Ciência e Saúde

Mudanças que marcaram a humanidade podem ter sido influenciadas pelo clima

Em estudo publicado recentemente na Science, especialista suíço encontra evidências de que variações na temperatura e no regime de chuvas podem ter influenciado eventos como a ascensão e a queda do Império Romano e o surgimento da peste bubônica

postado em 14/02/2011 09:46
Ulf Büntgen, autor do estudo" />Uma investigação que mira o passado, mas pode trazer grandes lições para o presente. Assim pode ser descrito o estudo do paleoclimatólogo Ulf Büntgen publicado recentemente na revista científica Science. O pesquisador do Instituto Federal Suíço de Pesquisas Florestais, Neve e Paisagens relacionou as modificações no clima europeu dos últimos 2,5 mil anos com fatos históricos importantes. De acordo com ele, as variações climáticas estariam entre os fatores que influenciaram tanto a ascensão e o colapso do Império Romano (nos anos 27 a.C. e 476 d.C.) como o surgimento, no século 14, da Peste Negra, que causou a morte de 25 milhões de europeus.

O curioso é que as conclusões surgiram a partir da análise de anéis de árvores ; as linhas circulares que podem ser vistas quando a madeira é cortada transversalmente. Já se sabia que os anéis das árvores, em climas úmidos e quentes, crescem maiores e mais distantes entre si, e, em climas secos e frios, mais estreitos e próximos uns dos outros. Por meio das análises dessas marcas, é possível averiguar a temperatura e a quantidade de água disponível no local em que a árvore cresceu.

O que não se esperava é que as variações observadas nos sinais feitos ao longo do tempo em árvores na Europa apresentariam uma grande coincidência com períodos de prosperidade e crise. A pesquisa liderada por Büngten ; que analisou anéis de 9 mil pedaços de troncos de árvore e peças de madeira na Europa Central ; mostra que as oscilações de temperatura e precipitação influenciaram a produção agrícola, a propagação de doenças e o nível de conflito nas sociedades pré-industriais.

No ápice do Império Romano, em 117 d.C., por exemplo, os verões eram quentes e úmidos, o que beneficiava a produção de alimentos, consequentemente beneficiando a economia. Pouco mais de um século depois, as baixas temperaturas e o clima seco, intensificados entre 250 d.C. e 600 d.C., coincidiram tanto com o colapso do império quanto com o período de migração. Essas mudanças teriam afetado a agricultura e sido uma das causas da inflação na região.

Já na Idade Média, especialmente nas dinastias Merovíngia (481 d.C. a 751 d.C.) e Carolíngia (751 d.C. a 987 d.C.), o desenvolvimento cultural e político na Europa aconteceu paralelamente ao clima úmido e ameno. Ainda na era medieval, a peste bubônica, um dos acontecimentos mais trágicos para a população do continente, coincidiu com uma queda de temperatura no Atlântico Norte e com a abrupta desertificação da Groenlândia, possivelmente devido à fome entre a população local. ;Esse também foi um período de bastante umidade, o que aumenta consideravelmente a proliferação de bactérias;, diz o especialista suíço ao Correio.

Determinismo
Segundo o historiador João Vicente Dias, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as comunidades humanas dependem muito do meio em que vivem, mas, ao mesmo tempo, possuem a capacidade de superar as dificuldades e os obstáculos que o meio ambiente impõe. ;Exemplos disso são os inuítes (esquimós que vivem na região ártica do Canadá, do Alasca e da Groenlândia), que convivem com temperaturas mínimas na extremidade norte do continente americano e os beduínos no deserto do Saara, que se adaptaram ao clima árido daquele lugar;, aponta.

Para Dias, as sociedades não são reféns das mudanças ocorridas no hábitat onde vivem. ;Um período de clima propício pode ter potencializado o crescimento do Império Romano, mas não creio que foi condicional para essa expansão, que dependeu principalmente da habilidade das elites de Roma para criar soluções econômicas, sociais, culturais e políticas;, exemplifica. Ele assegura que, mais importante do que o clima, é a capacidade de um grupo manter-se coeso para se preparar e resistir a adversidades.

Na opinião de Expedito Rebello, chefe da divisão de pesquisas aplicadas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a variabilidade climática não seria um fator essencial para causar transformações sociais. ;Os fenômenos do estudo são responsáveis por secas, enchentes, inverno mais frio, mas nada que mude drasticamente a vida da população;, afirma. Ele destaca que as variações de temperatura e de quantidade de chuva são comuns ao longo do ano. Os fenômenos El Niño e La Niña, por exemplo, ocorrem a cada 12 ou 18 meses. Embora interfiram na vida dos moradores dos locais afetados, são previsíveis, pois acontecem constantemente. ;Por isso, cabe à sociedade tomar providências para se proteger, já que não dá para acabar com esses fenômenos;, opina.

O autor do estudo divulgado na Science diz que sua descoberta não permite afirmar que o clima determina eventos históricos, apenas podem influenciá-los. ;Após reconstruir as variações de precipitação e temperatura de quase três milênios, o que podemos fazer é comparar esses dados e compreender a interferência desses fatores sobre as sociedades antigas;, explica Büngten. Ele afirma que distinguir quais foram os impactos ambientais e quais os sociais que interferiram nas civilizações é difícil, devido à escassez de material de estudo de alta qualidade. ;Nós não queremos que as pessoas pensem em ;determinismo climático;, até porque não temos evidências substanciais para fazer isso. Se as condições de higiene naquele período (Idade Média) fossem consideravelmente melhores, é possível que a doença não tivesse se tornado uma epidemia e que milhares de vidas tivessem sido preservadas;, exemplifica.


Oscilações
Variações climáticas são diferentes de mudanças climáticas. As variações representam a oscilação da temperatura, da quantidade de chuva e da nebulosidade em determinado período em regiões específicas. Esse processo ocorre naturalmente e tem origens diversas, como a intensidade de raios solares sobre a superfície terrestre e o movimento da Terra em torno do Sol ou dela mesma. Já a mudança designa a alteração do clima, de maneira constante, em grandes espaços de tempo (cerca de 20 anos). Suas causas podem ser naturais ou estar ligadas à interferência do homem sobre o meio ambiente, como a emissão de gases que ampliam o efeito estufa.


Ratos e pulgas
A epidemia que devastou a Europa chegou à Península Itálica pela Ásia, em 1348. A bactéria da doença, Yersinia pestis, foi transmitida aos seres humanos principalmente pela mordida de ratos e pulgas. A peste bubônica afetava os sistemas linfático e circulatório, criando inchaço por todo o corpo e levando à morte. Outra variação da epidemia entrava no corpo humano pelas vias aéreas, atacando o sistema respiratório. Essa variação era conhecida como peste pneumônica.

Em estudo publicado recentemente na Science, especialista suíço encontra evidências de que variações na temperatura e no regime de chuvas podem ter influenciado eventos como a ascensão e a queda do Império Romano e o surgimento da peste bubônica

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