postado em 31/01/2011 09:11
Encontrar culpados pelo aquecimento global é atividade da moda na comunidade acadêmica. Porém, quando a culpa recai sobre um interesse estratégico do país, a defesa é necessária. Publicações internacionais apontaram nações de clima tropical com ampla quantidade de reservatórios de hidrelétricas como potenciais emissores de gases do efeito estufa. Como resposta, o Ministério de Minas e Energia (MME) disponibilizou, no fim do ano passado, aproximadamente R$ 26 milhões para pesquisar 11 reservatórios, nas cinco regiões do Brasil. A pesquisa, que começa no mês que vem, possibilitará avaliar o real efeito das hidrelétricas sobre o aumento da temperatura global. O coordenador do Programa de Pós-graduação em Ecologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata mineira, Fábio Roland, explica que o estudo em âmbito nacional será a continuação de uma pesquisa iniciada em 2003 e financiada por Furnas Centrais Elétricas. O objetivo dessa primeira análise era estudar o balanço de carbono em reservatórios de hidrelétricas localizadas no cerrado brasileiro, com atenção especial aos processos de regulação e às emissões de gás carbônico e metano. O professor ressalta que outros elementos relacionados ao efeito estufa também foram estudados, apesar de não serem integrantes do ciclo do carbono.
A pesquisa, concluída em 2008, focou oito reservatórios, com diferentes idades de enchimento, distintas características morfológicas e variadas capacidades de geração de energia. Os resultados estão em fase de publicação em documentos científicos internacionais, mas Roland adianta: ;Os reservatórios das hidrelétricas estudados no cerrado não são vilões para as mudanças climáticas, sobretudo se comparados às termelétricas movidas a óleo e a carvão, estas significativamente mais emissoras de gases associados ao efeito estufa;. O professor da UFJF destaca ainda que a discussão é integrante fundamental da agenda nacional e internacional associada às mudanças climáticas.
Condenação
Na opinião de Roland, o Brasil entende a temática como estratégia científico-tecnológica vital para a soberania nacional: ;Além do Brasil, outras importantes economias mundiais, como China, Índia, Rússia e Canadá, têm suas matrizes energéticas associadas à hidroelétricas e não devem ser condenadas por isso. O Brasil, porém, pode ser condenado por outros graves desvios no uso dos recursos naturais, como as queimadas, os desmatamentos e a poluição dos recursos hídricos, que transformam expressivamente as rotas no ciclo do carbono, promovendo desequilíbrios no balanço de CO2;. O estudo iniciado em 2003 também concluiu que os reservatórios antigos emitem menos gases que os novos. Isso se deve à decomposição da biomassa ; vegetação e solo ; inundada durante o período de enchimento do reservatório, derivado do barramento dos rios.
Os resultados obtidos pelo projeto financiado por Furnas são estratégicos. No momento da instalação da segunda fase do projeto, o MME decidiu ampliar a pesquisa para todo o complexo Eletrobras, atingindo um maior espectro do território nacional, abrangendo os principais biomas brasileiros. A nova fase de pesquisa inclui reservatórios como Itaipu e alguns localizados na Região Norte. A hidrelétrica de Belo Monte também será objeto de pesquisa no âmbito do projeto. Além da UFJF, que sozinha receberá R$ 2,6 milhões, o projeto está construído com base na cooperação com outras instituições: as universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ), do Paraná (UFPR) e do Pará (UFPA), o Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A coordenação do projeto ficará a cargo do Centro de Energia Elétrica (Cepel), da Eletrobras. As instituições envolvidas são responsáveis por estudar os diferentes compartimentos dos reservatórios ; coluna d;água, fundo sedimentar e bacia de drenagem ; e a atmosfera, além de criar modelos matemáticos que podem fazer previsões.
Ecossistemas tropicais
De acordo com o professor Roland, o imenso banco de dados que será gerado permitirá ainda um avanço na compreensão dos ecossistemas tropicais. A primeira reunião técnica será em 8 de fevereiro. Os dados coletados pela pesquisa deverão ser usados no relatório de emissão de gases do efeito estufa do governo federal e no Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas (PBMC). O projeto tem prazo de dois anos para ser concluído.
O professor explica que a dificuldade dos cientistas que estudam os ecossistemas aquáticos é que, na maiorias das vezes, não é possível ver o objeto estudado. Esse fato exige a adequação e o uso de equipamentos especiais para as coletas e as análises das amostras. Na pesquisa nacional, serão avaliados 11 reservatórios, e as equipes irão a campo quatro vezes por ano, para respeitar as diferenças entre as estações climáticas. Com isso, uma ampla malha horizontal de amostragem será executada.
;É muito importante estudar as algas, por exemplo, pois elas retiram nutrientes da água, fazem fotossíntesse, puxam dióxido de carbono e liberam oxigênio;, acrescenta Roland. Outros micro-organismos, como bactérias e animais microscópicos também atuam nos fluxos de CO2 nos ecossistemas aquáticos. Ele destaca ainda o papel das bactérias metanotróficas, responsáveis pela síntese do gás metano em reservatórios. ;O metano, quando liberado para a atmosfera, exibe um potencial de aquecimento cerca de 21 vezes maior que o CO2;. Porém, o professor minimiza esse efeito, afirmando que parte do metano é oxidado na coluna d;água e transformado em CO2 antes de chegar à superfície. Ele informa ainda que, considerando toda a emissão de carbono pelos ecossistemas aquáticos do planeta (excluindo os oceanos), os reservatórios de hidrelétricas são responsáveis por menos de 5% da emissão total.
Calor retido
A expressão efeito estufa é uma analogia às salas de vidro onde flores e outros vegetais são cultivados. A luz solar entra no local, mas o calor fica retido. O mesmo ocorre no planeta, sendo que a atmosfera faz o papel da cobertura da estufa. Esse efeito vem crescendo devido ao aumento da emissão de gases que ficam presos à atmosfera, principalmente o carbono e o metano.
Dentro da represa
; As algas retiram nutrientes da água, fazem fotossíntesse, puxam dióxido de carbono e liberam oxigênio
; Bactérias e animais microscópicos também atuam no fluxo de CO2
Gases
(CO2, metano e oxigênio)
Bactérias
metanotróficas
; Bactérias metanotróficas fazem a síntese do gás metano, 21 vezes mais nocivo do que CO2
Algas
Sedimentos