Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Estudiosos apostam na genômica nutricional para prevenir série de males

Rebeca Ramos - Especial para o Correio

Imagine um tempo em que, sabendo de antemão quais doenças alguém está propício a desenvolver, o tratamento seja todo baseado em uma dieta, a fim de prevenir ou até mesmo impedir esses males de se manifestarem. A cena parece futurista, mas cientistas já estudam e pesquisam, há cerca de 20 anos, a ciência que pode tornar esse feito realidade. A genômica nutricional combina as informações genéticas do paciente e as associa à suplementação de nutrientes capazes de agir sobre os genes.

O presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Ricardo Meirelles, explica que a genômica nutricional, ou nutrigenômica, é um estudo das inter-relações entre o patrimônio genético das pessoas e a alimentação. ;Determinadas características genéticas dos alimentos podem ser prejudiciais ou benéficas para o indivíduo;, afirma. De acordo com ele, os nutrientes podem afetar o gene direta ou indiretamente. As células humanas possuem genes com as informações do corpo inteiro.

O geneticista Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, explica que esses genes produzem uma ou mais proteínas, processo denominado expressão genética. ;Alguns nutrientes são capazes de ;ligar; ou ;desligar; os genes para que eles produzam ou não as proteínas;, descreve. Segundo ele, a mudança do perfil produtivo do gene é capaz de atingir o objetivo principal da nutrigenômica ; prevenir ou tratar algumas doenças.

De acordo com Raskin, atualmente é possível analisar, geneticamente, doenças pontuais. O mapeamento de todos os genes ainda é motivo de estudos. ;Fazer o mapeamento genético por completo é algo impossibilitado por barreiras tecnológicas, porém, quando possível, vamos entender várias doenças e, quem sabe, encontrar a cura de muitas;, espera. O geneticista ressalta que há muito tempo se trabalha com a nutrigenômica. Ele exemplifica a atuação do método com a fenilcetonúria ; doença ocasionada por uma anomalia congênita. Caracterizada pela ausência de uma enzima que processa o aminoácido fenilalanina, o acúmulo dessa substância no organismo é tóxico. Segundo ele, essa doença foi a primeira demanda para a criação do teste do pezinho. ;Se não for tratado, esse mal pode acarretar retardo mental;, afirma.

O professor do Laboratório de Biologia Molecular Aplicado ao Diagnóstico da Universidade de São Paulo (USP) Mario Hirata, um dos coordenadores da Rede Brasileira de Nutrigenômica, conta que já é possível utilizar alimentos baseados nas descobertas genômicas. ;Verificou-se que a suplementação poderia evitar a manifestação clínica de certos males, como a doença da espinha bífida. Ela pode ser evitada suplementando a farinha de trigo, o folato e as vitaminas do complexo B;, diz.

Segundo ele, os mapeamentos são feitos a partir do perfil da variação na sequência dos genes do indivíduo, relacionando-os com a característica genética do metabolismo dos alimentos e de determinados órgãos. Outra forma é por amostra de sangue periférico, células da mucosa bucal ou outros fluidos, mas nunca pelo bulbo capilar, como sugerem alguns profissionais da área médica. ;Na verdade, é um teste de DNA, mas em regiões diferentes das que se faz para o teste de paternidade;, explica.

Revolução
A médica nutróloga e homeopata Liane Beringhs, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, conta que, para os cientistas, essa proposta de uma ponte entre comida e genética revolucionará o conceito de alimentação saudável. ;Isso não significa que gordura ou sal em excesso possam, um dia, serem considerados bons para a saúde;, salienta. Segundo ela, o assunto é tão importante que a agência sanitária americana, a Food and Drugs Administration (FDA), criou uma divisão especial para pesquisar a nutrigenômica.

A nutróloga acredita que a utilização dessa ciência também ganha importância com o surgimento de uma das doenças mais preocupantes no mundo moderno: a obesidade. Ela conta que pesquisadores associam o surgimento da obesidade com a interação entre genes e ambiente, embora o foco da atualidade não seja mais a simples ingestão demasiada de energia, mas sim o envolvimento de genes com o equilíbrio energético, o apetite, o peso corporal e a adiposidade. ;Sob certas circunstâncias, e em alguns indivíduos, a dieta pode ser um fator de risco sério para algumas doenças, pois alguns genes regulados pela comida provavelmente desempenham um papel no início, na incidência, na progressão e/ou na severidade de doenças crônicas;, afirma.

Cuidados éticos
Como os testes podem revelar problemas com ou sem solução, caminhando com as pesquisas da nutrigenômica estão pesquisadores que estudam prevenções éticas para proteger os pacientes. Segundo o especialista em discriminação genética, doutor em ciências da saúde e professor da Universidade de Brasília (UnB) Cristiano Guedes, os médicos defendem que a informação é sempre relevante. ;Um exemplo é a doença de Huntington. Além de não ter cura, ainda é uma doença terrível. Existem pessoas que não querem saber se vão desenvolver o mal e isso precisa ser respeitado;, acredita.

Guedes ressalta ainda a importância do sigilo do resultado do teste. Segundo ele, o paciente que tenha o exame revelando alguma doença divulgado pode ter problemas com empregadores, planos de saúde e seguros de vida. ;A Constituição não permite esse tipo de discriminação, mas não prevê pena para o vazamento dos resultados;, reclama. Segundo ele, os Estados Unidos aprovaram, em 2008, uma lei que coíbe a publicação de exames genéticos.

Embora reconheça a importância dos avanços das pesquisas, Guedes levanta questionamentos que precisam de respostas: ;Como vamos usar as informações genéticas e quais serão os cuidados éticos necessários para proteger as pessoas?;. Por esses e outros motivos, o professor defende o trabalho de aconselhamento genético. Para ele, a pessoa precisa saber o porquê de estar fazendo o teste, os riscos que está disposta a correr ; inclusive o de descobrir o que não quer ; e se terá condições emocionais e psicológicas de receber essas informações. (RR)