Ciência e Saúde

Portadores de doença no sangue dependem de remédio importado de US$ 40 mil

postado em 12/02/2011 08:00
Não bastasse a enorme dificuldade para obter um diagnóstico e as duras complicações geradas pela doença ; que podem inclusive levar à morte ;, quando finalmente descobrem que estão padecendo com um grave problema no sangue, os portadores de hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) precisam enfrentar dois novos e gigantescos problemas. O primeiro obstáculo é que há apenas um medicamento no mundo destinado a amenizar o sofrimento. O remédio custa absurdamente caro para ser importado (em média, cada mês de tratamento custa US$ 40 mil, cerca de R$ 68 mil, já que não é produzido no Brasil) e, como não é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não é oferecido na rede pública de saúde. Para obtê-lo, os pacientes precisam entrar na Justiça para forçar o Estado a pagar o tratamento. A segunda dificuldade deriva da única esperança de cura, um transplante de medula. Para conseguir um doador, é necessário enfrentar uma longa fila.

Caracterizado pela destruição dos glóbulos vermelhos no sangue, a hemólise, o problema traz uma série de complicações (veja infografia) e ainda não se sabe ao certo sua causa. De acordo com o hematologista Leandro Gomes, a HPN origina-se nas células-tronco da medula óssea, que adquirem uma mutação genética, tornando as hemácias mais suscetíveis à destruição. A hemólise diminui o número de glóbulos vermelhos, provocando anemia. Nesse momento, ocorre a liberação de várias substâncias nocivas no organismo, que normalmente ficam presas dentro das células. ;Como consequência, há um grande aumento no risco de tromboses graves, enfartos, derrames, problemas pulmonares e nos rins, podendo até levar o paciente à hemodiálise;, explica o hematologista e especialista em HPN do Hospital Sírio Libanês de São Paulo Celso Arrais.



O médico afirma que as complicações estão relacionadas à formação de coágulos em praticamente qualquer vaso do corpo, algo que, em órgãos como cérebro e pulmão, é potencialmente fatal. ;De uma maneira geral, os pacientes sentem-se extremamente cansados;, comenta. A maioria das pessoas com HPN apresenta graus variáveis de fraqueza e fadiga, o que atrapalha as atividades diárias. ;São ainda comuns fortes dores abdominais, dificuldade para engolir, problemas de ereção e falta de ar;, ressalta Arrais. Vale lembrar que a HPN não é transmissível e nem hereditária.

Única cura
O hematologista Leonardo Gomes conta que o único tratamento curativo para a doença é o transplante de medula óssea. Entretanto, existe uma medicação que controla a doença, diminuindo a destruição das células vermelhas e, consequentemente, os sintomas da doença. ;Infelizmente, essa droga ainda não está aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil;, lamenta.

Em junho de 2006, a paulistana Vera Caratim deu entrada no hospital com febre, tosse, enjoo e um aspecto amarelado na pele. A urina também teve alteração, passando a escura. Após vários exames, foi concluído o diagnóstico de HPN. ;Eu estava hemolizando e precisei fazer transfusão de sangue pela primeira vez;, recorda. Ela conta que, à época, sentia-se mal, fraca e ficava na cama em tempo integral.

Com tantas idas e vindas aos hospitais, foi constatada uma trombose nas veias hepáticas, chamada de síndrome de Budd-Chiari. Nesse estado, as veias porta e cava ficam danificadas e é preciso realizar o tips, procedimento que faz um desvio entre as veias por meio de uma prótese. ;A partir daí, passei a tomar anticoagulante e, com o tempo, o fígado se recuperou;, conta. Nesse período, Vera soube que um laboratório nos Estados Unidos estava testando um medicamento para amenizar os sintomas da doença. ;Juntei laudos, relatórios, receitas e contratei um advogado para entrar com ação judicial. Consegui uma liminar em 2008 que me deu acesso à medicação. Fui a primeira mulher a tomar o medicamento no Brasil;, lembra.

Judicial
Segundo a advogada da Associação Brasileira de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (ABHPN), Fernanda Tavares, mesmo a legislação do país assegurando o direito à saúde pela Constituição Federal, os pacientes enfrentam dificuldades para conseguir o tratamento. De acordo com ela, o remédio para a HPN foi considerado ;órfão; pela European Medicines Agency (EMEA), significando que, na falta dele, o tratamento é meramente paliativo. ;A importação de medicamentos não é regra no SUS, mas é considerada em casos excepcionais", diz. A advogada lembra que, nessas ocasiões, fica nas mãos dos juízes, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), obrigar o Estado a adquirir o remédio

Fernanda conta que o grande desafio é enfrentar o entendimento jurisprudencial. Muitas vezes, os juízes resistem a autorizar as importações de remédios não aprovados pela Anvisa. Na opinião da advogada, isso se deve a questões puramente burocráticas, que nem sempre se relacionam à segurança e à eficácia do fármaco em questão. ;Além disso, mesmo diante de uma decisão positiva do Judiciário, ainda se faz necessária a pressão junto aos entes públicos para que cumpram a ordem judicial, e em prazo hábil, de forma a não trazer ainda mais prejuízos à saúde dos pacientes, sem dúvida os mais prejudicados em toda essa história;, destaca.

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