Paloma Oliveto
postado em 17/12/2010 12:20
Nos últimos 10 anos, o homem encontrou indícios da presença de água em Marte, decifrou genomas ancestrais, descobriu planetas fora do nosso Sistema Solar, conseguiu modificar a vocação original de uma célula, fez importantes constatações sobre o aquecimento global. Sem contar as inovações no estudo de micro-organismos e do DNA, a melhor compreensão da máquina do Universo, a manipulação da luz, a invenção de novos materiais. Foi uma década extremamente produtiva, na opinião dos editores da revista científica norte-americana Science, que elegeu, na edição de ontem, as melhores ideias no período de 2000 a 2010.Neste ano, o destaque foi a primeira máquina quântica, um invento da Universidade de Santa Bárbara, Califórnia (UCSB), anunciado em março no periódico especializado Nature. Desde que Isaac Newton descreveu, no século 17, os fundamentos da mecânica clássica, a humanidade passou a compreender o movimento, as variações energéticas e as forças que atuam sobre um objeto. Mas, naquela época, o átomo não era conhecido ; no máximo, circulavam ideias da Grécia clássica sobre pequenas esferas que constituíam a matéria.
Com a descrição científica da menor partícula de um elemento químico, as leis de Newton continuaram valendo, mas só para corpos e objetos visíveis. Foi preciso desenvolver uma nova teoria ; a mecânica quântica ; para explicar o comportamento de estruturas iguais ou menores que a escala atômica, como prótons e elétrons. Até agora, a física quântica valia apenas para essas nanoestruturas. Só que, em março deste ano, um grupo de pesquisadores da UCSB espantou cientistas de todo o mundo ao anunciar que o mesmo princípio vale para objetos de maior escala.
Para Andrew Cleland, um dos autores do estudo, a escolha da Science deve-se ao caráter surpreendente da descoberta. O cientista lembra que um dos princípios da mecânica quântica é que um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Em uma escala subatômica, não é difícil imaginar o feito, considerando um fragmento nanométrico com movimentos ondulatórios. Mas quando se trata de peças maiores, formadas por moléculas complexas, parece algo possível apenas em filmes de Hollywood.
;O advento dessa máquina aumentou a possibilidade de que, em algum dia, um mesmo objeto seja colocado em dois lugares ou que uma pessoa consiga atravessar um muro. Isso vai demorar muito para acontecer, mas o primeiro passo foi dado;, disse Cleland, em uma apresentação à imprensa realizada pela Associação Americana de Ciências. ;Foi uma grande novidade porque nunca ninguém conseguiu colocar um objeto feito pelo homem sob as leis da física quântica e isso abre diversas possibilidades;, comentou o cientista Adrian Cho, colaborador da Science. ;O que estamos tentando fazer é usar o sistema mecânico para decodificar informações sobre a vida invisível;, afirmou Cleland.
No editorial da revista, o editor Bruce Alberts lembrou que o resultado da pesquisa pode levar ao desenvolvimento de detectores de forças ultrassensíveis, além do controle das vibrações mecânicas de um objeto, assim como o homem faz, hoje, com a eletricidade e a luz. ;A pesquisa também incentiva novas investigações sobre um dos maiores mistérios da física: o abismo que separa o mundo dos objetos que nos são familiares do bizarro mundo da mecânica quântica.;
REVELAÇÕES E DÚVIDAS
Ao reconhecer os esforços de pesquisadores que passaram anos em seus laboratórios em busca de revoluções científicas, a revista Science lembra que a maior parte das descobertas da década ocorreram graças ao estudo contínuo de métodos inovadores de investigação. E enfatiza que, quanto mais revelações são feitas, mais dúvidas surgem. ;À medida que aumenta nossa compreensão do mundo, novos grandes mistérios surgem para serem decifrados: da ;energia escura; ao ;genoma escuro;;, destaca o editorialista do periódico, o bioquímico Bruce Alberts. ;Da mesma forma, a descoberta de água em Marte abre para nós a excitante possibilidade de se descobrir uma forma de vida primitiva no planeta, o que pode produzir um melhor entendimento de nossas origens;, diz.
De acordo com Alberts, a questão que se levanta é: sempre haverá surpresas? Ou será que um dia, talvez daqui a milhares de anos, não haverá mais nada para descobrir?. ;Podemos esperar alcançar um completo entendimento, um ponto final no questionamento da humanidade sobre a ciência?;, questiona. O cientista mesmo responde. Para ele, isso é muito difícil.
Alberts cita, como exemplo, o grande desafio de decifrar como os bilhões de células do organismo humano interagem umas com as outras, formando um complexo sistema. ;A célula é a unidade fundamental da vida, assim como o átomo é a unidade fundamental da matéria. Temos um conhecimento sofisticado, mas longe de ser completo, a respeito do mecanismo celular;, recorda.
A célula mais simples conhecida, a bactéria, contém 500 variantes genéticas, um número 50 vezes menor do que o encontrado no homem. Em 2000, os cientistas achavam que essas variantes eram complexas o suficiente para permitir o funcionamento das 100 bilhões de células produzidas a partir de um único óvulo fertilizado ; o próprio ser humano. Hoje, porém, passados 10 anos, sabe-se que, além dos genes, há muitos outros protagonistas no mecanismo celular. ;E, o mais surpreendente, é que cerca de dois terços das nossas informações genéticas essenciais ; nosso ;genoma escuro; ; continua um mistério;, afirma o cientista. (PO)