Ciência e Saúde

Problemas de saúde interferem expressivamente no desempenho escolar

postado em 29/03/2011 07:00
Que a falta de saneamento básico, os surtos, as epidemias e a dificuldade de acesso ao atendimento médico são problemas estruturais da saúde pública no Brasil, não é novidade para ninguém. O que pouca gente sabe é que essas questões também são um problema para a educação. Foi isso o que concluiu uma dissertação de mestrado apresentada na Universidade de São Paulo (USP). Segundo o estudo, quando a saúde pública vai mal, as consequências são sentidas bem longe dos hospitais, nas salas de aula. A pesquisa ressuscita um debate antigo sobre como educação e saúde, muitas vezes tratadas como assuntos distantes, são questões integradas que merecem ser vistas em conjunto.

A pesquisa cruzou dados relacionados à saúde presentes no Datasus, o banco de dados do Sistema Único de Saúde com o desempenho de alunos da 4; e da 8; séries do ensino fundamental de 4.959 municípios brasileiros na Prova Brasil nos anos de 2005 e 2007. A conclusão foi de que, naquelas cidades onde condições sanitárias e de saúde são ruins, os rendimentos no exame aplicado pelo Ministério da Educação são mais baixos. De acordo com o estudo, os estudantes de estabelecimentos onde há rede de esgoto, menos expostos à ocorrência de verminoses e doenças relacionadas a contaminações, tiveram um rendimento 6,8% mais alto na prova de português do que aqueles que estudam em locais onde o recolhimento dos resíduos ainda é um problema. Em matemática, o impacto foi semelhante. As notas de quem não tem acesso à rede de esgoto foram 6,3% mais baixas.

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Apesar de não analisar separadamente cada município, os dados mostram que, independentemente da região do país, aspectos relacionados à saúde e à salubridade do local onde as crianças vivem influenciam diretamente no desempenho delas nos estudos. ;De maneira geral, nos concentramos em estimar o efeito da saúde no desempenho escolar. Não estudamos particularidades sobre determinado município. Nos preocupamos apenas com o efeito médio;, explica o pesquisador.

Nos anos de 2005 e 2007, o país enfrentou dois surtos de dengue, por isso a doença que afetou mais de 1 milhão de pessoas nos dois anos também foi objeto do estudo do pesquisador. Ao comparar o desempenho dos estudantes de cidades que sofreram o surto com aquelas nas quais os casos de dengue permaneceram dentro do normal para o período, o pesquisador percebeu que a doença causou uma diminuição média de 6% no desempenho dos alunos.

O número, por si só, já é considerado alto, mas pode mascarar uma realidade ainda pior, já que em muitas situações não há a confirmação sobre se se trata ou não de um caso de dengue. ;Algumas cidades não possuíam informações precisas sobre a doença, mas, se a magnitude dos impactos for confirmada em novos estudos, a dengue pode ter um efeito negativo no bem-estar da população maior do que se imaginava até agora;, explica Roland. A ausência de dados consistentes sobre muitos tipos de doenças impediu uma análise mais profunda em relação a outras doenças, como a meningite, por exemplo.

Ação conjunta
Para a diretora-científica de Saúde e Educação da Sociedade Brasileira de Pediatria, Maria de Lourdes Fonseca Vieira, a relação entre aspectos educacionais e de saúde vão muito além da diminuição do rendimento de alunos que são acometidos por algumas doenças. ;Apesar de historicamente serem tratadas de maneira separada, a saúde tem muito a contribuir para o desenvolvimento da educação;, conta a médica, que acredita no desenvolvimento conjunto das duas áreas. ;Os estabelecimentos de ensino e de saúde devem trabalhar com as famílias, tanto para promover a melhoria na saúde quanto para prover condições ideais para a aprendizagem;, opina.

Essa é a mesma opinião da produtora de eventos Maryella Rodrigues Barros, 29 anos. Para ela, a escola é uma grande aliada quando o assunto é a saúde do pequeno Ravi, 4. Apesar de ele estar na educação infantil, ainda longe de passar pelo crivo das avaliações do MEC, problemas médicos já precisaram mantê-lo longe da escola. Na semana passada, ele teve uma crise de faringite, e permaneceu três dias em casa. ;Eu trabalho o dia todo e ele passa a maior parte do dia nas duas escolas que frequenta. Assim, tenho que contar com o apoio da escola para ficar de olho na saúde dele;, conta a mãe.

Quando a atual crise de faringite ; problema relativamente frequente para o garoto ; começou, foi justamente um alerta das professoras que fez Maryella procurar o médico. ;Algumas professoras ainda acham que se trata apenas de responsabilidade das mãe, mas acho que deve haver um trabalho colaborativo entre pais e educadores para promover a saúde da criança;, opina a mãe, depois de levar o filho de volta para a escola. ;Muitas vezes, eles passam muito mais tempo na escola do que com as mães. Assim, a instituição tem que ser parceira;, completa.

Além de contribuir no diagnóstico precoce das doenças, como ocorreu no caso de Ravi, as escolas também podem contribuir para a redução de problemas de saúde. Dados do programa Saúde e Prevenção nas Escolas promovido pelo Ministério da Saúde (MS) mostraram que depois de receber aulas sobre educação sexual nas escolas, o percentual de estudantes que usavam camisinha cresceu 20 pontos percentuais, pulando de 48% para 68% dos jovens.

Apesar de essencial para o desenvolvimento tanto da saúde quanto da educação, essa parceria ainda é recente no Brasil. ;Até 10 anos atrás, as duas áreas dificilmente dialogavam e eram comuns situações em que órgãos de saúde e de educação promoviam ações semelhantes separadamente;, afirma a pediatra Maria de Lourdes, da SBP. ;Felizmente, nos últimos anos, isso vem mudando e as políticas públicas passaram a ser elaboradas por equipes multidisciplinares, onde todo mundo sai ganhando;, completa a médica.

Danos diretos
A integração entre saúde e educação é a chave para a melhoria na qualidade de vida. Quando a falta de comunicação entre as duas áreas ocorre, os maiores prejudicados são os alunos. O relações públicas José Jance Marques, 25 anos, enfrentou os dois lados da integração saúde-educação. Em 2007, o rapaz foi diagnosticado com um melanoma, uma espécie de câncer de pele. ;Tive que me afastar das aulas para fazer o tratamento. Na época, recebi total apoio da coordenação do meu curso. Recebi o direito de fazer exercícios domiciliares e consegui coordenar estudos e tratamento;, conta o jovem, que na época estudava no Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb).

Dois anos depois, porém, a doença voltou, desta vez no coração. O rapaz afirma que, nesse segundo momento, teve problemas para conseguir continuar estudando. ;Do ponto de vista humanista, as pessoas sempre entendem bem, a maioria dos professores me ajudou. Mas o que atrapalha é a burocracia;, afirma o rapaz, que, depois de ter sua bolsa de estudos prorrogada por duas vezes, acabou perdendo o direito a estudar gratuitamente na faculdade. ;É complicado lidar com o tratamento e ainda ter que correr atrás para cuidar de trâmites burocráticos;, conta o jovem.

A diretora do Iesb, Eda Coutinho de Souza, reconhece o papel humanista que os estabelecimentos de educação devem ter quando alunos passam por problemas de saúde. ;É obrigação de toda instituição se mobilizar nesses casos. Infelizmente, depois que o aluno perdeu a bolsa do ProUni, o funcionário que o atendeu não o avisou que a instituição tem um programa de bolsas para alunos com problemas graves de saúde;, afirma Eda. Ela sustenta que trâmites burocráticos para a concessão desse tipo de benefício são necessários, ;para evitar que outras pessoas, mal-intencionadas, utilizem esses benefícios sem terem direito a eles;, afirma.

Teste de qualidade
A Prova Brasil é uma avaliação aplicada pelo Ministério da Educação como um dos componentes para medir a qualidade da educação pública no Brasil. O exame faz parte do Sistema Nacional de Avaliação da Educação (Saeb). A prova é aplicada para os estudantes do 5; e 9; anos do Ensino Fundamental (antigas 4; e 8; séries) e as notas variam de zero a 350 pontos.

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