Ciência e Saúde

Laser para cirurgia de catarata substitui as incisões manuais

O procedimento já foi testado em 50 pacientes e é considerado 12 vezes mais preciso que o método tradicional

Paloma Oliveto
postado em 18/11/2010 08:30

O procedimento já foi testado em 50 pacientes e é considerado 12 vezes mais preciso que o método tradicionalSão apenas 7mm, que precisam ser cortados à mão, no formato de um círculo perfeito. Se já é difícil fazer isso com papel sulfite ; o tamanho equivale à metade de uma moeda de R$ 0,10 ;, dá para imaginar o sufoco de tentar realizar a façanha em uma superfície finíssima, elástica, resistente e molhada. Sem contar que não se trata de uma folha ou um pedaço de pano, mas do olho humano. Um órgão tão delicado que qualquer falha, mesmo que nanométrica, pode resultar em sérios danos, incluindo a cegueira. Uma nova tecnologia apresentada na edição de ontem da revista especializada Science Translational Medicine, porém, promete revolucionar o tratamento, substituindo as incisões manuais pelo laser.

Apesar de a cirurgia de catarata ter avançado muito nas últimas décadas, o procedimento ainda é feito manualmente. Depois de aplicar um anestésico tópico na esclera (o chamado ;branco do olho;), o médico faz pequenas incisões, de cerca de 3,5mm, e introduz uma cânula no globo ocular. Um equipamento de ultrassom dilui a catarata, que é aspirada pelo olho. Como o cristalino é retirado, é preciso implantar uma lente intraocular. Antes de fechar o olho, o cirurgião ainda precisa fazer incisões adicionais na córnea para prevenir o surgimento do astigmatismo.

;Mesmo para os cirurgiões mais experientes, atingir o tamanho e a posição correta é muito difícil, ainda mais considerando que os pacientes podem apresentar fatores de risco, como pupilas pequenas ou uma rasa câmara anterior (região entre a superfície posterior da córnea e a íris);, disse ao Correio o oftalmologista Daniel Palanker, principal autor do estudo, conduzido pela Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, na Califórnia. ;A retirada da cápsula do cristalino é um dos poucos passos da cirurgia da catarata que ainda não foram melhorados pela tecnologia. A manobra continua sendo feita à mão livre, sendo que o cirurgião precisa estimar o diâmetro da pupila e da córnea;, completa.

De acordo com Palanker, o procedimento apresentado na Science é 12 vezes mais preciso, comparando-se à cirurgia tradicional. ;Os resultados que obtivemos foram muito melhores em vários sentidos ; aumento da segurança, melhoria na precisão e padronização do procedimento;, diz Palanker. ;Muitos médicos residentes têm medo de fazer a retirada da cápsula do cristalino, algo que realmente é difícil de aprender. Essa nova abordagem pode fazer com que o procedimento dependa menos das habilidades do cirurgião;, acredita.

No experimento da Universidade de Stanford, foram realizadas cirurgias em 50 pacientes com idades entre 50 e 80 anos, com grau de catarata de 1 a 4. Dos voluntários, 30 estavam no grupo de controle e passaram pela operação tradicional. O restante submeteu-se à nova tecnologia, baseada no laser de femtosegundo, um instrumento próximo ao infravermelho, que consegue fazer incisões minúsculas e precisas. A luz consegue passar pelo tecido externo, sem necessidade de abrir o olho, o que reduz o risco de infecções. Então, o laser faz o buraco na cápsula do cristalino, além de fragmentá-la.

Tudo isso acontece antes de o paciente entrar na sala de cirurgia. Na hora da operação, a remoção da catarata é muito mais simples, pois o laser já fez o corte. Além disso, como dilui a cápsula de cristalino, o ultrassom torna-se desnecessário. De acordo com o estudo, o uso excessivo do ultrassom pode aquecer demais a região, provocando danos ao endotélio da córnea e aos tecidos próximos.

Palanker explica que o laser de femtosegundo, que emite quadrilhões de pulsos de energia por segundo, já é usado amplamente e com sucesso na oftalmologia, para redimensionar a córnea e corrigir problemas como miopia e astigmatismo. Mas, no caso da catarata, a luz tem de cortar um tecido muito profundo dentro do olho, o que poderia danificar a retina e outras partes do órgão. Por isso, a equipe fez diversos testes em olhos de porcos, até encontrar uma intensidade grande o bastante para atingir a cápsula de cristalino, mas suave a ponto de não provocar efeitos colaterais.

Três dimensões
Ainda assim, havia uma barreira. O laser precisava ser guiado para fazer as incisões, de forma a não perder o rumo e cortar tecidos próximos. Para tanto, é necessário saber as especificações exatas do tamanho do buraco que tem de ser criado na cápsula de cristalino. A solução encontrada pela equipe foi utilizar uma técnica de imagem chamada tomografia de coerência ótica.

O método, não invasivo, consegue fazer um mapa do olho em três dimensões. Palanker, então, desenvolveu um software que traça o caminho exato que o laser precisa percorrer, a partir da imagem gerada em 3D. Com a tomografia, além de garantir que a luz seja certeira, os cirurgiões conseguem monitorar, em vídeo, todo o procedimento. ;Até agora, não havia como quantificar o grau de precisão da cirurgia, pois não havia como medir o tamanho e o formato da abertura capsular;, diz o oftalmologista.

O resultado do experimento realizado em humanos mostrou que a técnica não tem efeitos colaterais, confirmando um dos objetivos da equipe, que era desenvolver uma metodologia mais segura. Os pesquisadores também ficaram empolgados porque o laser conseguiu fazer um círculo perfeito. Isso significa que, quando as lentes intraoculares são colocadas na cavidade capsular, elas ficarão mais bem centralizadas e alinhadas.

Segundo Palanker, embora o estudo não tenha terminado, pois mais pesquisas são necessárias, já foi possível detectar uma melhoria na acuidade visual dos pacientes, comparando-se aos que foram submetidos à técnica tradicional. Porém ele diz que, estatisticamente, a diferença não foi tão grande, provavelmente devido à pequena quantidade de participantes envolvidos. Por isso, será necessário um estudo clínico à parte, apenas para quantificar a melhoria na visão, algo que depende da aprovação da Food and Drug Administration, a agência reguladora de vigilância sanitária dos Estados Unidos.

;Indubitavelmente, essa técnica beneficiará milhões de pessoas, já que a catarata é tão comum;, diz Palanker, ponderando que vai demorar bastante tempo para que o procedimento seja adotado nas clínicas. ;Estamos imensamente orgulhosos da precisão demonstrada no estudo. Nos sentimos privilegiados de participar dessa pesquisa juntamente com uma equipe de cientistas e clínicos que trabalharam incansavelmente conosco nos últimos anos para trazer um nível novo de inovação cirúrgica;, disse ao Correio Mark J. Forchette, presidente da companhia OptiMedica, que ajudou a financiar o estudo.

Palavra de especialista
Avanço significativo

;A técnica assistida pelo laser e pela tomografia representa um avanço científico e clínico significativo, que vai tornar a cirurgia de catarata muito mais precisa. Consequentemente, um procedimento mais preciso vai permitir aos cirurgiões fazer operações bem mais acuradas. Acredito que essa pesquisa é a chave para próximas descobertas no campo visual;

William Culbertson, professor de oftalmologia da Faculdade de Medicina Miller, na Universidade de Miami

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