Ciência e Saúde

Cirurgia com laser permite operções na córnea mais precisas

postado em 27/11/2010 08:00
Embora seja frágil e praticamente imperceptível, a córnea, aquela camada transparente que cobre a pupila e a íris dos olhos, carrega a importante missão de proteger a visão. Dependendo de suas condições, ela nos permite ou não enxergar com nitidez. Quando comprometida por traumas ou doenças, faz com que o mundo fique embaçado ou totalmente escuro. Danos a essa membrana são a segunda maior causa de cegueira reversível no planeta. Para muitos pacientes, o transplante representa a única chance de voltar a enxergar. De alguns anos para cá, a tecnologia tem contribuído para que o procedimento seja realizado com menos risco. O laser vem proporcionando cirurgias mais precisas e planejadas para os olhos que necessitam de novas córneas. No entanto, além do recurso que trouxe mais segurança para o transplante, os pacientes também dependem do ato de amor de pessoas que acabaram de perder um familiar.

O laser de femtosegundo ; pulso ultrarrápido com cerca de um milésimo de bilionésimo de segundo aplicado com altíssima potência ; é o mais novo aliado de pacientes que precisam do transplante de córnea. A energia já era usada em cirurgias de miopia, astigmatismo e implantes de anéis intracorneanos. De acordo com o oftalmologista Cláudio Luiz Lottenberg, presidente do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o femtosegundo vem proporcionando ótimos resultados. Ele explica que esse recurso permite um planejamento milimétrico do transplante. ;Com o auxílio de um software, fazemos um mapeamento detalhado dos pontos da córnea onde serão feitas as incisões para a sua retirada. O corte com o laser pode ser feito em diversos formatos, minimizando o risco dos flaps, que são camadas finas de tecido. Com isso, o encaixe da nova córnea é bem mais preciso, o que minimiza o risco de rejeição;, pontua.

A aplicação do laser femtosegundo em transplante de córneas deve chegar a Brasília no primeiro semestre de 2011. O recurso será disponiblizado em algumas clínicas particulares. A cirurgia convencional de transplante de córnea é feita com um instrumento chamado trépano. ;O corte é circular e pode ser feito manualmente ou a vácuo. Ele é seguro, mas o femtosegundo representa, sem dúvida, uma evolução;, reforça o oftalmologista especialista em córnea da Oftalmed Sérgio Elias Saraiva. Ele lembra que o transplante é sempre a última opção em tratamento para doenças como ceratocone, perda de transparência da córnea, endotéliopatias, traumatismos que provocam cortes ou furos que geram leucomas e úlceras. ;São doenças que levam à cegueira. O transplante é sempre feito para salvar a visão do paciente. Hoje, os riscos de rejeição giram em torno de 8% a 10%;, acrescenta.

O pós-operatório exige repouso nos 15 dias que seguem o transplante. Os índices de complicações são baixos, mas existem. O paciente pode ser acometido por infecções, cataratas e glaucoma, por exemplo. Mas, segundo Saraiva, as condições da cirurgia convencional são boas e as perspectivas futuras, melhores ainda. ;A evolução também contempla outros elementos fundamentais para o transplante, como fios de sutura, agulhas e conservantes, que preservam a córnea até que ela seja implantada;, observa.

Pesquisadores da Universidade de Linkoping, na Suécia, conduziram nos últimos dois anos uma pesquisa com córneas sintéticas em 10 pacientes. Membranas produzidas com colágeno artificial foram implantadas com leveduras e sequências de DNA humano. Os resultados do estudo, publicados na revista científica Science Translational Medicine, indicam que depois do transplante células e nervos cresceram dentro da estrutura pré-fabricada, melhorando a visão e não sendo rejeitados por nenhum dos voluntários.

Realidade brasileira
No Brasil, foram realizados, em 2009, quase 13 mil transplantes de córneas. A quantidade supera significativamente o número de transplantes de outros órgãos por diversos motivos. As córneas podem ser captadas até seis horas após a morte do doador, enquanto os órgãos sólidos precisam ser retirados de doadores em morte encefálica ; coração batendo e respiração auxiliada por máquinas. As membranas duram até 14 dias nos bancos de olhos, enquanto que coração e pulmão, por exemplo, podem ficar somente seis horas fora do corpo. A cirurgia de córnea também tem a vantagem de ser realizada em ambulatórios, sem demandar internação.

No Distrito Federal, o candidato a receber uma córnea aguarda, em média, de dois a quatro meses na fila. Embora seja a unidade da Federação com maior média de procedimentos do país, totalizando 147 para cada um milhão de habitantes, o DF ainda não conseguiu zerar a fila. Atualmente, existem 33 pacientes preparados para o transplante e na expectativa de voltar a enxergar com nitidez. A espera pode chegar a três anos em regiões que não contam com boa estrutura de captação. Em compensação, São Paulo já conseguiu praticamente quitar a diferença entre oferta e demanda. O estado é responsável por metade dos procedimentos realizados no país.

Para receber uma nova córnea, o candidato precisa se inscrever no banco de olhos de seu estado. Os doadores devem deixar claro para a família o desejo de doar. Somente as córneas de pacientes com Aids, câncer ou hepatite B não podem ser aproveitadas. ;Ao contrário do que pensam algumas famílias, a retirada das córneas não causa nenhuma deformação no corpo do doador;, explica Élcio Sato, oftalmologista e coordenador do departamento de tecidos da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Abto).

O analista de suporte Giscard Camilo de Oliveira, 35 anos, vê o mundo com novas córneas desde o ano passado, quando fez o transplante no olho direito. A indicação da cirurgia veio em decorrência do ceratocone, doença que o obrigou a usar uma lente rígida para corrigir a deficiência visual ; que chegou a 16 graus nesse olho. Giscard esperou um ano e meio na fila. Há três meses, foi a vez de o olho esquerdo receber uma nova córnea. ;Vivi com uma lente muito incômoda nos olhos desde a adolescência. Tinha uma vida limitadíssima. Enxergar bem novamente foi uma conquista. A cirurgia foi muito tranquila, assim como o pós-operatório. Não ficou qualquer resquício de grau. Devo isso à generosidade de uma família que, em um momento difícil, soube pensar no próximo;, considera.

;Presente;
O segundo transplante da recepcionista Laís Crispim, 19 anos, foi feito no último dia 2. Ainda com os pontos na córnea, ela conta que o procedimento foi inevitável porque a vista foi ficando cada dia mais opaca. ;Operei o olho direito em 2007, o grau do esquerdo não estava tão alto e o médico achou melhor aguardar. O ceratocone avançou e eu cheguei a usar uma lente de 20 graus. A sensação de voltar a enxergar é única. O transplante foi um presente;, desabafa a jovem.

As córneas doadas passam por um rigoroso processo de avaliação até chegarem aos olhos do receptor. Um recente levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária revelou que 51% das membranas captadas pelos bancos de olhos são descartadas. ;Pode parecer muito, mas é uma questão de segurança. As córneas captadas são liberadas somente depois de passarem por uma triagem detalhada. A média mundial de descarte gira em torno de 40% a 50%. É uma medida preventiva. Não adianta trocar uma córnea doente por outra que não apresenta boas condições;, explica Sato.

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