Paloma Oliveto
postado em 17/11/2010 08:20
[FOTO1]Um mês depois de os Estados Unidos iniciarem o primeiro tratamento clínico com células-tronco embrionárias, pesquisadores britânicos anunciaram a realização de uma terapia inédita com estruturas derivadas de fetos abortados. De acordo com a companhia privada ReNeuron, um homem recebeu células-tronco neurais injetadas no cérebro, na tentativa de reverter danos provocados há 18 meses por um derrame cerebral. A técnica pioneira recebeu elogios cautelosos da comunidade científica e críticas por parte de ativistas, para quem o uso de fetos humanos em pesquisa é antiético.A empresa, primeira do Reino Unido a receber autorização legal para fazer estudos com células-tronco, obteve, em janeiro deste ano, a licença para manipular fetos de 12 semanas de gestação, com córtex cerebral já formado. Desse tecido, os pesquisadores retiraram células neurais, posteriormente cultivadas no laboratório.
Segundo a companhia, apenas um feto pode gerar estruturas suficientes para tratar centenas de milhares de pacientes e recuperar a qualidade de vida de pessoas que, devido a derrames, ficaram com suas funções motoras e neurológicas comprometidas. Em um comunicado à imprensa, a ReNeuron defendeu o estudo, afirmando que ;antiético é não tratar pessoas que estão sofrendo;.
O homem que recebeu a injeção de células-tronco não teve a identidade revelada. Foi divulgado apenas que ele tem mais de 60 anos e há 18 meses tentava melhorias, sem sucesso, com os tratamentos convencionais. Ele recebeu o tratamento na Universidade de Glasgow, na Escócia, já teve alta e passa bem. De acordo com a assessoria de imprensa da ReNeuron, mais 11 pessoas vão participar de testes clínicos. Para tanto, devem ter sofrido a isquemia cerebral entre seis meses e dois anos.
;A vantagem dessa pesquisa é que haverá mais parâmetros para dizer se a melhora do paciente é devido às células-tronco;, diz a geneticista Mayana Zatz, uma das primeiras pesquisadoras brasileiras a estudar as estruturas embrionárias. Segundo Mayana, quando se fazem estudos com pessoas recém-lesionadas, não se sabe o quanto elas se recuperaram espontaneamente ou se foi graças às células-tronco, já que o organismo tem uma capacidade enorme de autorregeneração. Já no experimento britânico, como o derrame ocorreu há mais de um ano, caso o paciente melhore, será possível comprovar os benefícios da terapia específica. A geneticista, porém, alerta que é muito cedo para comemorar. ;Vamos ter de acompanhar para ver se terá algum efeito. Injetar células-tronco, qualquer um injeta;, lembra.
Cautela
Darren Griffin, professor de genética da Universidade de Kent, na Inglaterra, concorda com a cientista brasileira. ;Deve-se ter cuidado para não criar expectativas milagrosas de cura para milhares de pacientes em um futuro próximo, já que o estudo requer testes mais extensivos para provar a eficácia e a segurança;, afirmou à agência de notícias Reuters. Nos experimentos pré-clínicos, feitos com ratos de laboratório, a terapia mostrou-se eficiente. Mas, apesar da cautela, Griffin reconhece a importância da pesquisa. ;As notícias representam um passo excitante com potencial, a longo prazo, para o tratamento de uma grande variedade de doenças.;
A cautela também faz parte do discurso do principal pesquisador do estudo, o médico Keith Muir, do Instituto de Neurociência e Psicologia, da Universidade de Glasgow. ;Neste teste, estamos procurando estabelecer a segurança e a viabilidade do implante cerebral de células-tronco, o que requer um acompanhamento cuidadoso pelos próximos dois anos dos pacientes que participarem do experimento. Esperamos que, no futuro, essa pesquisa leve a estudos mais amplos que determinem os efeitos das células-tronco nas deficiências resultantes do derrame;, afirmou Muir, em nota para a imprensa.
Mas, para o pesquisador, as expectativas são boas. ;Se o teste funcionar como funcionou com modelos animais, a terapia poderá permitir o crescimento de novas células nervosas ou regenerar as existentes, recuperando as funções de pacientes que, de outra maneira, não teriam como melhorar;, disse. ;Você pode tentar reorganizar o cérebro com a ajuda da fisioterapia, mas não causar o crescimento de novas células neurais.;
Protestos
O argumento não sensibiliza quem é contrário às pesquisas com embriões ou fetos. A organização não governamental inglesa Sociedade pelas Crianças Não Nascidas comparou a pesquisa ao canibalismo. ;É antiético matar um membro da raça humana para ajudar outro. Somos completamente opostos a esse estudo;, afirmou ao Correio um porta-voz da ONG. De acordo com a ReNeuron, os fetos usados na pesquisa foram doados.
A neozelandesa Josephine Quintavalle, que fundou uma organização em defesa da ética na reprodução humana, acredita que, mesmo que seja para o bem, pesquisas como as da ReNeuron não são bem-vindas. ;O mal nunca deve ser feito, ainda que o propósito seja bom. Não podemos sacrificar os mais frágeis membros da raça humana, não interessa o quão dramática seja a condição dos pacientes em questão. Também compartilho o sonho de buscar condições que flagelam o homem moderno, mas a realização desse sonho não pode depender de tirar a vida de outro ser humano;, defende.
Para Darren Griffin, é natural que algumas pessoas se posicionem contra às técnicas com embriões ou fetos. ;Compreendo que indivíduos sintam-se desconfortáveis a respeito do uso de células fetais. Mas é importante balancear esse desconforto com os benefícios potenciais para os pacientes, e o fato é que o uso de células fetais é perfeitamente legal e regulado no Reino Unido.; A geneticista Mayana Zatz prevê que a pesquisa vai suscitar mais debates a respeito da ética. ;Se fosse no Brasil, jamais seria aprovada;, acredita.
Lesões na medula
Em 11 de outubro, médicos americanos iniciaram o tratamento de um paciente com derivados de células-tronco embrionárias humanas. É a primeira vez que um paciente é tratado dessa maneira. O estudo clínico foi anunciado pela empresa de biotecnologia americana Geron Corporation, que obteve uma autorização da Agência Federal de Medicamentos dos Estados Unidos para testar as células-tronco em pessoas paralisadas devido a lesões recentes na medula espinhal.
Ações valorizadas
Não foi apenas a comunidade científica que se animou com o anúncio do experimento. Logo após a confirmação da injeção de células-tronco fetais em um paciente humano, as ações da ReNeuron tiveram alta de 18,4% na Bolsa de Valores de Londres.
Circuitos regenerados
Enquanto os pesquisadores do Reino Unido buscam nas células-tronco fetais a reabilitação de pacientes vítimas de derrame cerebral, nos Estados Unidos, um grupo de cientistas anunciou que conseguiu, em laboratório, regenerar os circuitos afetados pelo acidente vascular no cérebro, o que poderá levar ao desenvolvimento de novas drogas mais eficazes.
De acordo com o estudo, publicado na revista especializada Nature Neuroscience, quando ocorre o derrame, as células são destruídas, o que, consequentemente, afeta as conexões neurais. O cérebro, então, tenta se recompor, gerando novos axônios, parte da célula responsável por mandar um impulso elétrico de um neurônio a outro. Porém, por mais que se esforce, o órgão não consegue regenerar-se e, quanto mais velha a pessoa, maior a dificuldade de recuperar os neurônios perdidos.
Até agora, os cientistas não conseguiam entender o processo molecular que leva o cérebro a criar novos axônios. Pela primeira vez, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles desvendaram o mecanismo de reconexão das células depois de um derrame. ;Esperávamos identificar a programação molecular que ativa os neurônios para formar novas conexões, entender como esse processo muda conforme o avanço da idade e qual é o papel específico que cada molécula desempenha na formação dos axônios;, disse o principal autor do estudo, Thomas Carmichael. De acordo com ele, essa é uma tarefa difícil, porque os axônios formados pelo cérebro depois do derrame são poucos e se localizam em regiões de difícil acesso no cérebro.
Fluorescentes
Para conseguir identificar essas estruturas, os cientistas desenvolveram dois marcadores celulares. Uma vez que as células foram identificadas ; quando o cérebro do camundongo sofria o derrame, as áreas onde as novas conexões se formavam ficavam fluorescentes ;, foi possível isolá-las e estudá-las. ;Isso nos permitiu identificar todos os genes que as células cerebrais ativam para formar novas conexões depois de um derrame;, explicou Carmichael.
Depois de encontrar as moléculas e descobrir como trabalham, os cientistas desenvolveram um novo método para levar ao cérebro drogas que podem ajudar a regenerar as conexões entre os neurônios. Depois de um derrame, a área afetada torna-se uma cavidade, que fica próxima à parte do órgão que produz novos axônios. ;Desenvolvemos uma forma de preencher a cavidade com material biológico natural, que libera as drogas aos poucos, diretamente na região danificada;, disse Carmichael. Nos testes com animais, o medicamento injetado no cérebro conseguiu promover novas conexões neurais.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
"O uso de células-tronco para substituir tecidos mortos do cérebro é uma técnica promissora, que pode ajudar a reverter alguns dos efeitos incapacitantes do derrame. Estamos muito empolgados a respeito desse teste clínico; porém, estamos apenas no começo de um caminho muito longo e investimentos futuros significativos são necessários antes que a terapia com células-tronco possa ser considerada um tratamento possível."
Sharlin Ahmed,
pesquisador da entidade The Stroke Association
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