Ciência e Saúde

Inca e hospital lançam cartilha para ajudar médicos a dar más notícias

postado em 27/02/2011 02:38

Diagnosticada com um câncer no olho, Joyce Batista ouviu do médico: 'O único tratamento aqui é arrancar o seu olho'Uma forte dor nas costas, transformada em desespero pela falta de tato do médico ao transmitir o diagnóstico, levou Maria Mesquita, a mãe de Jeferson Augusto Mesquita, a desistir de viver. Enquanto ela e a família acreditavam que a dor não passava de um sintoma da idade avançada, o profissional, sem nenhuma cerimônia, seca e impiedosamente, informou-lhe que o incômodo tratava-se de um câncer no pulmão. Como se não bastasse a gravidade da doença, a falta de preparo ; ou simples descaso com os sentimentos alheios ; do médico ao contar a má notícia fez com que ela ficasse imediatamente em choque, segundo o filho. Como forma de minimizar os danos desse tipo de abordagem, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, lançaram o livro Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. É uma espécie de ;cartilha das más notícias;.

Os exemplares serão distribuídos para todas as redes vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Priscila Magalhães, responsável pela coordenação da Política Nacional de Humanização do Inca, o objetivo do programa é que a publicação contribua para a inclusão e a valorização do tema nas relações entre os profissionais de saúde e os pacientes e familiares. ;Espera-se também que a leitura dos artigos estimule a discussão e a multiplicação de iniciativas similares;, diz.

Priscila sabe que receber a má notícia é muito ruim, mas acredita que também os médicos sofrem, devido à sensação de impotência do profissional, o que torna ainda mais difícil para eles desempenharem o triste papel de mensageiros. Para a psicóloga, os médicos se decepcionam com o diagnóstico negativo e a impossibilidade de cura. ;É difícil enfrentar o insucesso, os limites ou os efeitos adversos dos tratamentos. Existem notícias difíceis do ponto de vista social, psicológico, dos cuidados de enfermagem, da falta de recursos e medicamentos;, comenta.

O objetivo maior é que histórias como a da mãe de Jeferson não se repitam. A desventura de dona Maria ; e da família ; começou no sábado de carnaval de 2008. Com dores nas costas, procurou atendimento emergencial. Fez uma série de exames e, depois de 15 dias, recebeu a notícia de que estava com câncer no pulmão. ;Ninguém desconfiava de nada. O médico perguntou o que ela sentia e, quando ela respondeu que estava cansada, ele disparou: ;A senhora está com câncer;;, recorda o filho. Segundo ele, houve falha na comunicação da equipe e, talvez por isso, o médico achou que todos esperavam apenas a confirmação.

Mesquita acredita que a mãe começou a morrer a partir daquela notícia. ;Ela ficou deprimida, se entregou, embora à época ela dissesse que estava lutando para viver;, afirma. O filho diz que procurou outras opiniões, tentou acalmar a mãe, mas os esforços foram em vão. ;Eu sei que a doença é cruel, mas a forma como foi abordada teve papel fundamental, agravando o estado dela, ainda que apenas o psicológico;, ressalta. A mãe dele morreu em 2009.

;Arrancar o olho;

Para Priscila Magalhães, os profissionais precisam se preparar para comunicar a notícia difícil e também contar com o apoio da equipe, dos gestores e da rede de saúde. Ela destaca que, dependendo da pessoa, da situação que está enfrentando e do apoio, a forma como o paciente recebe a notícia pode ter consequências nefastas, do abandono do tratamento à desesperança, à completa desestruturação emocional.

Contudo, com Joyce Queiroz Batista, hoje com 27 anos, foi diferente. Aos 17, ela se viu diante de uma escolha difícil: engravidar logo ou não poder gerar filhos nunca mais. A moça estava com endometriose e o ginecologista afirmou que não demoraria muito até ela ter que retirar os ovários. ;É claro que eu queria ter filhos, mas não naquele momento, naquela idade;, afirma. Ela fez tratamento e, contrariando o prognóstico médico categórico, engravidou duas vezes: uma aos 21 e outra aos 26 anos. ;Tenho meus ovários até hoje;, festeja.

Crente que não passaria por outro susto, Joyce fez um exame de rotina no oftalmologista e descobriu que um sinal no olho esquerdo significava um problema ; embora ainda não soubesse exatamente qual. Os médicos não diziam o que ela tinha, apenas a aconselhavam a procurar uma médica em São Paulo. Assustada com o mistério, Joyce buscou outra opinião ; e foi posta, novamente, na berlinda. ;O médico me disse: ;Por que você ainda não foi para São Paulo? O único tratamento aqui é arrancar o seu olho;, lembra. Ela agora luta para conseguir tratamento.

A gerente de treinamento do Albert Einstein, Cristina Mizoi, aposta na simulação realística com cenários que replicam as experiências da vida real para treinar os médicos. ;Simulamos os pacientes com robôs, manequins estáticos e atores profissionais;, descreve. Ela explica que, entre os aspectos trabalhados, destacam-se o envolvimento e as habilidades técnicas, cognitivas e comportamentais. ;É permitido errar, pois o ambiente é controlado e as condutas são discutidas. O treinamento permite perceber onde o erro foi cometido e como pode ser prevenido;, salienta.

Choque

Direito que foi negado a Walter Machado. Depois de sentir-se mal, ele foi para a emergência, fez alguns exames e recebeu o diagnóstico de que estava com leucemia profunda. ;O choque foi tão grande que não lembro de mais nada depois da notícia;, afirma. A partir daí, Walter ficou atônito, não conseguia caminhar, comer ou se comunicar. A esposa dele, Rosa Machado, é quem conta a história.

;Passamos por vários hospitais, onde sempre aplicavam sedativos nele, pois ele estava com alucinações;, recorda. Após alguns dias de desespero e atendimento quase inexistente, um médico assumiu o caso e descobriu que, na verdade, ele estava com púrpura (doença no sangue). ;Foram 18 dias na UTI, oscilando entre estado de coma e alucinações. Foi horrível. Ainda bem que ele se recuperou;, descreve. Rosa acredita que o estado mental do marido foi agravado pelo pavor resultante do diagnóstico do primeiro médico, uma vez que as alucinações não faziam parte dos sintomas da doença.

No Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital de Apoio de Brasília, o que não falta são pessoas com histórias de notícias ruins. A chefe da unidade, Anelise Carvalho Pulshen, explica que os pacientes chegam deprimidos por saberem que dali eles não saem mais. ;São pacientes terminais, que não recebem essa informação delicadamente;, comenta. Ela acha que muitos profissionais esquecem que estão lidando com seres humanos. ;É preciso se colocar no lugar dessas pessoas. Hoje, é um desconhecido, mas amanhã pode ser um parente ou até nós mesmos;, aconselha. Para ela, os profissionais precisam resolver os próprios problemas e saber separar as situações, para não acabarem com a pouca esperança do paciente. ;É preciso dar apoio, confiança. É disso que o paciente precisa;, acredita.

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