Ciência e Saúde

Juventude indesejada, esclerodermia pode comprometer órgãos internos

postado em 15/12/2010 08:00
A falta de informação é  um problema.  Não se fala da doença. Alguns nem sabem da existência delaMaria do Rosário Mauger, presidente da Associação dos Pacientes com Esclerose Sistêmica" />Imagine uma doença em que as pessoas aparentam ser bem mais novas do que de fato são. Para os aficionados em não envelhecer, parece uma benção. Mas, a esclerodermia ; um tipo de enfermidade autoimune ; traz consequências nada agradáveis. O aspecto mais jovem dos pacientes é resultado de uma produção excessiva de colágeno, proteína que, entre outras funções, une e fortalece os tecidos. Isso faz com que as regiões afetadas fiquem mais rígidas e órgãos internos sejam afetados. O mal é raro, não tem cura e tampouco número consistente de profissionais especializados no assunto, fatores que dificultam um tratamento eficaz.

As causas da esclerodermia ainda são desconhecidas, porém admite-se que, no caso da forma localizada (que atinge só a pele), as alterações no metabolismo do colágeno possam ser resultado de traumas e fatores genéticos, imunológicos, hormonais, virais, tóxicos, neurogênicos e vasculares. Nesse caso, o tratamento deve ser feito por um dermatologista. Já a forma sistêmica do problema, que afeta órgãos internos, é geralmente tratada por uma equipe multidisciplinar coordenada por um reumatologista.

A dermatologista e professora colaboradora do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Jorgeth Motta explica que a versão localizada apresenta-se sob as seguintes formas clínicas: em gotas, com manchas pequenas no tronco ou extremidades; em morfeia, com placas cor de marfim, predominantemente no tronco; linear, com lesões em faixa nas extremidades; e a segmentar, com áreas segmentares de atrofia e esclerose da pele, que adere a tecidos profundos causando deformidades. Segundo a médica, o diagnóstico é dado pelo histórico clínico do paciente, do exame físico e da biópsia da pele. ;Além disso, são realizados exames laboratoriais para descartar o comprometimento sistêmico;, ressalta.

Entre as complicações provocadas pelo mal, estão deformidades que podem atingir a testa e o couro cabeludo ; denominada golpe de sabre ;, e também a face, causando uma hemiatrofia facial (atrofia unilateral). ;As lesões sobre articulações podem causar contraturas e, nas pernas, podem ulcerar. Com o passar dos anos, pode surgir um carcinoma espinocelular, um tipo de câncer de pele;, explica Jorgeth. A médica conta que a evolução clínica é imprevisível. ;As lesões podem entrar em remissão de forma espontânea;, diz.. Por se tratar de uma doença autoimune, ela não é contagiosa.

O tratamento depende da gravidade com que o problema se manifesta. Existem tratamentos tópicos e sistêmicos, bem como a fisioterapia para evitar as contraturas. A psicoterapia ou até mesmo ajuda psiquiátrica podem ser recomendadas. Segundo o dermatologista Vítor Reis, o tratamento deve ser precoce, constante e incluir medicamentos. ;Essa é uma doença cujo tratamento impede a progressão. Não é tão comum, mas por ser crônica, e eventualmente sem muita mortalidade, é tratada por um grupo restrito de dermatologistas;, afirma.

Interna
A versão sistêmica da doença leva à fibrose e ao comprometimento vascular dos órgãos acometidos. A reumatologista e chefe do Ambulatório de Esclerodermia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristiane Kayser, conta que múltiplos fatores desencadeiam a doença, que acomete principalmente mulheres. Fatores genéticos e ambientais estão envolvidos e a exposição a uma série de substâncias e drogas também tem sido associada ao mal.

Segundo ela, o diagnóstico da esclerose sistêmica nem sempre é fácil, uma vez que, nos estágios iniciais, os sintomas podem ser vagos ou pouco característicos. Para ela, uma série de complicações podem ocorrer, de úlceras de extremidades até hipertensão pulmonar. ;Além disso, o envolvimento de órgãos internos, como trato gastrointestinal, coração e rins, pode levar à dificuldade para a deglutição, azia, má-digestão e diarreia, entre outros problemas;, descreve.

Pacientes com a doença devem tomar algumas precauções, como dieta adequada, interrupção do tabagismo e, principalmente, aquecimento das extremidades. ;O frio pode piorar a circulação nos vasos sanguíneos já espessados, causando feridas de difícil cicatrização nos dedos dos pés e das mãos;, salienta a presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Francine Machado. Ela explica que mesmo sendo uma doença reumatológica, o tratamento só é possível em hospitais com pneumologistas, nefrologistas, cardiologistas, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. De acordo com Francine, nas fases precoces da doença, os pacientes conseguem levar uma vida normal se tomarem os devidos cuidados. ;Porém, uma grande parte chega tarde aos serviços especializados, dificultando o tratamento;, lamenta.




Desinformação
Em 1987, a presidente da Associação dos Pacientes com Esclerose Sistêmica (Abrapes), Maria do Rosário Mauger, 57 anos, foi diagnosticada com a doença. Sentindo-se bem hoje, ela conta que, no início, teve muita dificuldade de encontrar o tratamento adequado. ;Ninguém sabia me dizer o que eu tinha e, com isso, meu estado foi se agravando;, lembra. À época, ela ;controlava; a doença com cortisona. Depois de 10 anos, quando enfim encontrou a ajuda adequada, Maria do Rosário estava com um caso gravíssimo de hipertensão pulmonar. ;Eu não conseguia fazer nada, estava sem fôlego. Tinha acabado de me casar, tinha uma loja e a doença acabou com tudo;, conta.

Uma vez diagnosticada, ela iniciou a fisioterapia, pois estava com as juntas duras, e a tomar remédios que a ajudaram a melhorar. ;Essa doença é brava. Já vi muitas pessoas morrendo;, ressalta. Com a experiência adquirida presidindo a Abrapes, que conta com 300 associados, Maria do Rosário acredita que o maior problema é a falta de especialistas no assunto. Segundo ela, pacientes do Norte e do Nordeste são remanejados para o Sudeste pela falta de especialistas. ;A falta de informação também é um problema. Não se fala da doença. Alguns nem sabem da existência dela;, indigna-se.

Cristiane Kayser avalia que o prognóstico vem melhorando nos últimos anos: aproximadamente 68% dos pacientes continuam vivos depois de 10 anos de doença. Mas esse índice varia conforme a gravidade e a extensão do mal. ;Há casos de 20 e até 30 anos de evolução;, conta.


PROTEÇÃO
Usualmente desencadeado pelo frio ou estresse emocional, o fenômeno de Raynaud ocorre em aproximadamente 95% dos pacientes com esclerodermia sistêmica. Caracteriza-se por episódios de alteração de coloração das extremidades, que se manifestam geralmente em três fases sucessivas: palidez, cianose e vermelhidão. Pode ser também acompanhado por sensação de adormecimento e dor local, causando bastante incômodo ao doente.

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