Uma praga que ronda a fruticultura do Brasil e de diversas partes do mundo poderá, em breve, ser debelada por um inseticida oferecido pela própria natureza. Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, trabalham no desenvolvimento de uma cápsula de extrato de nim para combater as moscas-das-frutas, insetos que comprometem seriamente a polpa e a aparência de diversas espécies frutíferas. Substâncias dessa planta indiana, perfeitamente adaptada às terras brasileiras desde os anos de 1980, já são usadas no extermínio de lagartas, pulgões, cigarrinhas e larvas de besouros. No entanto, o trabalho científico em relação ao combate das moscas-das-frutas Anastrepha fraterculus e Ceratitis capitata ; tipos mais presentes nas lavouras do país ; é inédito. O trabalho vem sendo desenvolvido desde 1993 na USP.
Além da nim, a equipe também pesquisa outras alternativas naturais capazes de atingir os inimigos dos pomares sem prejudicar o meio ambiente e a saúde dos consumidores, como ocorre com o uso dos defensivos químicos. O Brasil tem um mercado interno considerável e está entre os três maiores produtores mundiais de frutas. A exportação frutífera vem crescendo consideravelmente ao longo dos anos e nossas uvas de mesa, melões, mangas, goiabas, laranjas e bananas têm como destino os Estados Unidos, o Japão e os países da União Europeia. Nessas nações, os consumidores são exigentes. Tanto em relação ao uso de agrotóxicos quanto à qualidade do alimento.
O estudo da USP vem sendo conduzido pelo engenheiro agrônomo Márcio Alves da Silva. Segundo o pesquisador, a produção brasileira de frutas é concentrada em polos regionais de desenvolvimento que contam com agricultores de pequeno, médio e grande porte. A tecnologia utilizada nas lavouras é variável, e os objetivos dos produtores também são diferentes. Os pequenos nem sempre podem prezar pelo controle de pragas em seus pomares, o que facilita a disseminação das moscas-das-frutas para as grandes fazendas que exportam os produtos. O monitoramento, quando feito, na maioria das vezes é realizado com inseticidas químicos, pesticidas maléficos à saúde do consumidor e à própria natureza.
A ação das moscas A. fraterculus e C. capitata é destruidora. Sem os defensivos, o inseto adulto pousa na fruta e coloca os ovos. A larva eclode e se alimenta da polpa. A partir daí, o estrago está feito. Uma vez infestada, a fruta apodrece. A nim é um coringa para a agricultura e a veterinária. Cientistas que trabalham em prol de melhorias no campo a consideram uma vedete rural. ;Suas propriedades inseticidas são extremamente eficazes para o controle de pragas, de fácil extração e totalmente biodegradáveis. O que chama mais atenção, porém, é que essas substâncias não fazem mal algum ao ser humano, fato que motivou nossa pesquisa;, admite o engenheiro. A planta indiana dispõe de um leque variado de compostos bioativos, como a azadiractina, o meliantrol e a salanina. A ação específica de cada um deles produz diferentes efeitos sobre os insetos. Repelência, esterilidade, desorientação na hora de colocar os ovos e efeito regulador do crescimento são exemplos que devem ser destacados.
A azadiractina é a substância encontrada em maior quantidade nos frutos da planta. Muito semelhante ao hormônio da ecdise ; processo que possibilita a troca do esqueleto externo do inseto ;, ela impede o desenvolvimento e causa a morte das pragas. Não é interessante, porém, que a azadiractina ou qualquer outra substância da nim seja aplicada isoladamente. Com o tempo, as moscas acabam se adaptando aos defensivos elaborados com apenas um princípio ativo. ;A multiplicidade de propriedades reduz o risco de os insetos adquirirem resistência ao defensivo. Quando aplicamos o composto da nim ; no nosso caso, utilizamos o óleo da semente ; lançamos mão de todos os elementos inseticidas e evitamos a indesejável adaptação das pragas ao produto;, detalha o professor do Departamento de Entomologia e Acarologia e orientador do trabalho em curso na Esalq, José Djair Vendramin.
Moscas atingidas pelo extrato, ao se reproduzirem, geram insetos com o corpo defeituoso, de menor tamanho, com baixa capacidade de alimentação e de reprodução, diminuindo assim o avanço da praga. A abordagem adotada por Márcio Alves da Silva e seu orientador permitiu a verificação da interferência do produto no crescimento do inseto imaturo, na esterelização dos adultos e na postura dos ovos. Os pesquisadores ressaltam ainda que a planta não precisa ser destruída para a obtenção de extratos da semente, fruto, folha e casca. A concentração de bioativos é solúvel em água, o que para os engenheiros é mais um fator positivo. A equipe da Esalq trabalhou em quatro estratégias de combate. Duas delas se mostraram eficazes e receberam atenção especial dos pesquisadores.
Testes
O óleo utilizado no estudo foi extraído por meio da prensagem da semente. ;Alcançamos resultados promissores de controle aplicando o extrato na fase pupal do inseto (período em que a praga vive no solo, próximo ao tronco da árvore) e na pulverização da fruta. Borrifadas com o óleo, as frutas repeliram as moscas adultas. Ficamos animados com o que vimos. O próximo passo será formular um produto para ser testado em campo. Até agora, testamos em laboratório apenas;, adianta Silva.
A preocupação em elaborar uma fórmula especial se explica. O extrato de nim é eficaz, mas é também altamente biodegradável, o que reduz a vida útil do inseticida natural no campo. Estudos com a planta não foram adiante justamente por esse motivo. ;Estamos trabalhando com químicos da USP para aproveitar todas as propriedades da planta, usando a nanotecnologia. A ideia é encapsular o óleo em pequenas esferas para serem pulverizadas nos frutos. Com essa estratégia, o produto será liberado lentamente e terá a vida útil longa, controlando a praga por mais tempo;, acrescenta. Em campo, as cápsulas de nim serão testadas na região de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), grandes produtoras e exportadoras de manga, uva, goiaba e acerola.