.;