Ciência e Saúde

Um dos 28 casos no mundo, garoto de 9 anos sofre com envelhecimento precoce

Pele enrugada, problemas motores e atraso cognitivo são alguns dos sintomas da doença gênica que acomete garoto mineiro de 9 anos, um dos 28 casos registrados no mundo

postado em 21/03/2011 07:00
Pele enrugada, problemas motores e atraso cognitivo são alguns dos sintomas da doença gênica que acomete garoto mineiro de 9 anos, um dos 28 casos registrados no mundoBelo Horizonte ; Em Itaguara, cidade da região central de Minas Gerais, a 100km de Belo Horizonte, uma doença rara desafia a ciência. Desde os primeiros meses de vida do garoto Eduardo Júnior Silveira, hoje com 9 anos, seus pais buscam, incansavelmente, na medicina, tratamento para reverter o quadro de envelhecimento precoce que atinge a criança. Mas a pele fina e enrugada, a dificuldade para andar, o baixo peso, os problemas na dicção e o atraso cognitivo são sintomas que ainda não têm solução médica. Diagnosticado como portador da síndrome de Wiedemann-Rautenstrauch, o caso de Eduardo é um dos 28 já registrados no mundo.

[FOTO2];As bases genéticas da doença ainda não são conhecidas e, por isso, não há cura, nem mesmo tratamento;, explica a geneticista pediátrica e membro do serviço de genética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), Letícia Lima Leão. A médica é responsável pelo diagnóstico da doença de Eduardo, o único registrado nos 25 anos do serviço de genética do HC.

Também chamada de progeroide neonatal, a síndrome de Wiedemann-Rautenstrauch é classificada, segundo Letícia, como uma doença gênica com padrão de herança autossômico recessivo. Nesse caso, não há anormalidade nos cromossomos ; estruturas localizadas no núcleo celular responsáveis por carregar toda a informação genética que as células necessitam para crescimento, desenvolvimento e reprodução e que determinam, entre outras coisas, a cor dos olhos, da pele, dos cabelos e da estatura. No entanto, quando os genes que compõem esses cromossomos apresentam alterações, podem ocorrer mutações genéticas. Nos casos em que o padrão de herança é recessivo, é preciso que a mutação ocorra nos dois genes oriundos do pai e da mãe (veja arte).

;Os pais não desenvolvem a doença, mas são portadores da síndrome em sua carga genética. A cada gravidez, eles têm um risco de 25% de ter uma criança com a doença novamente;, explica a médica. Ainda segundo ela, não é possível prever o tempo de vida desses pacientes.

Presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, o geneticista pediatra Marcial Francis Galera confirma a dificuldade de tratar a doença. ;É uma síndrome extremamente rara, que faz parte de um grupo de doenças que provocam envelhecimento precoce e ainda não têm cura nem medicação específica. Nesses casos, o prioritário é a manutenção dos cuidados com a saúde da criança, como proteção à pele, boa alimentação e higiene pessoal;, afirma.

;Mesmo já tendo ouvido de especialistas do Hospital das Clínicas de São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas, e de vários médicos de Belo Horizonte que não há cura para o caso do Eduardo, não perdemos a esperança. Queremos nos aprofundar no assunto para descobrir se ele é mesmo portador dessa síndrome ou se existe tratamento em algum lugar do mundo. Vamos correr atrás sempre. Queremos zelar pela saúde dele. Se deixarmos de lado, pode ser tarde;, diz o pai do garoto, o auxiliar de serviços gerais José Júnior Silveira, 55 anos.

A rotina de Eduardo é cercada de cuidados dos pais, que seguem as orientações dos diversos especialistas já procurados pela família para garantir qualidade de vida ao menino. ;Ele tem uma rotina de vida normal. Não tem outras doenças e é ativo, sorridente e participativo. Levanta às 6h e vai à Apae, onde participa de oficinas. À tarde, estuda o primeiro ano na escolinha. Mas devido às limitações físicas, não consegue andar direito e temos de ajudá-lo. Sempre que sai também precisa usar fralda;, conta José Silveira.

No SUS
Especialidade recente na medicina, a genética foi instituída na rede pública de saúde em 21 de janeiro de 2009, por meio da Portaria n; 81/09 do Ministério da Saúde, mas, na prática, a oferta do serviço ainda esbarra na falta de uma portaria definitiva que regulamentará o funcionamento do serviço no Sistema Único de Saúde (SUS). ;A medida determina que a genética seja oferecida no SUS, mas ainda é preciso montar serviços de referência, além de capacitar e de contratar profissionais para orientar e dar suporte aos pacientes;, afirma o geneticista pediatra Marcial Galera.

A falta de uma providência, de acordo com a médica Letícia Leão, gera entraves no atendimento. ;Hoje, temos 6 mil famílias sendo atendidas no serviço de genética do Hospital das Clínicas da UFMG, que é o único credenciado em Minas Gerais para esse tipo de atendimento. Muitas pessoas do interior e até mesmo de Belo Horizonte desistem de buscar tratamento diante da dificuldade de conseguir uma vaga;, explica. As consultas, segundo Letícia, são marcadas a cada três meses. ;O primeiro atendimento é demorado. Dura cerca de duas horas. É preciso conhecer a história do paciente, construir uma árvore genealógica com pelo menos três gerações. Quando as vagas são abertas, elas se encerram imediatamente;, acrescenta, informando que há apenas cerca de 15 geneticistas na capital mineira e menos de 200 no Brasil.

O Ministério da Saúde, órgão responsável pela definição das diretrizes da assistência, informa que a execução da prestação dos serviços e do atendimento à população é responsabilidade direta dos gestores locais de saúde, que são os estados e os municípios. ;Cabe às secretarias estaduais e municipais definirem sua rede de serviços e assistência à população;, sustenta o órgão.


Síndrome de Wiedemann-Rautenstrauch

O que é?
; Também chamada de progeroide neonatal, é uma síndrome extremamente rara, cujo padrão de herança é autossômico recessivo (somente há a manifestação da síndrome se o indivíduo receber as duas cópias alteradas do gene, que vêm do pai e da mãe).
Sintomas
; Caracteriza-se por características progeroides (de envelhecimento) desde o nascimento, com múltiplas anomalias, como deformidades cranianas e faciais; nariz em forma de ;bico; e que se torna mais pronunciado com o avançar da idade; cabelos, cílios e sobrancelhas esparsos e baixo peso. Os doentes apresentam pouco tecido gorduroso no subcutâneo, o que dá à pele um aspecto frágil, fino e enrugado.

Probabilidade de ocorrência
; Como é uma síndrome que apresenta padrão de herança autossômico recessivo, os pais têm um risco de 25% de ter uma outra criança com a doença a cada nova gravidez.

Doenças genéticas

Cromossômicas
; Ocorrem devido a alterações na estrutura dos cromossomos, como perda cromossômica, aumento do número de cromossomos ou translocações cromossômicas. A trissomia 21 ou síndrome de Down é um transtorno frequente, que ocorre quando uma pessoa tem três cópias do cromossomo 21.
Doenças multifatoriais ou poligênicas
; Conjunto de doenças hereditárias produzidas pela combinação de múltiplos fatores ambientais e mutações em vários genes, geralmente de diferentes cromossomos. As doenças crônicas mais frequentes, como hipertensão arterial, Alzheimer, diabetes melito, obesidade e vários tipos de câncer são multifatoriais.

Gênicas
; São doenças desencadeadas quando os cromossomos são normais, mas há alterações/mutações nos genes. Elas podem ser autossômicas recessivas ou dominantes.
; Recessiva ; para que a doença se manifeste, é necessário que haja duas cópias do gene mutado no genoma da pessoa afetada, cujos pais normalmente não manifestam a doença, mas portam cada um uma cópia do gene mutado. A probabilidade de ter um filho afetado por uma doença autossômica recessiva entre duas pessoas portadoras de uma só cópia do gene mutado (que não manifestam a doença) é de 25%.
; Dominante ; para que a doença seja desenvolvida, é preciso apenas uma cópia mutada do gene. Normalmente um dos dois pais de uma pessoa afetada manifesta o mal e esses progenitores têm 50% de probabilidade de transmitir o gene mutado a seu descendente, que desenvolverá a síndrome.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação