Belo Horizonte ; Um dos maiores desafios nas análises feitas em laboratórios é evitar a contaminação externa, o que pode alterar o resultado do exame. ;Se vou analisar uma tampa de caneta e a toco, ao encostar, já deixei sódio em sua superfície. Ou seja, estou passando para esse material algo que não é dele. Portanto, na hora de fazer a análise, terei um resultado diferente do que realmente é;, exemplifica Olguita Ferreira Rocha, coordenadora do Setor de Análises Químicas da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec).
Foi a pesquisadora quem coordenou a criação, em 1995, da primeira sala limpa do Brasil, no Cetec. Trata-se de um ambiente onde o controle das impurezas é extremamente rígido para que o resultado das análises seja o mais confiável possível. Lá, é feito o monitoramento da água de Minas Gerais e são realizadas análises de metais, materiais que compõem chips de computadores, água de hemodiálise e do sangue de pacientes com insuficiência renal.
O conceito de sala limpa é de que haja controle rigoroso do ar no espaço. Ele deve ser totalmente livre de partículas externas. O do Cetec é considerado o mais equipado do Brasil, tem 90m; e é dividido em quatro ambientes. Esse tipo de laboratório serve, principalmente, para controlar a contaminação por meio do ar. Esse controle deve ser feito no equipamento usado para fazer análises, nas mostras analisadas, nos operadores que trabalham dentro da sala e no próprio ar. Para evitar a contaminação das amostras, elas só são recebidas se entregues em recipientes fornecidos pelo próprio centro de pesquisa. E só entram na sala depois de limpos. Para isso, um pano úmido com água é suficiente.
Os químicos que trabalham na sala, chamados de operadores, cumprem algumas exigências. A primeira delas é que não fumem. O cigarro emite partículas até três horas depois de consumido. Também devem ter perfil psicológico de pessoas que têm menos necessidade de movimentação, para evitar a alta movimentação de partículas. ;Uma pessoa muito agitada movimenta partículas. Para se ter ideia, sentando e levantando, uma pessoa libera 2,5 milhões de partículas por minuto. Sentado, sem movimento, 100 mil; caminhando a 3km/h, 5 milhões de partículas;, descreve Olguita.
Depois de aprovados para trabalhar na sala, não podem usar objetos pessoais (incluindo sapatos e brincos) nem maquiagem. Para começar o expediente, cada operador pega seu próprio uniforme (que é exclusivo e lavado em uma lavanderia que fica dentro da antesala da sala limpa), veste-o na antessala do laboratório e lava as mãos. Depois, o profissional passa por diferentes salas, vestindo novas peças do uniforme, até que fique apenas com o nariz e os olhos descobertos.
Classificada de acordo com a norma ISO, a sala limpa não é um ambiente incômodo. O ar é filtrado, condicionado e tem temperatura e umidade controladas. A pressão também é controlada por um medidor. Todas as salas têm pressão positiva em relação à anterior, mas isso não afeta os trabalhadores. Eles podem cumprir uma jornada comum de oito horas diárias, com paradas para almoço e intervalos.
Controle de ar
Um dos detalhes mais importantes é o controle do ar, feito por meio de filtros. No Cetec, na área externa do prédio, atrás da sala, há uma casa de máquinas com dois grandes filtros que bloqueiam partículas grossas e finas. Depois, o ar chega à sala, onde passa por um terceiro estágio de filtragem. No teto do laboratório, há 14 dutos responsáveis pela velocidade de entrada do ar. Isso serve para evitar o levantamento de qualquer partícula que tenha entrado e que possa estar no chão.
Depois desse processo, o ar varre toda a área, sai por uma greta controlada e retorna ao primeiro filtro, na casa de máquinas, onde há uma caixa de mistura. ;Se usarmos o mesmo ar o tempo inteiro, o oxigênio diminui. Então, na caixa de mistura, são colocados 30% a mais de ar novo. São 50 trocas de ar por hora, quase uma por minuto, para manter a limpeza do ambiente;, descreve Olguita.
A necessidade de tanta troca é o movimento interno. ;As pessoas estão se movimentando e isso gera partículas dentro da sala. É preciso retirá-las e se, eventualmente, entrar alguma, também evitamos que ela se acumule ali dentro;, resume a coordenadora. Na última sala há, ainda, módulos: ilhas de trabalho com novos filtros, que pegam o ar da sala e o limpam com o mesmo sistema dos dutos. Isso cria uma cortina de ar limpo que não contamina as amostras, manuseadas debaixo desses módulos. Esse módulo tem ainda uma bancada perfurada que garante 100% de renovação. ;Além do controle da amostra, não posso contaminar o operador. O ar sai por baixo da bancada e o fluxo não é renovável;, diz Olguita
Risco para pacientes
Em 2009, a Cetec realizou uma pesquisa sobre concentrados usados na hemodiálise e descobriu que é comum que o material apresente níveis altos de estrôncio, um metal apontado como uma das prováveis causas de doenças ósseas nos portadores de insuficiência renal crônica. No Brasil, 2 milhões de pessoas sofrem com algum tipo de doença renal e cerca de 72 mil pacientes fazem diálise de duas a três vezes por semana. Mesmo assim, não é uma prática comum monitorar níveis de estrôncio no sangue e na água utilizada para a hemodiálise.
PASSO A PASSO
Mostras
Para manter a limpeza nas mostras, a sala limpa só trabalha com recipientes que ela mesma fornece. Antes de entrar no laboratório, os recipientes são limpos com um pano umedecido em água
Operadores
Quem trabalha na sala também deve estar limpo de partículas. Para isso, os funcionários não podem se maquiar nem portar objetos pessoais. Antes de entrar no laboratório, eles lavam as mãos e vestem uniforme especial e exclusivo
1 - O ar entra na sala passando por dois filtros externos. O primeiro bloqueia partículas maiores e o segundo, mais fino, bloqueia as pequenas partículas
2 - O terceiro filtro desemboca dentro da sala em vários dutos. Ele também controla a velocidade da entrada do ar
3 - Depois que o ar entra e passa por toda a sala, ele sai por uma passagem controlada
4 - Ao sair, o ar retorna ao terceiro filtro, onde é misturado com 30% do ar vindo do filtro externo. Essa troca ocorre 50 vezes por hora, logo, o ar da sala é trocado, praticamente, minuto a minuto