postado em 17/03/2011 07:00
O que a comunidade científica sabe hoje sobre as equações moleculares do câncer, suas formas de diagnóstico e de tratamento, testes laboratoriais avançados e novas drogas seria impensável cinco ou seis anos atrás. De posse desse arsenal de ideias, máquinas, homens e medicamentos, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) apresentará, em breve, ao país, o primeiro modelo de um mapa molecular com o perfil de grande parte dos cerca de 500 mil casos anuais da doença no país.O perfil molecular da população privilegia, numa fase inicial, alguns tipos de câncer, como o de pulmão e linfomas, e leva em conta o contingente ambulatorial de cerca de 130 mil atendimentos mensais em quimioterapia e de 98 mil em radioterapia, para um levantamento de dados que jamais foi feito no Brasil de forma tão sistemática. A principal chave desse novo esquema epidemiológico é a compreensão das alterações cromossômicas das células de cada tumor para que, a partir daí, o paciente receba uma determinada droga que caiba em seu perfil para que se submeta a uma terapia-alvo.
;Em âmbito internacional, a individualização do mecanismo de ação de novas drogas, de acordo com a alteração genética da célula de câncer que se pretende atingir, já é uma realidade;, explica o coordenador de Pesquisa Clínica do Inca, o médico Carlos Gil Moreira Ferreira. Ele afirma que a ideia é vencer o tempo perdido e colocar o Brasil nessa linha de frente de pesquisas genéticas do câncer e de tratamentos cada vez mais sofisticados. ;Em termos de Inca, já temos condições de oferecer a pacientes de câncer certos medicamentos e formas de tratamento que ainda não estão disponíveis no resto do país;, reconhece Ferreira.
Exatamente por isso, pela dificuldade de acesso a terapias modernas e a novos medicamentos, é que foram criados o Banco Nacional de Tumores, em 2005, e, mais recentemente, a Rede Nacional de Pesquisas Clínicas em Câncer (RNPC-Câncer).
Resultados preliminares
A primeira etapa de trabalho no mapa está quase concluída e até julho o Inca espera divulgar os primeiros dados sobre câncer de pulmão no Brasil ; o mais letal e o mais associado ao fumo. Como exemplo de resultados dessa fase do projeto, Ferreira cita que a pesquisa aproximou o perfil do paciente oncológico brasileiro do americano e do europeu caucasianos. Entre os dados epidemiológicos levantados, comprovou-se que cresce o número de casos de câncer de pulmão em não fumantes, o que confirma uma tendência mundial.
Sob essa perspectiva da classificação molecular dos tumores, é essencial se conhecerem cada vez mais recursos para abordagens individualizadas e a criação de drogas-alvo (veja quadro), afirma o médico do Inca. Para isso, conforme ele, é fundamental se investigarem quais as alterações moleculares do câncer de pulmão no Brasil.
Em sua fase preliminar, a pesquisa vai considerar casos de tumores pulmonares em fumantes e não fumantes. Por falar em tabagismo, não fumar ainda é a melhor das estratégias para se evitar o mal, segundo Ferreira. ;Os resultados permitirão comparar as características genéticas dos diferentes perfis dos pacientes com câncer de pulmão e entender se as alterações moleculares que provocam o mal no Brasil são as mesmas de outros países;, acentua o médico.
Na área da medicina corporativa, especialistas são unânimes em apoiar o perfil molecular dos tumores como eixo de um novo paradigma terapêutico. Gustavo Fernandes, coordenador médico da unidade candanga do Hospital Sírio Libanês, a ser inaugurada em junho deste ano, ecoa as palavras de Ferreira. ;Sabemos duas coisas nessa discussão. Primeiro, que se ninguém fumasse no planeta o número de casos de câncer cairia pela metade, em pouco tempo. Segundo, que o caminho para a busca da cura ou de melhores tratamentos é a medicina personalizada;, ressalta. O oncologista apoia a nova política do Inca, mas alerta que o fato de o Brasil ser um país tão desigual poderá dificultar o desenho desse mapa.
Terapia-alvo
Vários testes de sequência de DNA são capazes de identificar alterações genéticas em células tumorais, que podem levar a uma terapia-alvo com drogas específicas para cada caso. Especialistas alertam para a necessidade da seguinte compreensão sobre o câncer: é muito raro que apenas uma alteração genética seja responsável pelo câncer; em geral, são vários genes envolvidos. ;As informações que estão sendo colhidas com a descoberta das ações do EGFR e do ALK, dois oncogenes, em câncer de pulmão são apenas parte da história. Há luz no fim do túnel para um controle mais eficaz e duradouro de um câncer tão devastador;, diz o patologista Carlos Bacchi.
[FOTO2]DROGAS DA ESPERANÇA
Erlotinib e Gefitinib
; Eficazes para um grupo de 6% a 10% de pacientes com câncer de pulmão e mutação sensibilizadora no EGFR
Bevacizumab
; Eficaz para 30% a 40% de pacientes com subtipo adenocarcinoma (tipo de câncer de pulmão)
Crizotinib
; Eficaz para 4% de pacientes com mutação no EML4-ALK (pulmão)
Cetuximab
; Sob estudo