Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Exercícios durante o tratamento de leucemia podem amenizar os desconfortos

Segundo especialistas, não há efeitos colaterais

A prática de exercício físico pode ser uma forte aliada no tratamento da leucemia. Conhecida também como câncer de sangue, a doença debilita os pacientes e, muitas vezes, diminui a qualidade de vida. Para amenizar esse desconforto, a pediatra Beatriz Perondi e o educador físico Bruno Gualano, ambos do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), pesquisaram os efeitos da atividade física em pacientes de 6 a 18 anos e constataram a melhora da coordenação motora, da capacidade respiratória e o aumento da força muscular. A atividade interferiu também nos efeitos psicológicos. Após a prática, os pesquisados apresentaram menor cansaço, além de menos depressão e irritabilidade.

O estudo analisou, a partir de testes na esteira e do programa de musculação intensa, a capacidade aeróbia e de força dos pacientes com leucemia, em fase de manutenção da doença há mais de seis meses. Esse período é considerado o mais crítico. Os participantes, que praticaram atividade física duas vezes por semana, durante três meses, apresentaram aumento substancial de força: cerca de 50%.;Obervamos melhora na qualidade de vida deles, sem qualquer evidência de efeitos adversos;, declara a pediatra. A médica ressalta ainda que a prática de exercício é recomendada ao longo dos dois anos de tratamento, período estimado de cura da doença.

Beatriz afirma que, durante o tratamento, é muito comum os médicos proibirem o exercício físico, simplesmente por acreditarem que o repouso é melhor, sem qualquer evidência científica que suporte a tese. Segundo a médica, essa atitude é um erro. ;Se o exercício físico é bom para a saúde em inúmeras situações, para esse tipo de paciente pode ser também;, acredita. Já os familiares, com medo de agravar a doença, não permitem que os pacientes façam atividade para não se cansarem.

É o caso de Bruno Bezerra, 14 anos. Ele teve leucemia aos 2, e a família o impossibilitava de brincar com outras crianças e de ter contato com pessoas que não fossem os parentes e a equipe médica. A avó dele Maria Bezerra recorda que o menino ficava apenas em casa e que reclamava muito, por não poder sair. ;A gente falava que era para o bem dele, mas ele, às vezes, não entendia;, diz.

Maria conta que, no intervalo do tratamento, quando Bruno apresentou melhoras, ela permitiu que o menino tivesse contato com pessoas diferentes. No entanto, o garoto contraiu catapora. ;Ele estava tão debilitado que a doença foi forte, o deixando com sequelas;, afirma. Atualmente, há seis anos sem a doença, Bruno ficou deficiência no ombro, nas mãos e nos pés. ;Mas ele leva uma vida normal. Brinca, joga bola com os colegas;, diz Maria. Entretanto, a avó afirma que se a leucemia voltasse, não permitiria novamente o contato externo, para evitar o aparecimento de outros males.

Baixa imunidade
Especialistas ouvidos pelo Correio explicam que os pacientes ficam mais suscetíveis a doenças devido à queda na imunidade, o que não está relacionado à prática de exercícios físicos. De acordo com o onco-hematologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope), Claudio Galvão, a maioria das crianças desenvolvem leucemias agudas e, durante a maior parte do tratamento, a imunidade está comprometida em maior ou menor grau. ;Em determinados momentos, é necessário transfusão de sangue ou de plaquetas;, explica. Por isso é que podem contrair doenças com mais facilidade do que as pessoas saudáveis.

A oncologista pediátrica Isis Magalhães, do Centro de Oncologia e Hematologia (Cettro), orienta que o paciente tenha uma alimentação saudável, procure frequentar ambientes abertos e evite contatos com indivíduos doentes, principalmente enfermidades infeciosas, como a catapora e as gripes. ;A ocorrência de catapora ou varicela em crianças imunossuprimidas pode se manifestar de forma gravíssima, com comprometimento pulmonar e de outros órgãos internos;, atesta.

O educador físico Bruno Gualano, que participou do estudo da USP, conta que o exercício pode ser iniciado assim que for feito o diagnóstico da doença, justamente para que a criança possa suportar melhor a quimioterapia. ;A ressalva é que a atividade deve ser feita por prescrição do médico e do educador físico que tenham conhecimento e experiência, para saber a dosagem ideal do exercício;, ensina. Bruno diz que os programas que englobam força, flexibilidade e exercícios aeróbios são recomendados para todas as idades. ;As contraindicações são as mesmas para todas as pessoas, como febre, citopenia (baixa em alguma série hematológica), doença cardíaca não controlada e nefrite grave;, alerta.

Recomendável
O incentivo à atividade física regular em ambiente adequado, sob orientação e respeitando os limites e a disposição da criança é altamente recomendável e certamente poderá contribuir para melhorar a qualidade de vida, dizem os especialistas. ;Fazer com que os pacientes saiam do leito e caminhem será sempre benéfico. Porém, na fase da quimioterapia de manutenção, os pacientes estarão mais apropriados a um programa regular, como o proposto pela pesquisa;, acredita a pediatra Isis Magalhães.

A atividade física, explica o presidente da Sobope, pode ser praticada durante o tratamento, mas um profissional deve considerar o tipo de leucemia, a fase do tratamento e a idade do paciente. ;O ideal é que a pessoa sempre pergunte ao médico quais são as limitações, pois isso pode variar no decorrer do tratamento;, diz. O médico explica que devem ser evitados os esportes de contato ou com alto risco de lesão, como o futebol, particularmente em relação aos pacientes com contagens baixas de plaquetas. ;As plaquetas são responsáveis pela coagulação e podem estar baixas em determinadas fases do tratamento;, afirma. Outra ressalva é para a natação, pela facilidade em se adquirir infecções, por conta da queda da imunidade.

Claudio Galvão ressalta, ainda, que a prática de atividade física é recomendada a qualquer criança, e que os serviços de oncologia pediátrica oferecem terapeutas ocupacionais e recreacionistas, muitos com formação em educação física. ;Dependendo da atividade, é verificado se a criança está com a imunidade e a contagem de plaquetas adequadas;, diz.



Confira a íntegra da entrevista com Isis Magalhães oncologista pediátrica do Centro de Oncologia e Hematologia (Cettro):

Pacientes leucêmicos, sobretudo crianças, podem praticar atividade física durante o tratamento?

No inicio do tratamento, logo após o diagnóstico, as crianças apresentam dores ósseas ou articulares e palidez progressiva, o que leva à um estado de hipoatividade. Algumas até param de andar. Na admissão, grande percentagem deles tem musculatura hipotrófica e sem força. Pela anemia, a menor oxigenação dos tecidos faz com que eles se cansem mais facilmente. A primeira fase do tratamento de quimioterapia intensiva (fase Indutoria), visa induzir remissão, isto é, destruir as células leucêmicas na medula , até que seja possível ;brotar ; células normais da própria criança. Esta é uma fase muito delicada, onde o risco de infecções graves e sangramentos incontroláveis podem acontecer. Uma estrutura pesada de médicos especialistas, de antibióticos de largo espectro e de hemoderivados, devem ser cuidadosamente disponibilizadas para apoiar o tratamento quimioterápico. Os efeitos colaterais da quimioterapia como náuseas, vômitos, neuropatia periférica, mucosites e perda de paladar alteram o humor e a disposição da criança. Ainda temos que considerar o imenso fardo emocional que o diagnóstico, as rotinas de coletas de exames, internações, transfusões, infusão de quimioterapia por via endovenosa, trazem sentimentos de medo, ansiedade e perda da liberdade. A vida familiar muda, os sonhos e programações são adiados. Estimular o lúdico e as atividades físicas é altamente positivo para crianças nessa fase. Com orientação e cuidados, para que seja respeitados seus limites, a atividade os ajudarão a minimizar os períodos de ansiedade, irritabilidade, além de possibilitar interação com outras crianças, num programa de atividade incentivada.

A partir de que idade e de que fase do tratamento a criança pode praticar atividade física?

Respeitando os limites, incentivar que saiam do leito e caminhem, façam atividades físicas será sempre um benéfico. Porém, na fase da quimioterapia de manutenção, as crianças estarão mais apropriadas a um programa regular, como o proposto na pesquisa ora concluída. Nesta, um grupo de crianças adolescentes entre 6 e 8 anos, em tratamento de leucemia, foram submetidos à atividade fisica de musculação 2 vezes por semana, durante três meses, e se observou melhora da força muscular e qualidade de vida das crianças.

Como fica o organismo dos pacientes/crianças leucêmicos durante o tratamento?

Na fase inicial, as crianças apresentam-se hipoativas, anêmicas, às vezes já com processos infeciosos instalados, algumas em estado grave, outras com estado geral comprometido. Os mecanismos de defesa próprios do organismo contra infecções estão interrompidos e o riscos de infecções oportunistas é muito grande. Assim, também há o risco de hemorragia, que deve ser regularmente monitorado. Nestas fases, deve-se evitar situações de risco para traumas e quedas.

Durante o tratamento, existe alguma contra-indicação?

Procuramos orientar alimentação saudável, com alimentos de preparo adequado e sempre cozidos. Preferência por ambientes abertos, evitar contatos com indivíduos com doenças infeciosas, como a catapora e gripes. Por exemplo, a catapora ou varicela, infecção comum na infância, na criança em tratamento para leucemia, que está imunossuprimida com seu sistema de defesa comprometido, pode vir a se manifestar de maneira gravíssima. A doença pode ter comprometimento pulmonar e de outros órgãos internos. O incentivo à atividade física regular em ambiente adequado, sob orientação e respeitando os limites e disposição da criança, é altamente recomendável, e certamente poderá contribuir para melhorar a qualidade de vida.