Ciência e Saúde

Projeto Genoma pode ajudar na luta contra o tumor maligno de próstata

Paloma Oliveto
postado em 10/02/2011 08:00
Dez anos depois da publicação dos primeiros resultados do Projeto Genoma Humano, a decodificação do livro da vida pode ajudar a ciência a lutar contra o sexto tipo de câncer mais incidente entre os homens: o tumor maligno de próstata. Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram mapear todo o genoma de diversos tecidos cancerígenos retirados da glândula. O resultado foi surpreendente e forneceu importantes pistas sobre como a doença se desenvolve. Liderado por pesquisadores do Dana-Farber Cancer Institute e da Faculdade de Medicina Weill Cornell, o estudo foi publicado na edição de ontem da revista especializada Nature.

Diferentemente de outros métodos que focam partes específicas do genoma, o sequenciamento total permite que os cientistas tenham uma visão completa do DNA tumoral, possibilitando a identificação de mutações e padrões de desenvolvimento do câncer com maior precisão. No artigo da Nature, os pesquisadores liderados por Levi Garraway e Mark Rubin utilizaram a técnica para decifrar o genoma de sete tumores de próstata. As amostras foram comparadas a tecidos saudáveis com o objetivo de encontrar anomalias associadas ao câncer.

;O sequenciamento total do genoma nos fornece descobertas fascinantes sobre uma categoria de alterações que podem ser especialmente importantes no câncer de próstata;, explicou Garraway ao Correio. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), em valores absolutos, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os brasileiros, atrás apenas do de pele não melanoma. No país, surgem mais de 52 mil casos novos por ano, com aproximadamente 12 mil óbitos relacionados à doença. Garraway conta que, nos Estados Unidos, é o segundo tumor maligno mais letal entre os homens, com mais de 30 mil mortes e 200 mil novas incidências anuais. O pesquisador explica que os maiores objetivos da ciência nessa área são o desenvolvimento de uma droga mais potente e a descoberta de características genéticas do tumor, o que poderá melhorar o diagnóstico e o tratamento.

Mark Rubin, coautor do estudo, diz que a pesquisa não buscou apenas erros na ;soletração; do DNA, mas em todos os parágrafos do genoma onde o texto foi rearranjado. ;Uma das grandes surpresas foi o fato de o câncer de próstata não ter um grande número de letras trocadas mas, em vez disso, apresenta uma quantidade significativa de rearranjos;, explica.

;Nós nunca adivinharíamos que havia tantas alterações desse tipo antes, pois não possuíamos as ferramentas corretas para procurá-las;, disse ao Correio.

Sopa de letrinhas

Para entender o que há de excepcional na descoberta, é preciso relembras as aulas de biologia. O DNA é composto por bases nitrogenadas, as chamadas letras químicas A (adenina), T (timina), C (citosina) e G (guanina). Combinadas, as letras formam pares que se encaixam (AC, TA e GC, por exemplo). A sequência de letras é decifrada dentro da célula e, graças à ;receita;, é possível criar as proteínas que conduzem o metabolismo humano. Alterações em um encaixe qualquer pode provocar mutações. Na pesquisa da Nature, foram identificados verdadeiros ;parágrafos; trocados. Essas sequências fora de lugar são conhecidas como rearranjos genômicos e acontecem quando um pedaço do DNA se ;descola; do genoma para, depois, se acomodar em outro local.

Quando ocorrem os rearranjos, novos genes ; os genes de fusão ; podem ser criados, provocando uma confusão no organismo. Ao investigar os genes afetados pelas mudanças do DNA nas amostras de tumor maligno de próstata, os cientistas encontraram estruturas ligadas à doença e descobriram novos mecanismos que podem estar por trás do câncer como um todo. ;Essa primeira análise do genoma total nos mostrou provas bastante contundentes para diversos genes do câncer de próstata que ainda não eram conhecidos pois não tínhamos, até agora, essa decodificação tão completa;, comentou Garrway.

Segundo o cientista, diversos tumores continham rearranjos que interrompiam o funcionamento de um gene que codifica a proteína CADM2, parte de uma família proteica que previne a formação de tumores, conhecida como supressora tumoral. Três amostras também continham mutações envolvendo um grupo de moléculas que desempenham um importante papel preventivo, evitando que as proteínas percam suas propriedades originais. Medicamentos usados no tratamento do câncer baseados nessas estruturas estão em estudo clínico ; realizado com seres humanos ;, mas até agora não está claro se pacientes com tumor maligno de próstata serão beneficiados pelas drogas.

Outro rearranjo genômico recorrente identificado no estudo envolve os genes PTEN e MAGI2. O PTEN é um conhecido supressor tumoral, e o MAGI2 parece ser seu ;parceiro;, ajudando o gene a trabalhar contra o câncer. Mutações encontradas em uma ou em ambas estruturas influenciam também o desenvolvimento do tumor maligno. Drogas que inibem o padrão desses genes também estão sendo criadas, o que aumenta a possibilidade de serem aplicadas no combate ao câncer de próstata.

Catálogo
Além da descoberta dos novos genes, o sequenciamento completo também forneceu pistas sobre como o rearranjo genômico ocorre. Com um catálogo das mutações nas mãos, os pesquisadores procuraram onde exatamente as partes do DNA se desprendem e a região para a qual migram. Eles descobriram que os rearranjos não ocorrem da mesma forma em todo o genoma. Em vez disso, em alguns tumores os eventos tendem a surgir em áreas inativas, enquanto que, em outros, em locais de extrema atividade. Esse padrão sugere que erros ocorridos nas células quando elas ligam ou desligam a atividade de um gene levam aos rearranjos, que, portanto, têm um papel crucial no desenvolvimento do tumor maligno.

A descoberta pode fornecer, ainda, uma nova técnica para o diagnóstico do câncer de próstata. Atualmente, quando os pacientes são diagnosticados com a doença, é quase impossível para os médicos determinar se a doença vai avançar rapidamente ; o que requer um tratamento mais agressivo ; ou se o tumor crescerá lentamente, exigindo um outro tipo de abordagem. ;Esse estudo pode melhorar nossa habilidade de desenvolver novos marcadores para o diagnóstico do câncer de próstata. Podemos também imaginar, eventualmente, a criação de ferramentas mais personalizadas para pacientes com tumores recorrentes, por meio de testes sobre a alteração do genoma;, explica Rubin.

Apesar de as descobertas precisarem de mais estudos, incluindo um número maior de amostras de tecidos doentes, as análises iniciais abriram novas janelas para a investigação do câncer, acreditam os pesquisadores. ;Muitas dessas questões eram invisíveis antes do sequenciamento total. Agora, estamos descobrindo que, ao sequenciar todo o genoma do câncer de próstata, há muito mais a ser visto. Essas descobertas estão nos ensinando muito sobre a biologia do tumor, coisas que simplesmente não sabíamos antes;, conclui Garraway.

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