Paloma Oliveto
postado em 23/12/2010 08:00
Uma das principais ferramentas no diagnóstico do câncer de próstata é a checagem de PSA, o Antígeno Prostático Específico, tipo de proteína secretada pela glândula. Quando o nível está aumentado, os médicos costumam pedir uma biópsia para verificar a existência de tumores malignos. O problema é que o PSA pode crescer por razões benignas, como a retenção aguda da urina e a hipertrofia da próstata. Além disso, 40% das variações no nível do antígeno é herdado geneticamente. Uma descoberta feita por uma equipe internacional de cientistas, baseada em informações do DNA, porém, deve tornar a medição mais acurada, diminuindo a necessidade da retirada do tecido para a confirmação da doença.Os pesquisadores verificaram que quatro variações no sequenciamento do genoma humano impactam diretamente nos níveis de PSA. Segundo eles, a análise dessas mutações poderá ser útil para o desenvolvimento de um protocolo personalizado, que identifique com maior precisão quais os homens cuja biópsia provavelmente será positiva. ;Essa é uma aplicação genética com utilidade clínica direta. Detectado precocemente, o câncer de próstata pode ser tratado com sucesso quase que total. O desafio é estratificar a população mais efetivamente, identificando e realizando biópsia naqueles que têm alto risco, ao mesmo tempo em que se diminuiu o número de biópsias desnecessárias que são realizadas;, disse ao Correio Kari Stefansson, principal autor do estudo e cientista da deCODE Genetics, que financiou a pesquisa. O resultado foi publicado na revista especializada Science Translational Medicine.
De acordo com Stefansson, a utilidade da medição dos níveis de PSA no diagnóstico do câncer de próstata está sendo avaliada por dois estudos clínicos nos Estados Unidos e na Europa. O objetivo é avaliar se o exame, realizado a partir de uma amostra de sangue, tem efeitos positivos na incidência da mortalidade por esse tipo de tumor. ;Os primeiros resultados dessas pesquisas, publicados no ano passado, mostraram que a redução da mortalidade é muito pequena. Desde então, tem sido sugerido que os efeitos benéficos do teste de PSA foram subestimados por esses pesquisadores, porque publicações recentes reportaram que fazer o exame leva a uma redução de 53% nos casos de metástase e de 50% em relação à mortalidade;, diz. Para ele, o exame é muito importante para a cura do câncer. ;O problema é que a elevação dos níveis de PSA detectados no exame levam a um excesso de biópsias desnecessárias;, afirma.
Variantes genéticas
O cientista conta que uma das abordagens que aumentam a precisão do teste de PSA é trabalhar com um modelo que defina o valor normal para cada indivíduo. ;Um modelo desse deve levar em conta a idade, já que a prevalência de condições, tanto malignas quanto benignas, que provocam o aumento do antígeno aumenta com a idade;, diz. Além disso, as variantes genéticas também são importantes para definir qual o nível normal personalizado, porque já se provou que a expressão de uma grande quantidade de genes está relacionada à produção do antígeno.
;Entre 40% e 45% da variação dos níveis de PSA entre os homens, na população em geral, está relacionada a fatores hereditários;, afirma o pesquisador. ;Porém, como esses fatores são desconhecidos, não foi possível ainda ajustá-los para fazer uma abordagem personalizada.
; Recentemente, descobriu-se que uma variante encontrada próxima ao gene KLK3, que codifica o PSA, é uma predisposição ao desenvolvimento do câncer de próstata. ;Mas, em seguida, outro estudo mostrou que homens com essa mutação tinham altos níveis do antígeno, mas não eram portadores do câncer;, exemplifica Stefansson.
Para procurar a sequência de variantes genéticas associadas aos níveis PSA, os cientistas analisaram dados de 15.757 islandeses e de 454 ingleses que não têm diagnóstico de câncer de próstata. Eles descobriram que quatro mutações hereditárias fazem com que alguns homens produzam naturalmente o antígeno em excesso ; em média, 40% a mais, comparando-se com aqueles que não possuem as variantes. Todas essas pessoas haviam feito a biópsia ; cujo resultado foi negativo ; sem necessidade, já que não portavam a doença.
Stefansson conta que planeja desenvolver um teste para esses marcadores genéticos, que deverá ficar pronto no fim do próximo ano, na esperança de fornecer aos médicos informações para que, juntamente dos pacientes, eles possam decidir ou não pela biópsia. ;Combinando com informações sobre idade, etnia e histórico familiar da doença, as estimativas dos efeitos das variações genéticas sobre o risco de desenvolvimento de câncer de próstata e os níveis de PSA podem dar origem a estratégias cujos objetivos finais são a redução dos gastos na área da saúde e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes;, defende.
O médico Otis Brawley, um dos diretores da Sociedade Americana de Câncer, que não participou do estudo, diz que a abordagem genética faz sentido, mas ele acredita que o resultado da pesquisa ainda não é suficiente para o desenvolvimento de um exame. ;São necessários mais estudos para confirmar as descobertas;, afirma. ;É um artigo interessante, mas ainda um pequeno passo na longa estrada rumo a melhores meios de detecção do câncer de próstata.;
Alta incidência
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, houve 52.350 casos novos de câncer de próstata neste ano. No Brasil, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não-melanoma). Em valores absolutos, é o sexto tipo mais comum no mundo e o mais prevalente em homens, representando cerca de 10% do total de cânceres.
TRÊS PERGUNTAS PARA KARI STEFANSSON, PESQUISADOR
Além do câncer de próstata, a abordagem genética pode influenciar na realização de outros exames?
Sim. Outro é o câncer de mama. Recentemente, houve aquela polêmica nos Estados Unidos, quando foi recomendado que mulheres de 40 anos não fizessem mamografia porque, a cada 1,9 mil exames feitos, apenas um era positivo.Então, a questão é: como você reduz o número de falsos positivos e, consequentemente, das biópsias realizadas sem necessidade? Bem, tudo começa com uma lesão ambígua, que requer uma biópsia. Então, você pega as mulheres que têm essa lesão ambígua e as leva para fazer um teste genético que determina se elas estão entre o 1% das mulheres que têm quatro vezes mais risco de desenvolver o câncer de mama do que a média. Se elas estão dentro desse percentual, então se encaixam e devem fazer a biópsia. Se não, o risco é baixo, então elas podem voltar para casa e retornar no ano seguinte. Em suma, é uma informação que você usa no processo de tomar uma decisão.
O senhor acredita que a comunidade médica terá interesse em realizar esses testes?
Sim. Boa parte dos médicos que realizam mamografias e dos urologistas que fazem exames de PSA têm interesse. Grande parte das organizações de pacientes também.
O senhor acha que já há informações suficientes para desenvolver um exame genético preciso, no caso do risco de câncer de próstata?
Eu enfatizo que as estimativas feitas no nosso estudo, publicado na Science Translational Medicine, são baseadas apenas em dados coletados na Islândia e na Inglaterra. Estimativas mais acuradas precisam ser obtidas a partir de estudos mais amplos. Além disso, outras variantes associadas aos níveis de PSA podem ser descobertas, sugerindo que precisamos de mais dados para criar um novo protocolo. Mas acredito que isso será possível no fim do ano que vem.