Belo Horizonte ; A vacina contra a febre amarela pode ganhar novos parâmetros nos próximos anos e a obrigatoriedade da revacinação a cada década pode ficar no passado. Três pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) investigam aspectos que, se confirmados, vão mudar os protocolos de proteção. A primeira delas, chamada ;Duração da imunidade antiamarílica em crianças vacinadas de 9 a 12 meses;, estuda as diferenças entre a imunidade infantil e aquela adquirida por adultos. A segunda analisa se o uso de uma quantidade menor de vírus no medicamento tem o mesmo efeito da dose ministrada atualmente. Já a última pesquisa avalia a possibilidade de o período de imunização em adultos ser, na verdade, maior que o de 10 anos preconizado até hoje.
O estudo da duração da imunidade em crianças está sendo desenvolvido pelo Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR), braço da Fiocruz em Minas Gerais, em parceria com a secretarias estadual de Saúde e municipal de Saúde de Ribeirão das Neves e de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os estudos começaram em agosto do ano passado e serão concluídos em março. Está sendo coletado o sangue de crianças não vacinadas, vacinadas há um mês (período de referência da imunização) e há dois, quatro, sete e 10 anos. Além de verificar se a proteção tem duração superior ou equivalente a 10 anos, os pesquisadores investigam se depois de uma década ainda há memória imunológica semelhante àquela existente no período de 30 dias pós-vacinação. O coordenador do grupo de pesquisas em Biomarcadores do CPqRR, Olindo Assis Martins Filho, acredita numa pequena perda, mas suficiente ainda para garantir a proteção.
Os estudos da Fiocruz foram motivados pela expansão da febre amarela no país nos últimos 16 anos, que deixou zonas consideradas livres cada vez mais vulneráveis. Em 2000, o Ministério da Saúde mudou a política de vacinação ; até então destinada apenas a adultos moradores de zonas endêmicas ou de transição, ou ainda a quem viajava para essas áreas ;, depois da observação, principalmente em Minas Gerais, de casos da doença em áreas urbanas, contraída nos lugares de perigo. Por causa do surto, o calendário de imunização foi alterado e foram incluídas as crianças com idade entre nove e 12 meses, moradoras de regiões endêmicas e de transição.
;Com a nova recomendação, começamos a fazer alguns questionamentos à ciência. Será que a resposta de uma criança vacinada é a mesma dos adultos? A vacinação a cada 10 anos foi pensada para eles e não se sabe se a imunidade infantil é igual. Talvez elas ganhem proteção suficiente para não precisar da revacinação;, alerta Olindo Martins Filho. Além de garantir uma cobertura segura e eficaz, outro ponto importante diz respeito ao impacto na saúde pública. Antes do protocolo que incluiu os bebês, o Brasil aplicava 5 milhões de doses ao ano.
O Instituto Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fiocruz no Rio de Janeiro, é o responsável pela produção e distribuição da vacina para toda a América Latina, a África e as reservas estratégicas da Organização Mundial de Saúde (OMS). ;Se conseguirmos provar que o período de cobertura é maior, poderemos otimizar a produção e diminuir os custos;, afirma o coordenador.
Outro estudo em curso é o de padrão de resposta, que verifica se os adultos adquirem o mesmo patamar de imunidade quando recebem uma dose menor da vacina. Nesse caso, o volume do medicamento é o mesmo. O que diminui é a quantidade de vírus em cada porção. Os pesquisadores estão testando 246 unidades formadoras de placas (PFU) por dose, número 200 vezes inferior à quantidade aplicada atualmente, de 60 mil PFU. Os testes estão sendo feitos em militares do Rio de Janeiro. Os estudos contam com apoio do René Rachou, do Instituto Bio-Manguinhos, do Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e do Exército.
A pesquisa da duração da imunidade em adultos foi aprovada pelo Ministério da Saúde e deve começar em abril, para ser concluída num prazo de um ano. Está à frente a Diretoria Regional da Fiocruz de Brasília (Direb), em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), o CPqRR, o Bio-Manguinhos e a Aeronáutica (os paraquedistas serão voluntários). Segundo Olindo Martins Filho, há estudos isolados mostrando que os efeitos da vacina podem durar até 80 anos. ;Alguns indivíduos que receberam a imunização em 1930, quando ela foi aplicada pela primeira vez, ainda tinham proteção este ano. Não há embasamento científico, embora já haja respostas;, diz.
Serão avaliadas pessoas vacinadas há uma década e há mais de uma década para medir os impactos e os benefícios da revacinação. ;Se forem comprovadas as vantagens dela, o estudo dará suporte para a imunização a cada 10 anos. Se não constatar melhorias, veremos se não é preciso vacinar novamente ou se um número reduzido da dose seria suficiente;, acrescenta.
Novos rumos
Os resultados estarão disponíveis este ano e, caso as hipóteses se confirmem, as pesquisas deverão ser discutidas no Comitê Nacional de Febre Amarela, para só depois o Ministério da Saúde mudar os protocolos. Emboras as respostas ainda sejam uma incógnita, os cientistas já comemoram alguns resultados. Segundo o coordenador do René Rachou, o grande desafio hoje é conhecer as bases científicas que estão por trás do modelo tão eficaz e seguro da vacina contra a febre amarela. Vários pesquisadores acreditavam que, para proteger de um vírus, uma vacina deveria ser capaz de proporcionar uma resposta segundo a qual, em contato com o vírus, o organismo inflama, mata o microorganismo e fica protegido de infecções.
Uma das principais descobertas das três linhas de pesquisa é que, no caso da febre amarela, o medicamento é misto: depois de vacinado, inflama e anti-inflama, ao mesmo tempo. ;Houve uma mudança de paradigma de que inflamar é bom. O segredo para se ter reações mínimas depois de vacinado contra a febre amarela parece ser o fato de inflamar e induzir, paralelamente, o controle da inflamação.;
Informações
Sintomas
; Febre alta, calafrios, dor de cabeça intensa, dores musculares, abatimento, náuseas e vômitos por cerca de três dias. Há melhora por algumas horas ou, no máximo, por dois dias. O caso evolui para a cura ou fica mais grave, com aumento da febre, da diarreia e de vômitos com aspecto de borra de café.
Período de incubação
; Varia de 3 a 6 dias, após a picada do
mosquito infectado.
Tratamento
; Não existe tratamento antiviral específico. O paciente deve ser hospitalizado e permancer em repouso, com reposição de líquidos e das perdas sanguíneas, quando indicado. Os quadros fulminantes exigem atendimento em unidade de terapia intensiva, o que reduz as complicações e o risco de morte.
Medidas de controle
; A vacinação é a mais importante medida. É dada em dose única e confere proteção próxima de 100%. Pelo protocolo atual, deve ser realizada a partir dos 9 meses e prevê o reforço a cada 10 anos, nas zonas endêmicas, de transição e de risco potencial, bem como para todas as pessoas que se deslocam para essas áreas.
; Notificação imediata de casos humanos, casos de disseminação rápida e de achados do vírus em
mosquitos silvestres.
; Vigilância sanitária de portos, aeroportos e passagens de fronteira, com a exigência do certificado internacional de vacina, com pelo menos 10 anos da última dose aplicada para viajantes procedentes de países ou área endêmica de febre amarela.
; Controle do Aedes aegypti, para eliminação do risco de reurbanização do mosquito.
; Desenvolvimento de ações de educação em saúde.
Existem duas formas de transmissão da doença
Febre amarela Silvestre (FAS)
O contágio ocorre quando o mosquito pica um macaco infectado. Os primatas são hospedeiros naturais da doença. Homens não vacinados que frequentam áreas silvestres ficam sujeitos a ser picados por mosquitos infectados, entrando nesse ciclo acidentalmente.
Febre amarela urbana (FAU)
O contágio ocorre quando o homem infectado no campo volta para a cidade e é picado pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite a dengue. O inseto pode, então, contaminar outras pessoas. O Ministério da Saúde destaca, porém, que não há registros de contaminação pelo Aedes aegypti desde 1942.