Ciência e Saúde

Recomeço da vida sexual de infectados pelo HIV é, muitas vezes, traumático

postado em 30/11/2010 09:40
Na véspera da comemoração do Dia Mundial da Prevenção da Aids, uma pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) mostra que retomar a vida sexual após o diagnóstico de HIV exige uma travessia penosa. Homens e mulheres, depois de se descobrirem soropositivos, precisam lidar com uma realidade muitas vezes incompreendida. Especialistas garantem: lidar com o preconceito é a principal barreira para uma vida sexual plena pós-HIV.

Segundo a pesquisa da USP, embora homens e mulheres enfrentem pioras na vida sexual depois do diagnóstico, os homens relataram sofrer mais problemas. Entre eles, 59% reclamaram da nova vida sexual, contra 41% entre elas. Para a pesquisadora, isso pode ser fruto de como a masculidade é apresentada pela sociedade. ;Questões como o número de parceiras, frequência do ato sexual ou supostamente estar sempre pronto para fazer sexo fazem com que as mudanças em relação à vida sexual sejam mais difíceis para os homens;, afirma a psicóloga Lígia Polistchuck, autora da pesquisa.

Os fatores que causam essa piora na sexualidade também são diferentes segundo o gênero do paciente. Para as mulheres, as causas estão na dificuldade de relação com os serviços de saúde. ;A maior parte das entrevistadas apontou problemas como não ter facilidade de falar com o ginecologista sobre a vida sexual, não ser atendida por profissionais de enfermagem e ter passado por desconforto ou dor por culpa do serviço de saúde;, explica a psicóloga. ;Ou seja, para as mulheres, a relação com o serviço de saúde tem um papel importante na construção de si como sujeito sexual após o diagnóstico de HIV.;

Já para os homens, a desestruturação da carreira, especialmente o desemprego, é o que mais pesa na piora da vida sexual. ;Nesse caso, parece que os significados associados ao masculino, tal como ser provedor, ser financeiramente independente, desempenham papel importante nessa construção de si como sujeito sexual após o diagnóstico;, avalia Lígia Polistchuck.

Retomada
O advogado Marcelo*, 39 anos, afirma que consegue levar uma vida sexual praticamente como a que tinha antes de descobrir que é soropositivo, há 12 anos. ;Hoje, vivo uma vida normal, sexualmente falando, óbvio que tomando precauções para manter minhas parceiras protegidas;, afirma. Nem sempre, porém, foi assim. ;Primeiro, passei por uma fase de apatia. Na época, não sentia interesse em retomar a minha vida como homem. Isso durou cerca de dois anos;, relata o advogado.

Depois da fase mais drástica, Marcelo foi retomando a vida normal, inclusive sexualmente. ;Quando você abre o exame e vê que deu positivo, é um choque, por mais que a gente saiba que Aids não é mais sinônimo de morte, como antigamente. Quando você se descobre como soropositivo, parece que o mundo para. Com o tempo, contudo, você percebe que a vida continua. O vírus deixa de ocupar o primeiro plano da sua vida e passa a ser uma coisa secundária;, conta.

Apesar da vontade de retomar a sexualidade, recuperar uma vida sexual satisfatória não foi fácil, exatamente como a pesquisa mostrou. ;Pelo menos no meu caso, acho que aconteceu um bloqueio. Sempre que começava a me envolver com alguma mulher, não conseguia levar a diante;, conta. Depois de algumas sessões no psicólogo com quem faz acompanhamento desde que foi diagnosticado, o advogado conseguiu ir aos poucos se soltando. ;Tive que aprender a ressignificar o HIV na minha vida e lentamente voltar a me ver como homem. Hoje, sinto que tenho sorte, pois consigo levar uma vida normal;, comemora.

Esforço
A estudante Vanessa*, 26 anos, sentiu o mesmo problema que o advogado Marcelo. ;Nem passava pela minha cabeça que pudesse ter o HIV. Embora não tenha desenvolvido a doença, é um choque. Achei que minha vida ia acabar, entrei em depressão;, relembra a jovem, diagnosticada há um ano e dois meses. ;Deixei o emprego e me afastei da maioria das pessoas. Passava o dia todo em casa. Não tinha ânimo para nada, muito menos para pensar em sexo;, conta.

A mudança na visão de Vanessa veio depois que ela começou a frequentar grupos de apoio para soropositivos. ;Depois de uns três meses, a minha mãe resolveu dar um basta. Me disse que era impossível eu continuar vivendo daquele jeito e conseguiu praticamente me obrigar a ir para um grupo de apoio;, conta. ;Lá, encontrei pessoas que tinham o mesmo problema que o meu e que lidavam com isso de maneira muito melhor. Agora estou tentando ir devagar. Cada um tem seu tempo. Hoje já lido melhor com o HIV, já voltei a trabalhar e sair à noite, mas sei que ainda preciso vencer mais esse bloqueio;, completa Vanessa.

Segundo a assistente social da Associação Brasileira de Apoio aos Portadores de Aids (Abrapa) Adriana Aparecida de Oliveira Vitorino, não é difícil encontrar entre os pacientes com HIV aqueles que relatam uma diminuição na frequência na vida sexual. ;Mesmo entre aqueles que têm parceiro fixo, há uma diminuição da libido;, conta. ;Isso em parte é reflexo de alguns medicamentos retrovirais, que acabam provocando uma diminuição da disposição sexual.;

Abandono
De acordo com o estudo da Universidade de São Paulo, 20% das mulheres relataram que não tiveram mais relações sexuais depois do diagnóstico. ;Várias vezes nos deparamos com pacientes que comentam que poderiam ;viver sem sexo;;, conta. ;Por insegurança, medo de prejudicar ainda mais sua saúde ou mesmo contaminar outras pessoas, elas acabam deixando esse aspecto da vida de lado;, completa a assistente social Adriana.

A psicóloga do Programa de DST/Aids da Secretaria de Saúde do Distrito Federal Aline Melo Soares acredita que a raiz do problema não está somente nos pacientes. ;A grande maioria dos que enfrentam esse problema relatam muito medo. Medo de contaminar o parceiro, mas, principalmente, medo de ser rejeitado;, conta. ;Não é incomum os pacientes manterem um relacionamento e, quando contam ao parceiro que são soropositivos, ele simplesmente desaparece;, lamenta a especialista.

Para ela, a questão é fruto do preconceito de quem é soronegativo. ;As pessoas ainda têm uma visão muito deturpada do que é o HIV. Por medo de serem infectadas, elas acabam se afastando, o que causa um problema ainda maior para o soropositivo;, comenta. ;Ele tem dificuldade de superar o choque inicial e retomar a vida afetiva e, finalmente, quando consegue, enfrenta a rejeição. Por isso, muitos pacientes que atendo simplesmente dizem que não pretendem retomar a vida sexual indefinidamente;, conclui Aline.

; Nomes fictícios a pedido dos entrevistados.

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