Ciência e Saúde

Palmilha "inteligente" é capaz de regular a temperatura dentro do calçado

Paula Takahashi
postado em 10/01/2011 08:00
Amostra do sistema da descoberta dos professores João Francisco Justo Filho e Francisco Javier Ramirez Fernandez, da Poli/USPBelo Horizonte ; O cientista é movido pela curiosidade e passa a vida à procura de problemas para solucioná-los. Foi diante de mais um desafio que a dupla de professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) João Francisco Justo Filho e Francisco Javier Ramirez Fernandez descobriu a palmilha ;inteligente;, capaz de regular a temperatura dos pés. A patente já foi depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) ; pode ser classificada como patente em julgamento ; e o protótipo está sendo construído em laboratório.

João Justo, bacharel e mestre em física pela USP, Ph.D. pelo Massachsetts Institute of Technology (MIT), revela que a ideia surgiu em 2007, quando esteve como professor visitante na University of Minnesota, em Minneapolis, nos Estados Unidos, e deparou-se com um problema. Ele conta que a região norte dos EUA tem um inverno bastante rigoroso, com temperaturas chegando a cerca de 25 graus negativos de novembro a abril. Um dos grandes problemas do frio é caminhar, já que as calçadas são geladas e se sente muito frio na parte inferior dos pés.

A solução óbvia é usar sapato reforçado, com sola bastante grossa e isolante térmico. Mas o professor lembra que essa saída implica em outro obstáculo: nos ambientes interiores, o aquecimento deixa a temperatura perto de 25 graus. ;Assim, indo de um ambiente exterior para um interior, ou vice-versa, há variação de temperatura de aproximadamente 50 graus;, explica. Portanto, o sapato reforçado e isolante, conveniente para as áreas exteriores, é totalmente inconveniente para as interiores. O que as pessoas acabam fazendo é ter dois sapatos, um para cada tipo de ambiente. ;Identificado o problema, foi a partir de conversas com o professor Javier que encontramos a solução proposta. Nossa invenção propõe uma solução única, ou seja, um sapato para as duas condições climáticas;, acrescenta João Justo.

Assim surgiu o termo palmilha ;inteligente;, usado porque o sistema desenvolvido identifica a temperatura exterior do sapato como fria ou quente e permite a refrigeração dos pés nas situações apropriadas. Justo destaca que, antes do depósito da patente no INPI, eles fizeram cuidadosa pesquisa nos bancos de patentes norte-americanos, europeus e japoneses. E não existe no mundo nenhuma solução parecida com a proposta dos professores.

Células
Para entender melhor, João Justo procura explicar o funcionamento da palmilha ;inteligente; de forma bem didática: ;A palmilha faz uso de um dispositivo eletrônico, chamado células de Peltier. Essas células têm dois terminais elétricos (positivo e negativo) e duas regiões de superfície amplas (parecem bolachas, com superfícies A e B). Quando as células são polarizadas positivamente (ou seja, se coloca o terminal positivo de uma bateria no positivo da célula) a célula permite a condução de calor de um determinado lado para o outro (digamos que permite a passagem de calor somente de A para B). Invertendo a polarização da bateria, inverte-se também a direção permitida de condução de calor (de B para A);, esclarece.

A partir daí, uma espécie de termômetro, o termopar, é colocado na parte que faz contato com a sola do sapato. É ele quem identifica se o ambiente está quente ou frio. Se está quente, ele manda informação para um dispositivo controlador, que polariza positivamente as células de Peltier, permitindo passagem de calor da parte de dentro do sapato para a fora, refrigerando os pés. Agora, na situação inversa, se o termopar identificar que está frio, ele inverte a polarização da célula de Peltier, permitindo passagem de calor somente de fora para dentro. Como fora do sapato está frio, então a célula praticamente cria um isolamento térmico, não deixando o calor dos pés sair do sapato.

O professor lembra que ao retornar ao Brasil, no início de 2008, havia identificado o problema daquela situação, que era o sapato. Mas não tinha uma solução, ainda. ;A ideia se cristalizou somente no fim de 2009.;

Custo
A palmilha pode, em princípio, ser usada em qualquer calçado e nas mais variadas situações. Entretanto, é mais conveniente para períodos em que há grandes variações de temperatura, geralmente em países do Hemisfério Norte. ;No Brasil, ela pode ter boa utilidade para pessoas idosas, que sentem mais frio nos pés;, diz.

O grande benefício apontado pelo professor com a descoberta é o ;conforto térmico;. Não há previsão, no entanto, para o produto ser comercializado. Ele terá uma versão apenas, inicialmente, para homens e mulheres. ;Já fizemos contato com o setor industrial, mas ainda não temos ideia de quando chegará ao consumidor.;

Por outro lado, vale enfatizar que o custo para a produção em escala industrial não é exorbitante: ;Os componentes do sistema não seriam caros, podemos estimar que um par de palmilhas custaria, no máximo, R$ 50;. O ganho científico da descoberta? ;A palmilha ;inteligente; é um ganho primordialmente tecnológico.; Com todos os méritos.

Adereço útil
A palmilha pode ser usada em qualquer calçado. É indicada, entretanto, para períodos de maior variação de temperatura, como os registrados em países do Hemisfério Norte.

Ambiente externo quente
n O fluxo de calor é de dentro para fora do calçado, fazendo com que este resfrie o pé

Ambiente externo frio
n O fluxo de calor é de fora para dentro do calçado. Como está frio do lado de fora do sapato, o pé fica isolado termicamente, não perdendo calor.

Como funcionam as células de Peltier
O efeito Peltier consiste na circulação de uma corrente elétrica por junções de metais diferentes, fazendo com que uma seja aquecida (junção quente) e a outra resfriada (junção fria). Para transmissão da corrente elétrica, são usados semicondutores para uma maior densidade de corrente e, assim, de potência. Quando a corrente circula pelas junções, o calor é transferido de uma para outra.

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